opinião
Estudante de Doutoramento em Teologia na Universidade da Santa Cruz, Roma

Papa Francisco, Mourinho e um abraço para os portugueses e a JMJ

10 abr 2023, 13:47

Ir a Roma e não ver o Papa expressa o vazio de perder algo significativo num evento ou numa viagem. Tenho a sorte de estudar em Roma e preparo-me para ser ordenado padre dentro de algumas semanas. Como muitos, vi e ouvi muitas vezes o Papa. Rezamos juntos. Mas nunca tinha falado com ele nos sete anos que vivi na capital italiana. 

Há dias assisti a uma conferência na Universidade Gregoriana do Card. Tolentino Mendonça e do nosso José Mourinho organizado pela Embaixada de Portugal junto da Santa Sé. Quando perguntaram ao treinador quem era Francisco, respondeu: Francesco è uno di noi, “o Papa Francisco é um de nós. Se estivesse com ele dava-lhe um abraço”. 

Entretanto, há uns tempos tinha enviado ao Ufficio delle Celebrazione Liturgiche do Vaticano uma mensagem a perguntar se era possível ajudar o Papa nalgum evento da semana santa. Há centenas de pedidos como o meu. Qual não foi a minha surpresa quando  Mons. Lubomír Welnitz, Mestre de Cerimónias do Papa me ligou a perguntar se gostava de ajudar o Papa na Vigília Pascal. Aceitei com enorme gosto e fiquei a conhecer o plano de ensaios e preparação. Ainda hoje não sei porque fui selecionado. Era um sonho. 

Os primeiros dias de abril mostraram-nos a vulnerabilidade do Papa Francisco. Uma bronquite levou-o à clínica Gemelli onde permaneceu três dias.  A ameaça de que não estivesse nas cerimónias era real. No hospital os seus gestos comoveram o mundo: batizou uma criança; confortou uma mãe que tinha perdido a filha de seis anos nessa noite; assinou o braço engessado do pequeno Matteo de dez anos com essas palavras que soam a slogan: Prega per me, Francesco (Reza por mim, Francisco). 

Um telefonema, dias depois, confirmou-me que o Papa queria mesmo estar na Vigília Pascal. Depois de uma semana intensa com o domingo de Ramos, a visita a uma prisão de menores, uma audiência na quarta-feira para o congresso UNIV e todas as cerimónias da Semana Santa, chegava o sábado santo. 

Esse dia chuvoso foi inteiramente dedicado a ensaios com outros diáconos: Zen (Estados Unidos), Philip (República Checa), Matteo (Italiano), Tiago (Brasil) e Roberto (Perú). Temos a sensação de estar no sítio certo na hora certa: na Catedral de S. Pedro na cerimónia mais importante do ano. Havia profissionais holandeses a fazer os arranjos florais, técnicos da televisão vaticana, encarregados de logística. 

Eu teria de acompanhar o Papa na procissão inicial, durante os batismos, confirmação e comunhão dos nove catecúmenos, de preparar o cálice e a comunhão do Papa e estar ao lado dos Cardeais Ré e Roche junto ao altar. 

 

Ainda não sabíamos se poderíamos cumprimentar o Papa e se seria antes ou depois da cerimónia. Chegou a grande hora depois do terceiro ensaio. A catedral de S. Pedro enchia-se de fiéis de nacionalidades diferentes.

Quando eu e os outros diáconos nos vestimos na sacristia improvisada ao lado da Pietà de Miguel Angelo, vem o Mestre de Cerimónias que nos diz: vão poder agora cumprimentar o Papa. E a pergunta que me fiz foi? Que lhe vou dizer? Lembrei-me do José Mourinho e pensei: vou-lhe pedir um abraço. Não sabia que mais lhe dizer. O Papa esperava na cadeira de rodas. Sorridente, bem disposto e concentrado para a cerimónia. Chegou a minha vez. Ajoelho-me, ele faz sinal para eu me levantar. “Santo Padre, sou português”. E ele nem me deixou continuar e disse: Que sorte. Senti-me à vontade, e afinal tinha umas coisas para dizer. Falei da minha família (pais, irmãos, cunhados e sobrinhos) Disse que iria ser ordenado padre dentro de um mês e ele recordou-me: Não te esqueças que nós os padres sabemos muito sobre o amor. Entrega-te ao serviço dos outros e serás feliz. Se não viveres para servir, não serves para viver. Depois contei que tenho acompanhado jovens, pessoas que se vão casar e que têm dificuldades para formar família: encontrar casa, educar os filhos, tomar a decisão sobre o casamento. Diz-lhes que rezo por eles e que Deus é mais forte que todas essas dificuldades. É isso que celebramos esta noite na Páscoa. Disse-lhe que estamos todos muito motivados para o receber em Lisboa na JMJ 2023 em agosto. E só no fim fiz a pergunta que tinha preparado: “Posso dar-lhe um abraço?”. Ele “Dou-te dois”. E abraçou-me num momento muito emocionante, como de um pai para um filho.

Fiquei muito comovido. Entrámos para a cerimónia, que foi inesquecível. Estive ao lado do Papa quando ele batizava nove adultos que estavam muito emocionados. O Papa também estava porque sabe que estamos sempre a tempo de voltar a Deus e quer ser instrumento para isso. Estava ao lado dele. Corriam lágrimas nas faces sorridentes e comovedoras de quem sabe que é recebido na igreja pelo seu pastor universal.

Durante a homilia, o Papa convidou-nos a revisitar as nossas origens, como os apóstolos que voltaram à Galileia, esse lugar especial do encontro com Jesus. O Papa não deixou de falar da confissão e dos sacramentos, e de que a Páscoa é um momento especial para recordar que somos filhos de Deus.

Com os outros diáconos (da esquerda para a direita): Philip, Matteo, Zen, Jorge, Tiago e Roberto

Aproximava-se o final da cerimónia. Preparei o cálice e a comunhão para o Papa. Terminou a cerimónia com uma procissão com todos os cardeais e Francisco que saía aclamado no final por tantas pessoas em línguas diferentes. Fecham as cortinas da sacristia improvisada. Francisco ainda tem forças para posar ao lado dos recém-baptizados. Ao despedir-se de todos os diáconos olhou para mim e disse: “Vemo-nos em Lisboa”. E disse-nos "Buona Pasqua".

A Páscoa, a Ressurreição de Jesus é esse abraço que Jesus quis dar à humanidade. 2000 anos depois, Francisco quer-nos abraçar a todos. No final de tudo sentimo-nos pequeninos numa igreja tão grande e com tanta gente. O Papa é um pai que esteve aquelas horas em profunda oração. Preocupa-se por todos: os seguranças, os responsáveis de logística, o coro… Como Cristo fez há 2000 anos quando ressuscitou e prometeu que não nos deixaria sós.

Nesse momento pensei: porque decidiu o Papa dar-me dois abraços? Para quem seria o segundo? Para o José Mourinho? Leio nos seus olhos um carinho especial por Portugal, um grande desejo de estar na JMJ e de abraçar todos os que trabalham incansavelmente na organização e que o vão receber em agosto. Senti que recebia aquele carinho do Papa em nome dos portugueses. Senti que diante de mim não estava o Sumo Pontífice. Sentia que me abraçava um pai que nos ensina a amar com gestos e fez da minha Páscoa um momento inesquecível.

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