Advogado escolhido para representar Sócrates admite que "não está habilitado" para o defender. Juíza diz que a culpa é "exclusiva" de Pedro Delille  

4 nov, 12:18
José Sócrates no Campus de Justiça (António Cotrim/Lusa)

José Manuel Ramos queria suspender o julgamento por pelo menos 48 horas, mas a juíza não acedeu

O defensor oficioso nomeado pelo tribunal para representar José Sócrates no processo Marquês admitiu, na sessão em que a juíza Susana Seca descobriu que o antigo primeiro-ministro perdeu Pedro Delille como mandatário, que não se sente “habilitado” para defender o principal arguido no processo em que está acusado de 22 crimes por não conhecer os meandros das milhares de folhas que constam na acusação. 

Pouco depois da inquirição da testemunha Maria João Silva, a secretária de há vários anos de José Sócrates, dois advogados - Nuno Carvalho, representante do motorista de Sócrates, e Filipe Batista mandatário de Sofia Fava - avançaram com requerimentos a arguir nulidades na manutenção do julgamento por a juíza ter recusado suspender a sessão e dar 48 horas ao advogado oficioso para se inteirar do processo. 

Sublinhando que José Sócrates não está presente, Nuno Carvalho referiu que a decisão da juíza de continuar a avançar com a interrogação de testemunhas “equivale à falta de defensor”. “No mínimo trata-se de uma irregularidade e isto enquina os próximos atos”. Imediatamente a seguir, o advogado de Sofia Fava tomou a palavra para fazer uma declaração no mesmo sentindo, apontando que tal “vicia de certa forma este julgamento” e que prejudica uma série de direitos das defesas, como o contraditório. 

Para este advogado, o facto de “o defensor oficioso nunca ter tido qualquer contacto com o arguido que está a defender parece-me que isto coloca aqui questões graves em termos de direitos de defesa e que pode condicionar em cascata” todo o processo.

Instantes depois, seria a vez do advogado José Manuel Ramos, o oficioso escolhido pelo tribunal para defender Sócrates até o antigo primeiro-ministro escolher um novo representante - o que vai acontecer -, de ser questionado pela juíza sobre o que achava daquilo que os seus colegas estavam a dizer. O representante tomou o microfone auxiliado por uma assistente - é invisual - e respondeu que mantinha aquilo que tinha dito logo no início da sessão quando pediu dois dias para consultar o processo. 

“Eu mantenho aquilo que requeri”, afirmou, destacando que, no mínimo poderia vir a falar com José Sócrates e explicar-lhe o que a sua antiga secretária disse em tribunal, mas que sem o prazo para consultar o processo não se sente “habilitado”. Por outro lado, o Ministério Público garantiu que toda esta confusão tem um único responsável: Pedro Delille. “Tudo isto derivou da apresentação de um requerimento a minutos do início do julgamento, um facto perturbador”.

Para o procurador Rui Real, um dos responsáveis por defender a acusação no julgamento, o que deve estar em causa é uma “falta injustificada” já que a burocracia necessária para que Delille deixe de ser o mandatário de Sócrates não foi cumprida. “O Defensor, em termos práticos, continua em funções”. “Em termos materiais, esta situação não é substancialmente diversa daquilo que aconteceu na passada quinta-feira” - quando Delille chegou atrasado à sessão e teve de ser substituído por um oficioso. “

No seguimento, Susana Seca, a presidente do coletivo de juízes, reforçou a sua posição e mandou continuar o julgamento, reiterando o despacho que deu durante a manhã. “Nessa medida, a questão que o tribunal ponderou foi entre interromper ou suspender a sessão para que o defensor possa consultar os autos e a perturbação que tal ato levaria”, já que o “desagendamento de inúmeras testemunhas prejudicaria a aquisição da prova e a continuidade”. “O referido incidente foi causado por exclusiva responsabilidade do ainda mandatário” Pedro Delille que “não compareceu para assegurar a defesa”. 

Nessa linha, Sócrates acabou por reagir à demissão do seu advogado, dirigindo culpas à juíza. “O tribunal destratou sem razão o meu advogado levando ao ato extremo de renunciar ao seu mandato por considerar que não tem condições para exercer, de forma conveniente, a minha defesa”, escreveu em comunicado esta terça-feira. “Quero deixar escrito que devo muito ao Dr. Pedro Delille- foi meu advogado, meu companheiro e meu amigo de todos estes anos. Por minha insistência aceitou continuar a representar-me nos processos internacionais que estão em curso. Foi a isto que chegámos".

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