Funeral de José Eduardo dos Santos pode influenciar as eleições de Angola?

11 jul 2022, 07:45
José Eduardo dos Santos e João Lourenço (Marco Longari/ Getty)

A mês e meio das eleições em Angola, contestação em torno do funeral do ex-Presidente tornou-se também um assunto político

As filhas do antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos mantêm as acusações de que o atual chefe de Estado, João Lourenço, não é alheio à morte do pai. E garantem que o líder do Movimento Popular para a Independência de Angola (MPLA, no poder) quer fazer o funeral do seu antecessor para tirar dividendos nas eleições de 24 de agosto. Uma opinião de que nem todos comungam.

“Quero sublinhar que me parece totalmente falso que o grupo do Presidente João Lourenço tenha querido matar o antigo chefe de Estado José Eduardo dos Santos; pelo contrário, tem todo o interesse em fazer-lhe grandes funerais nacionais com a presença do próprio João Lourenço”, garantiu Jonuel Gonçalves em declarações à CNN Portugal.

O pesquisador associado do NEA/UFF (Brasil) e investigador do ISCTE/IUL avançou que “todo o grupo do José Eduardo dos Santos foi colocado na lista dos deputados para as eleições” angolanas de 24 de agosto. “Dentro do MPLA, o grupo de Eduardo dos Santos é importante” e “tudo é importante numas eleições que provavelmente vão ser as mais equilibradas de toda a história dos processos eleitorais em Angola”, adiantou.

Jonuel Gonçalves não tem dúvidas de que o poder vai tentar tirar partido dos funerais do ex-presidente, assim como a UNITA vai aproveitar o diferendo entre a família de José Eduardo dos Santos e o governo de Luanda, e considera que as acusações contra João Lourenço só podem revelar que as pessoas em causa “não estão com muito boa disposição em relação à candidatura” do atual chefe de Estado angolano.

O académico avançou ainda que Angola não só segue o que se está a passar em Espanha como debate também sobre a oportunidade de se construir um mausoléu para José Eduardo dos Santos, havendo quem argumente que se deva talvez “fazer um panteão para os chefes de Estado e outras personalidades”, como acontece em muitos países.

Otimista, Gonçalves acredita que o Presidente está disponível para aplicar o habeas corpus às filhas de Eduardo dos Santos para que estas possam ir ao funeral do pai sem correrem o risco de serem detidas em Angola.

 “Não creio que se possa estabelecer qualquer ligação entre a morte do ex-Presidente José Eduardo dos Santos e a proximidade de eleições. Não vai ter qualquer impacto”, garantiu por sua vez Graça Campos. O jornalista angolano considerou que “o desfecho do braço-de-ferro entre os filhos de Eduardo dos Santos e o governo é que pode comover alguns cidadãos. Se o governo ganhar e levar o corpo sem as filhas pode ser negativo para o MPLA, mas não creio que seja decisivo para os resultados eleitorais porque o MPLA já fanatizou os seus militantes.”

Graça Campos asseverou que, entre quem utiliza as redes sociais, se registou um “aumento da simpatia para com Tchizé, porque é ela que tem dado a cara em todo o processo”. Por exemplo, muitas pessoas comoveram-se até às lágrimas com o último vídeo da segunda filha de José Eduardo dos Santos (Zédu), embora não tivesse “nada de novo, mas ela parecia autêntica”; era uma filha que, se for preciso, ameaça recorrer de novo à justiça espanhola para pedir “asilo político para o cadáver do pai”.

O jornalista considera normal toda a comoção que se regista no país, onde muitos manifestavam a sua dor pela morte do ex-Presidente e muitos outros insultavam os que choravam. Mas “a pior coisa que pode acontecer é Espanha entregar o corpo à mulher ou ao Estado; esta decisão não conseguiria abafar o rancor para com a ex-primeira-dama que, como todos sabem, já não vivia com o ex-Presidente há muito tempo.  São os filhos mais velhos quem tem direito a receber o corpo do pai. Em Angola damos muito importância a essas questões”, sublinhou.

Ganhar votos?

 “O funeral de Eduardo dos Santos não acrescenta nenhum voto a João Lourenço; as pessoas não conseguem esquecer como ele não foi razoável com o ex-Presidente, que tem o direito constitucional de ser sepultado na sua terra e com honras de chefe de Estado”, afirma Graça Campos. “João Lourenço corre o risco de ser embaraçado durante o funeral, e, quiçá, até pode perder alguns votos porque a Tchizé tem muitos seguidores”, acrescenta. E adianta: “João Lourenço está a conduzir o funeral de forma desastrosa; a ideia de enviar o chefe da segurança para tratar do assunto foi tudo menos boa porque, se este fracassar, quem é que o Presidente vai enviar? Teria sido melhor começar por alguém menos próximo”.

Na opinião do jornalista, as filhas de Eduardo dos Santos “têm bastas razões para estarem magoadas com o Presidente João Lourenço, mas não podem exigir mais do que ele pode dar. Por exemplo, apagar todos os processos judiciais que contra elas existem levaria o Presidente a perder a face perante todos os angolanos. Como ficaria a luta contra a corrupção?”

Inquirido sobre as denúncias de perseguição de que a família de Eduardo dos Santos é alvo, o jornalista reconhece que “é muito difícil dizer que a luta contra a corrupção não visa a família de Eduardo dos Santos; ele próprio [João Lourenço] cita os filhos do ex-Presidente quando fala da luta anticorrupção. É uma atitude pouco bonita. Existe, de facto, uma perseguição”, considera.

Vai o MPLA ganhar as eleições? “Acho que vão ser marcadas por grande paradoxo. Teoricamente, o MPLA não tem a mínima hipótese de ganhar porque o partido está cansado, desgastado, é visível; as próprias pessoas estão cansadas; vão ser também as eleições em que o MPLA vai reclamar a maior vitória de sempre. Aliás, a liderança do partido faz questão de dizer isso mesmo, ou seja, que vai alcançar a maior vitória de sempre, superior à do tempo de Eduardo dos Santos, e esmagar o líder da UNITA”, afirma o jornalista.

E como irá reagir o país? “O país não está preparado para a vitória do MPLA, daí o clima de tensão que se vive e o facto de as forças policiais e militares se estarem a preparar para responder a qualquer protesto que surja. Não vai ser pacífico”, antecipa Graça Campos.

Outra fonte contactada pela CNN Portugal, e que preferiu manter o anonimato, afirmou que o governo angolano convidou cerca de dois mil observadores internacionais, um número manifestamente reduzido para cobrir as cerca de 13 mil assembleias de voto. “Nem chega para Luanda”.

A fraude ameaça, portanto, o escrutínio mas evitá-la não será fácil por várias razões: seria preciso a existência de uma oposição forte, que se concentrasse nas principais bolsas eleitorais e que evitasse a “corrupção de delegados das listas”. Depois, há todo o transporte dos boletins de voto para Luanda, onde serão contados.

A 45 dias do escrutínio, a situação social num dos países mais ricos de África é “muito complicada e difícil”. O governo, numa manobra que alguns classificam de eleitoralista, conseguiu baixar o preço do cabaz mas “de pouco valeu porque não há dinheiro” e grande parte da população continua “com o estômago colado às costas”, a passar fome.

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