A educação nas escolas e o jornalismo profissional são fundamentais para evitar que a geração que irá às urnas no futuro não se radicalize
Enquanto a CNN Portugal e outros canais transmitem, neste exato momento, fatos reais, apurados por jornalistas profissionais, em um submundo do extremismo, circulam mentiras com uma velocidade assustadora. Em grupos de aplicativos de mensagens, pessoas se alimentam diariamente de teorias conspiratórias e das mentiras que parecem engraçadas, mas são perigosas.
Esse submundo não existe somente no Brasil, mas também em outros países, como os Estados Unidos e também em nações europeias, onde floresceram tantas mentiras na pandemia de Covid-19. No maior país da América Latina, esse perigo foi escancarado no dia 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram a sede do Três Poderes em Brasília.
Passado parte do caos, com os profissionais da limpeza, os verdadeiros patriotas, empenhados em limpar o estrago causado pelos extremistas e mais de mil “cidadãos de bem” presos, o Brasil está em alerta. O perigo não passou e não sabemos, exatamente, quando vai passar.
Isso porque existe uma geração de brasileiros que passou anos sendo alimentada de notícias falsas e ódio. Não é à toa que jornalistas são alguns dos principais alvos dos extremistas, sendo hostilizados verbalmente e agredidos fisicamente, principalmente as mulheres. Aliás, aposto um café e um pão de deus que os comentários deste texto serão os de sempre: jornalixo, comuna e os tradicionais xingamentos misóginos.
Esse ódio dirigido aos profissionais de imprensa representa o ódio à democracia. Afinal, não existe uma democracia sem liberdade e a verdade. O jornalismo é uma vacina para o vírus do extremismo.
A radicalização dos adultos e idosos cooptados pelo bolsonarismo não será tarefa difícil de combater. Educação, um detox das mentiras, investimento em saúde mental e empatia talvez ajude. A experiência de ficar na cadeia, que não é uma colônia de férias, também pode dar um empurrãozinho na missão.
Mas, o que mais me preocupa é outra geração de brasileiros que está crescendo em meio a esse caos. As crianças e adolescentes levados para os acampamentos golpistas, fazendo sinal de arma de fogo e ensinadas desde cedo que o ódio é a saída. Essa é a geração que vai às urnas nos próximos anos, como bem assegura o nosso sistema eleitoral democrático. Em que valores vão se basear?
É preciso evitar que se radicalizem. Se as mentiras são ensinadas dentro de casa, a missão se torna mais difícil. No entanto, é preciso ter esperança. O velho clichê da educação é mais do que real. A educação possui um papel central nisso. É urgente que as escolas ensinem a literacia da verdade e reafirmem a importância de se informar pelo jornalismo profissional. Isso está sendo feito na Finlândia, por exemplo, onde uma disciplina tem como base ensinar a detectar desinformação, conforme mostrou uma reportagem recente do jornal The New York Times.
É claro que a situação do Brasil e da Finlândia é incomparável em diversos sentidos. Mas não impede que seja inspirador para um modelo nas escolas brasileiras. É urgente ensinar as crianças e adolescentes que o submundo das mentiras leva ao ódio e a assustadora dissonância cognitiva vista hoje nos extremistas, que negam a realidade diante dos olhos.
A educação possui um papel fundamental nessa desradicalização, assim como o jornalismo. Menos grupos de aplicativos de mensagens com nomes de “contra o comunismo” e mais realidade. Menos influencers de extrema-direita, que recebem dinheiro para espalhar o ódio e apoio das plataformas digitais para amplificar as mensagens. Mais leis que punam com rigor a desinformação. Mais jornal impresso. Mais rádio. Mais sites de notícias reais. Mais jornalismo. Mais verdade. Mais leitura. Combater a desinformação é essencial para a democracia.
Nunca foi tão importante a nossa função enquanto jornalistas. Ter uma imprensa comprometida, que apresente a verdade, para analisar com rigor os acontecimentos e para deixar de lado a ideia de que os fatos não podem ser nomeados como são. Ter isenção não é apoiar terroristas. Ter isenção não é ficar indiferente ao ódio. Ter isenção não é ver a democracia sendo destruída diante dos nossos olhos e não falar nada. E não, isso não nos torna comunistas nem maus profissionais. Só nos torna jornalistas, democratas e humanos. O futuro de toda uma geração está em jogo. O futuro do Brasil está em jogo.
* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil