José Sócrates apresentou esta terça-feira, uma queixa formal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) contra o Estado português. Fê-lo em conferência de imprensa em Bruxelas, com o auxílio de um advogado da firma belga “Jus Cogens”, a mesma que já defendeu figuras como Julian Assange ou Rafael Correa. A acusação é grave: Sócrates diz que a Operação Marquês é uma "violação do Estado de Direito", e que o processo – com mais de uma década de duração – foi artificialmente reanimado através de um "lapso de escrita" que visaria contornar os prazos de prescrição.
Não discutirei aqui a complexidade técnica do processo Marquês, nem os mais de 40 recursos já interpostos por parte da defesa de José Sócrates, nem a forma como o mesmo foi conduzido. Mas há algo que não pode deixar de causar perplexidade em qualquer cidadão atento: a profunda contradição no discurso do ex-primeiro-ministro.
José Sócrates sempre disse que o processo era uma cabala, que a acusação era falsa, que o Ministério Público montou uma narrativa de ficção. Sustenta que tudo não passa de um ataque pessoal e político. Se assim é – se nada do que se diz contra ele é verdade – porque teme então o julgamento?
Aquele que se proclama inocente deveria ser o primeiro a exigir o julgamento. A confiar na força da verdade e da prova. A querer, por fim, ver o seu nome limpo por sentença judicial. Porque é isso que acontece aos inocentes: vão a julgamento confiantes de que a justiça prevalecerá.
É certo que a justiça não é infalível. Os juízes não são deuses – são humanos, e por vezes erram. Mas um sistema que permite recurso, contraditório e ampla defesa é justamente o que distingue um Estado de direito de um regime de arbítrio. Sócrates teve – e tem – acesso a tudo isso. Tem advogados, notoriedade, meios. E teve também decisões favoráveis, como a do juiz de instrução Ivo Rosa, que lhe ilibou de várias acusações. A narrativa do perseguido começa, por isso, a soar mais a tática do que a verdade.
A ida ao TEDH é, juridicamente, precipitada. O processo ainda nem sequer foi a julgamento, e os tribunais portugueses não esgotaram os seus mecanismos. A regra é clara: só se pode recorrer ao TEDH depois de todos os recursos internos terem sido usados e a decisão se tornar definitiva. Qualquer jurista sabe disso. Qualquer cidadão com acesso à internet também.
Pode o recurso conter pedidos de medidas cautelares? Sim. Mas mesmo isso exige urgência, risco iminente, e uma violação que se revele irreversível – o que, convenhamos, dificilmente se pode invocar antes sequer de o julgamento começar. É difícil não ver nesta manobra um expediente dilatório, uma forma de adiar o inevitável confronto com os factos.
Em lugar de confiar na justiça portuguesa e permitir que se faça, Sócrates prefere atacar os tribunais, deslegitimar as decisões, e recorrer a instâncias europeias como se se tratasse de um perseguido político. Mas quem acredita que está inocente não foge ao julgamento – vai, enfrenta, e espera sair absolvido. Tudo o resto são palavras.