A "porta dos fundos" de Costa e a "aliança manhosa" com Marcelo: Sócrates poupa Pedro Nuno e elogia as "esporas" de Montenegro

2 jun, 00:09

À beira do início do julgamento, José Sócrates expõe a sua defesa “solitária” e responde ao momento político: entre um rol de críticas, surpreendeu o elogio: Montenegro "ganhou esporas" e, através da "resiliência e combatividade", transformou-se num personagem político respeitável"

Na ressaca do resultado das eleições legislativas e a um mês do início do julgamento da Processo Marquês, José Sócrates foi entrevistado na CNN Portugal, onde fez uma análise muito crítica à política atual - e a políticos atuais. A quase todos, menos a um: Luís Montenegro.  

Os alvos das críticas do ex-primeiro-ministro foram muitos: Marcelo Rebelo de Sousa - "personagem sem consequência" -, António Costa - “chegou ao poder pela porta dos fundos" -, António José Seguro, Gouveia e Melo e Marques Mendes - "não votaria em nenhum". Nem a decisão de Rui Rio de regressar à política como mandatário escapou à crítica do antigo secretário-geral socialista, que, no entanto, elogiou um social-democrata: Luís Montenegro que "nesta campanha ganhou as suas esporas".

Montenegro "foi de uma resiliência e combatividade que faz dele um personagem político respeitável", destaca o antigo líder socialista.

Quanto ao PS e ao resultado nas eleições, Sócrates considera que "é mesquinho", "muito feio" e "injusto" atribuir a "responsabilidade da derrota ao Pedro Nuno Santos", porque "se há responsabilidade, é anterior”. Ainda assim, o ex-primeiro-ministro não esconde que ficou "muito triste na noite eleitoral” enquanto assistia ao declínio socialista e a ascensão da extrema-direita.

"Acho que devemos levar a sério o que os eleitores fizeram: votaram num partido de extrema-direita. E foi isso que os portugueses fizeram", diz, lembrando que agora "tudo o que os partidos democráticos podem fazer é combatê-lo".

Contudo, o PS está em fase de refletir, repensar e reorganizar, mas a experiência política de Sócrates alerta que isso "é pouco". “Um partido quando perde não deve passar a vida a fazer autocrítica, deve fazer outra coisa; é isso o que as pessoas lhe pedem”, aconselha". 

“A única reflexão [no PS] é que é preciso reflexão e tempo para a reflexão”, ironiza Sócrates.

Todavia, Sócrates frisa que houve um fator que levou ao colapso socialista, mais uma "golpada judicial", nas suas palavras: “O facto de o senhor procurador-geral da República, no meio da campanha, ter decidido abrir uma averiguação preventiva ao líder da oposição de forma absolutamente injusta e sem nenhum fundamento, ou melhor, com fundamento num outro processo que já tinha sido arquivado".

O ex-primeiro-ministro considera, no entanto, que "mais vergonhoso" do que a abertura da averiguação, "é o PS não dizer uma única palavra sobre isto, porque parece que tem medo”.

“Há dez anos que o PS vive dominado por esse silêncio relativamente a mim"

Esse receio não é de hoje. Sócrates diz que viu com o "maior interesse" o anterior governo de Luís Montenegro a adotar projetos como o TVG, a terceira travessia sobre o Tejo e o Aeroporto de Alcochete, todas elas pastas que tinham tido luz verde dos governos liderados pelo socialista há mais de um década e meia. 

Porquê este atraso? Porque "o PS parecia que tinha vergonha", diz o ex-primeiro-ministro, teorizando: "Porventura, por serem projetos do Sócrates”.

“Há dez anos que o PS vive dominado por esse silêncio relativamente a mim. Estou a travar uma batalha solitária. Tenho a consciência que é uma batalha contra a política, contra o sistema judicial e contra o jornalismo. É contra todos e é assim que tenho vivido nos últimos 10 anos. E também contra o PS, de que quem me tenho defendido, o que é muito triste”, desabafa.

Para o antigo secretário-geral, o PS mudou e deixou de ser "um partido pela liberdade". "A liberdade individual é o bem mais precioso e isso significa os limites à ação do Estado, isto é, a ideia de que há um espaço que é da autonomia do individuo e não pode ser invadido pelo Estado, um espaço onde compete ao individuo tomar decisões", porque, no final, "o Estado protege a mais pequena das minorias que é o individuo”.

Processo Marquês? Uma "vigarice" para "afastar" José Sócrates da política

José Sócrates volta, mais uma vez, a criticar a ação judicial no Processo Marquês e sublinha que, ainda antes de o caso avançar, houve questões duvidosas. 

“O processo Marquês começou assim: com a vigarice da escolha do juiz. Deviam fazer um sorteio e não fizeram porquê? Para escolher o juiz Carlos Alexandre”, acusa.

Para o ex-primeiro-ministro há pelo menos uma certeza: "Tudo isto foi feito para me afastar da vida política e para me impedir de ser candidato à Presidência da República”.

Ao falar-se da corrida a Belém, a pergunta é inevitável e a resposta de Sócrates saltou também prontamente: "Não pondero candidatar-me". O antigo homem forte dos socialista lembra que nunca o fez nem quer "utilizar a política como uma arma para combater judicialmente".

“O que exijo é que se respeite a lei. Só quero isso, a lei, nada mais”, culmina sobre o caso que se arrasta há 10 anos nos tribunais nacionais.

Marcelo, "Um personagem sem consequência"

Questionado sobre a hipótese do apoio do PS, nas presidenciais, poder cair para António José Seguro, Sócrates garante: “Não votaria no Tó Zé Seguro". E entre Gouveia e Melo e Marques Mendes? "Não votaria em nenhum desses três, votaria isso sim no António Vitorino se ele fosse candidato”.

“O PS não consegue decidir quem vai apoiar e devia fazê-lo rapidamente”, aconselha.

O ex-primeiro-ministro refere que "é triste" aquilo em que se transformou a Presidência da República em Portugal: "este Presidente revelou ser quem sempre foi, quem eu sempre achei que era e termina assim. Termina da forma que estamos a ver. É um personagem sem consequência como sempre foi, nunca foi outra coisa senão aquilo”, diz Sócrates.

“Um Presidente da República não é um mero espectador que vai fazendo intriga nos jornais para agora valorizar este e amanhã desvalorizar o outro. Não é esse o papel do Presidente da República e foi nisto que transformámos a Presidência da República nestes últimos dez anos. É triste”, refere.

Outro dos alvos do ex-primeiro-ministro foi o atual presidente do Conselho Europeu, António Costa, - o primeiro primeiro-ministro do PS que lhe sucedeu. E as críticas surgem precisamente pelas circunstâncias em que o PS regressou ao Governo, porque Costa "chegou ao poder pela porta dos fundos" e agora, para Sócrates, há uma certeza: "Ou a esquerda é maioritária ou nunca voltará a governar".

 

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