Credores do saco azul do BES já exigem mais de 30 milhões a José Sócrates por "pagamentos indevidos". Zeinal Bava já pagou 25 milhões

3 jul, 07:00
José Sócrates (Lusa/António Pedro Santos)

Os credores da Espírito Santo International — a sociedade insolvente que geria o chamado "saco azul" do Grupo Espírito Santo — continuam a tentar recuperar cerca de 70 milhões de euros junto do antigo primeiro-ministro e de vários outros nomes implicados no processo Marquês, que começa hoje a ser julgado. Agora, a massa insolvente requereu que a esse montante sejam acrescidos juros acumulados ao longo de mais de uma década. Há quem já tenha pagado mais de 20 milhões de euros para sair deste processo de indemnizações

José Sócrates começa esta quinta-feira a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa, como o principal protagonista do julgamento do processo Marquês. Mas, ao mesmo tempo, apenas a 10 quilómetros, no Palácio da Justiça, está em curso um outro processo que também tem no anterior primeiro-ministro o seu alvo principal. Com 35 volumes amontoados num trolley no sexto andar daquele edifício, o processo decorre desde 2017 e foi movido pelos credores de uma das principais sociedades do Grupo Espírito Santo, a Espírito Santo International (ESI), hoje falida. Ao todo, os credores exigem cerca de 70 milhões de euros de indemnização a vários protagonistas, muitos deles também ligados à operação Marquês. Só a José Sócrates é exigida uma quantia de 29 milhões de euros acrescida de juros.

No centro desta batalha judicial estão os administradores da massa insolvente da ESI, que instauraram uma ação cível pouco depois de ter sido conhecida a acusação do processo Marquês e, especificamente, as contrapartidas que o antigo primeiro-ministro José Sócrates, e os antigos responsáveis da Portugal Telecom (PT), Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, terão recebido de Ricardo Salgado para agirem em defesa dos interesses do grupo, nomeadamente para travar a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonaecom à PT

Essas contrapartidas terão sido pagas pela ESI “pelo menos desde 2007”, segundo a defesa daquela que em tempos foi a holding de topo do Grupo Espírito Santo, que controlava, a partir do Luxemburgo, as diferentes sociedades offshore que eram usadas para remunerar a família de Salgado, mas também pagar a responsáveis políticos como alegadamente a Manuel Pinho, condenado o ano passado por crimes de corrupção, ou José Sócrates que, de acordo com os advogados da massa insolvente, terá recebido “para atuar em conformidade com as estratégias definidas por Ricardo Salgado para a PT em detrimento do interesse público”.

É, de resto, ao antigo primeiro-ministro que é exigido mais dinheiro. A ESI começou por pedir a José Sócrates que seja condenado a pagar 29 milhões de euros fruto de pagamentos “indevidamente recebidos” que o levaram a enriquecer “à custa do empobrecimento e sacrifício económico” da antiga holding do BES e das suas offshores. Mas, recentemente, a massa insolvente avançou com um pedido para receber mais dinheiro - e tudo por causa de um erro assumido.

Num dos últimos volumes do processo, a ESI avançou com um requerimento para que os réus sejam também obrigados a pagar juros das quantias que receberam “indevidamente”. “Na sua petição inicial, a autora não formulou pedido de condenação dos réus no pagamento dos juros legais devidos sobre as quantias a que a autora tem direito e, daí, o presente requerimento”. 

Os réus, afirma o requerimento, “sempre tiveram plena noção de que os pagamentos efetuados eram ilegítimos e que consubstancia a prática dos crimes identificados”. “Pelo que, deve cada um dos réus, responder pelos juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento correspondentes ao valor do seu enriquecimento, desde a data dos respetivos recebimentos” - ou seja, pelo menos desde 2007, o que elevará o montante pedido a José Sócrates a superar os 30 milhões de euros.

O Juízo Central Cível de Lisboa, onde decorre o processo, ainda não decidiu sobre este pedido ao qual praticamente todos os réus se manifestaram contra, salientando que o requerimento da ESI resultou de um “esquecimento da formulação logo na petição inicial”, como descreveu a defesa de Carlos Santos Silva. A ser aceite, nos termos que os credores da antiga holding do BES sugerem - isto é, que o cálculo desses juros seja “contabilizado à taxa legalmente fixada para os juros comerciais em cada momento” - o pedido de indemnização poderá escalar para mais de 100 milhões de euros, segundo cálculos feitos com base nos juros comerciais entre 2007 e 2025.

Os credores exigem ainda o pagamento de 19,99 milhões por parte de Henrique Granadeiro, 6,75 milhões de Ricardo Salgado e 9,25 milhões de Hélder Bataglia. No que respeita a Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca e José Pinto de Sousa, a acusação da ESI pede ao tribunal que os “condene nos montantes que eram destinados a José Sócrates e que tenham eventualmente ficado em sua posse”.

Zeinal Bava paga mais de 25 milhões de euros para sair do processo

Zeinal Bava, o ex-presidente da Oi e da Portugal Telecom é uma das peças fundamentais do processo Marquês. Pronunciado por três crimes, incluindo um de corrupção, um de fraude fiscal e um de branqueamento de capitais, o ex-gestor de topo começa também esta quinta-feira a responder às acusações de que recebeu 25,2 milhões de euros do Grupo Espírito Santo, através de um emaranhado de offshores, para agir em prol dos interesses de Ricardo Salgado, “designadamente rejeitando a OPA lançada pelo grupo Sonae e apoiando a sua estratégia para os investimentos da PT no Brasil”, como aponta o despacho do procurador Rosário Teixeira.

Contudo, ao contrário de Granadeiro, Salgado e Sócrates, Zeinal Bava já não consta do grupo de réus na ação cível em curso no Palácio da Justiça. Depois de ter, em 2015, pagado 18,5 milhões de euros à massa insolvente, o antigo gestor da PT devolveu, em dezembro de 2022, os restantes 6,7 milhões de euros que a ESI alegava terem sido pagos indevidamente. 

Em resposta a isto, Zeinal Bava, que tinha à semelhança de Sócrates e de Granadeiro, avançado com um pedido de litigância de má-fé, decidiu desistir do mesmo. Assim sendo, o nome do antigo gestor da PT foi retirado desta ação, segundo decisão do Juízo Central Cível de Lisboa. 

Em sentido contrário, Henrique Granadeiro — antigo presidente da PT e suspeito de ter recebido pagamentos do Grupo Espírito Santo como contrapartida pela sua atuação no bloqueio da OPA da Sonae — tem vindo a assumir um papel central no processo. O ex-administrador apresentou um pedido para que todas as seguradoras com as quais celebrou contratos enquanto esteve na liderança da empresa sejam chamadas como intervenientes acessórias, alegando que as apólices em causa cobriam “perdas e danos” decorrentes de “atos danosos e ilícitos”. 

O tribunal deferiu o pedido e, desde o início de 2024, tem vindo a notificar as 14 seguradoras envolvidas. A maioria apresentou contestação, cabendo agora ao tribunal decidir se estas serão ou não admitidas como partes no processo. 

Por sua vez, José Sócrates garante que “nunca recebeu de Ricardo Salgado um cêntimo que fosse” e que “nunca foi proposto ou aceitou qualquer pagamento, por entrega ou disponibilização de quantia em dinheiro, ou por outro modo ou contrapartida qualquer”.

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