Delfim de Marine, cresceu num bairro social e domina o "soundbite". Quem é Jordan Bardella, o primeiro líder da União Nacional que não se chama Le Pen

7 nov 2022, 16:10
Jordan Bardella (Associated Press)

Jordan Bardella tem 27 anos e desde os 16 que é militante do partido de extrema-direita fundado por Jean-Marie Le Pen. Protegido de Marine Le Pen, que decidiu deixar a liderança da União Nacional para se concentrar no parlamento, promete uma transição pacífica, mas há quem receie o regresso de uma linha obcecada com a identidade nacional francesa

É uma estreia: pela primeira vez, o líder eleito da União Nacional (Rassemblement National em francês ou, simplesmente, RN) não tem apelido Le Pen. Ainda assim, os laços que unem Jordan Bardella à família que fundou o partido francês da extrema-direita não são apenas políticos: o novo líder da RN tem 27 anos, cresceu a admirar Marine Le Pen e namora com uma sobrinha da ex-candidata presidencial a quem sucede agora à frente do partido. Há cerca de dois anos que Bardella tem uma relação com Nolwenn Olivier, filha da irmã mais velha de Marine, Marie-Caroline Le Pen, e do eurodeputado da União Nacional Philippe Olivier - que é também conselheiro especial da cunhada.

Mas, bem além dos laços familiares, Jordan Bardella protagonizou uma ascensão fulgurante no seio do partido fundado por Jean-Marie Le Pen em 1972 - e que entretanto a filha rebatizou de União Nacional, suavizando a linha mais radical da antiga Frente Nacional. Apesar da tenra idade, Bordella já leva mais de uma década de militância na formação nacionalista: aos 16 anos ingressou nas fileiras do partido e rapidamente se fez secretário na comuna de Seine-Saint-Denis, na região de Paris, onde nasceu e cresceu. Passou em 2015 a conselheiro regional e, dois anos depois, assumiu funções como porta-voz, graças ao dom para a oratória que lhe é reconhecido. Em 2018 tornou-se diretor da juventude do partido, tendo sido eleito eurodeputado em 2019 - foi mesmo o cabeça de lista da União Nacional. 

Em 2021, Marine Le Pen entregou-lhe a presidência interina do partido para se dedicar à campanha para as eleições presidenciais, que havia de perder para Emmanuel Macron. Depois de Le Pen assumir que queria concentrar-se nas atividades parlamentares e nos 89 deputados que o partido de extrema-direita conseguiu nas últimas legislativas, no passado mês de junho, Bardella não precisou de grande esforço para vencer o seu único rival à liderança: teve 85% dos votos contra os 15% de Louis Aliot, de 53 anos, autarca de Perpignan e antigo companheiro da própria Marine Le Pen.

 A imprensa francesa escreve que há muitas semanas que Aliot sabia que a sua candidatura estava votada ao insucesso e que o escrutínio para a eleição de Bardella não passava de uma mera formalidade. "Nos últimos anos, a RN renovou muito os seus quadros e os seus militantes. Jordan Bardella encarna esta tomada de força dos jovens e Louis Aliot, mesmo não sendo velho, é visto como a antiga Frente Nacional", disse ao Ouest-France Gilles Ivaldi, especialista do centro de investigação política da Sciences Po. 

Bardella foi cabeça de lista da União Nacional nas eleições europeias de 2019 (Foto: Associated Press)

Marine Le Pen optou por não apoiar publicamente nenhum dos dois candidatos, mas "sabemos que o seu coração pende mais para o seu delfim do que para o seu antigo companheiro", destacava o especialista ."Ele é um produto puro da Frente Nacional de Marine Le Pen", acrescentou. 

Questionado pelos jornalistas, antes da eleição, do que significaria para ele ser o primeiro líder sem o apelido Le Pen, Bardella respondeu que seria uma "pequena revolução cultural".

A "confiança inestimável" em Le Pen

Muitas vezes descrito como o braço direito de Marine Le Pen, Bardella chegou a dizer num comício que entrou na política muito cedo "porque não queria que toda a França se parecesse" com o que viveu. Cresceu num bairro social de Drancy, Seine-Saint-Dinis, com a mãe, imigrante italiana, filho de pai francês. Estudou em escolas católicas privadas e entrou na Sorbonne para estudar Geografia, mas deixou o curso ao fim de três anos, em 2016, para se dedicar à política. 

Por várias vezes tem referido que mantém com Marine Le Pen uma "relação singular de uma confiança inestimável" mas, assumem os analistas, Bardella ainda tem de encontrar o seu lugar à frente do partido de extrema-direita. Há quem lhe reconheça demasiada indulgência para com o Reconquista, partido do rival de extrema-direita Éric Zemmour, que quer "reconquistar" a identidade francesa, evocando a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica. A estima, no entanto, é recíproca. "Tenho uma grande confiança em Jordan Bardella. Ele cumpriu a sua missão de presidente interino do movimento com brio, talento e grande coragem", disse Marine Le Pen ao Figaro

Em fevereiro de 2022, Bardella foi alvo de um processo na justiça, por ter dito que a cidade francesa de Trappes se assemelhava a uma "República Islâmica".

"Lamento que a justiça francesa tenha hoje o mesmo objetivo que os islamistas, a saber, calar aqueles que denunciam o real e aqueles que se recusam a ver incontáveis bairros em França a transformarem-se", disse na altura à Europe 1.

 

A sua capacidade de resposta e o facto de nunca lhe faltar um "soundbite" tornaram-no num dos mais conhecidos generais de Le Pen nos media franceses, deixando sem capacidade de argumentação os rivais com quem debateu, fossem deputados ou ministros. É raro aparecer publicamente sem estar de fato e gravata e os analistas assinalam que Bardella parece ter abraçado a estratégia da antecessora, que procurou convencer os eleitores de que a União Nacional é mais do que um partido de protesto e está pronta a formar governo.

Quando procurou lavar a cara da União Nacional e apagar os traços do pai, várias vezes condenado por incitar à discriminação racial, Marine descartou planos para tirar a França do Euro e da União Europeia, focando-se nos problemas internos franceses. Bardella, seguindo-lhe os passos, concentrou-se na inflação, no aumento do custo de vida, mas sem esquecer de bater na tecla da imigração, que diz ser necessário controlar, e na necessidade de recuperar poder de decisão que está nas mãos pouco democráticas de Bruxelas.  

Quando, em junho, a União Nacional conseguiu o maior número de deputados desde a sua fundação, os já mencionados 89 que estarão agora sob o olhar atento da antiga líder do partido, o jovem presidente interino e eurodeputado não deixou de frisar: "Um novo capítulo está a ser escrito", garantiu. "Não regressaremos à Frente Nacional."

As duas mulheres "sem as quais não seria" o que é hoje

No sábado, depois de Le Pen dizer que era com grande emoção que "passava a tocha" ao sucessor, Bardella quis deixar clara a sua direção e recordou a luta contra a imigração: "O povo de França é forçado a sofrer com uma política migratória que não escolheu", declarou, citado pelo Le Monde. "A França não deve ser o hotel do mundo", frisou. Sobre os próximos atos eleitorais, garantiu que "a urgência é a alternância", que é a missão do partido "e a nossa ambição", destacou. E não deixou de agradecer, no momento da sua "entronização oficial", às "duas mulheres sem as quais não seria" o que é hoje: a mãe, que o criou com dificuldades em Drancy, e a própria Marine Le Pen, a quem dirigiu publicamente todo o seu "reconhecimento e orgulho".

Jordan Bardella e Marine Le Pen abraçam-se depois de serem conhecidos os resultados da eleição para a liderança do partido (Foto: Associated Press)

E se a transição de poder na União Nacional foi aparentemente tranquila, acabou por acontecer a meio de um pequeno tumulto: Grégoire de Fournas, deputado do partido, suscitou uma vaga de indignação e foi suspenso durante 15 dias do parlamento por comentários racistas durante uma sessão no hemiciclo. A resposta de Bardella não se fez esperar: no mesmo dia em que foi eleito presidente, veio publicamente dar apoio ao deputado, acusando a oposição de "intimidação" quando há uma tentativa de discutir os temas da imigração. 

Apesar da eleição de Bardella ter sido aparentemente consensual, não agradou a todos dentro do partido: Steeve Briois, figura reconhecida da União Nacional e autarca de Hénin-Beaumont, optou por apoiar Louis Aliot, denunciando uma potencial "re-radicalização" sob a liderança do protegido de Le Pen, temendo que os anos de "desdiabolização" da antiga líder possam agora ser reduzidos a nada, "com o objetivo único de agradar a uma minoria eleitoral, com o risco de a RN ser novamente colocada à margem", lamentou em comunicado citado pelo Le Monde. No fundo, denunciando publicamente o que é dito dentro de portas por aqueles que criticam a referida indulgência de Bardella para com Éric Zemmour, temendo que a linha mais radical, anti-imigração e antissemita do primeiro Le Pen líder da Frente Nacional venha outra vez ao de cima, obcecada com a "identidade" nacional.

Por agora, Bardella ainda não deixou claro se deixará Bruxelas para se dedicar unicamente à política nacional, mas libertará certamente Le Pen de tarefas da vida interna do partido, permitindo-lhe fazer caminho para as próximas eleições presidenciais, em 2027. "Jordan Bardella vai assumir um papel mais importante na vida do partido e na política francesa", disse à Reuters Bruno Cautres, analista político. "Se Marine Le Pen não ganhar [a presidência] em 2027, ele será o seu sucessor em 2032, quanto tiver apenas 37 anos", sublinhou.

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