Muitas questões, poucas respostas. "Preocupação" e pedidos de "transparência" com gastos de Lisboa para receber o Papa

26 jan 2023, 18:42

PS fala em "opacidade" da autarquia e garante que vai fiscalizar todos os contratos de agora em diante

Há quatro contratos sobre o altar-palco que vai ser construído para a Jornada Mundial da Juventude, mas nenhum deles tem o caderno de encargos que permitiria perceber para que serve exatamente cada uma das obras. A CNN Portugal questionou a Câmara Municipal de Lisboa sobre os cadernos de encargos, mas não obteve qualquer resposta. O mesmo aconteceu ao PS, que enviou ao executivo camarário um requerimento com 10 pontos em que questiona a autarquia sobre os referidos contratos.

O documento, a que a CNN Portugal teve acesso, questiona a Câmara sobre quantos, quais e com quem foram celebrados os diferentes contratos para a construção do palco. É que os socialistas queixam-se de não terem recebido quaisquer informações. Desde logo sobre os 4,2 milhões de euros que a autarquia deverá pagar à Mota-Engil pela construção do palco, num contrato de ajuste direto que a Câmara garante ter sido adjudicado depois de ter ouvido um total de sete propostas.

“Tomámos conhecimento dos valores pela comunicação social, mesmo tendo solicitado em reunião a prestação dos compromissos assumidos, que não se faziam acompanhar dos valores e da prestação dos serviços”, afirma o vereador Pedro Anastácio à CNN Portugal, garantindo que o PS nunca soube os valores envolvidos.

No mesmo requerimento à liderança de Carlos Moedas referido que o custo inicial da estrutura estaria previsto em três milhões de euros, um valor que agora derrapa para mais de cinco milhões de euros e que os socialistas temem que possa subir. “Os gastos só podem aumentar, surgem dúvidas se ficaremos por aqui”, pode ler-se no documento.

Isto porque, segundo Pedro Anastácio, surgem dúvidas em torno da real concretização da obra, não sendo certo o que está previsto nos diferentes contratos adjudicados. Uma das dúvidas é se está prevista a construção de cobertura nas obras já contratualizadas.

“Há uma grande preocupação e temos visto uma grande opacidade. O processo não é minimamente transparente”, acrescenta o vereador, que lembra uma exceção à lei dos contratos de ajuste direto que foi incluída no Orçamento do Estado especificamente para a Jornada Mundial da Juventude. Ao contrário do previsto na lei, estes contratos, desde que abaixo dos cinco milhões de euros, podem ser realizados, ficando ainda dispensados de revisão por parte do Tribunal de Contas, o que leva Pedro Anastácio a exigir mais preocupação por parte dos vereadores com os respetivos pelouros.

Mesma empresa, procedimento diferente

A contratação dos serviços que vão ajudar na construção do palco ficou a cargo da Lisboa Ocidental, SRU, uma empresa totalmente detida pela autarquia e que tem mais de 600 contratos publicados no portal base.gov desde que foi criada.

A Lisboa Ocidental, SRU costuma publicar todas as peças dos procedimentos que contratualiza. Fê-lo, por exemplo, a 24 de janeiro, quando fez um contrato para gestão e fiscalização de uma unidade de saúde em Lisboa. Mas não o fez no contrato de 4,2 milhões de euros assinado com a Mota-Engil ou no contrato de 1,06 milhões de euros celebrado com a Oliveiras, ambos destinados ao altar-palco.

É aquilo a que a diretora-executiva da associação cívica Transparência e Integridade chama de ausência no padrão de publicação. “Não compreendemos como é que não há um padrão”, afirma à CNN Portugal Karina Carvalho, que defende a existência de regras para que as entidades que não procedem à publicação de todos os termos dos contratos sejam penalizadas.

“Tendo em conta a excecionalidade das medidas de contratação pública, o mínimo é haver total transparência para a utilização dos fundos públicos”, acrescenta, apontando falhas ao portal Base, algumas delas reconhecidas pelo próprio presidente do Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção, que coordena aquele portal.

Pedro Anastácio também estranha a ausência da publicação dos cadernos de encargos e dos restantes procedimentos, até porque, “normalmente, a SRU faz acompanhar os cadernos de encargos”, como confirmado pela CNN Portugal.

“Isso levanta uma questão de transparência. A SRU ia sempre dando conhecimento dos contratos à Câmara, mas aqui não aconteceu. Estamos muito preocupados”, acrescenta o vereador socialista.

Os outros palcos e o seu futuro

Por responder continuam também outras questões: quanto vão custar os outros palcos previstos e a quem vão ser adjudicadas as obras, bem como qual o destino a dar ao altar-palco no futuro.

A Câmara Municipal de Lisboa prevê gastar 13,5 milhões de euros nos palcos que vão ficar no Parque Eduardo VII, Terreiro do Paço, Alameda D. Afonso Henriques e Parque da Bela Vista, mas não discriminou quanto custará cada um e quais os verdadeiros valores contratualizados, limitando-se a esclarecer que as adjudicações ainda não foram feitas.

Perante a ausência de respostas, o PS garante que vai querer "conhecer todos os processos" a partir daqui.

E isso também diz respeito ao destino do altar-palco. A autarquia referiu apenas que a estrutura terá utilidade no futuro, mas não esclareceu como, quando ou em que cenários. Pedro Anastácio nota que "um palco e uma infraestrutura daquela dimensão tem custos associados na sua deslocação", afirmando que processos como a desmontagem ou a montagem do mesmo vão custar mais dinheiro. Essa foi uma questão também feita à presidência de Carlos Moedas, mas que ficou sem resposta.

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