Teorias da conspiração, críticas e análise: como o julgamento de Johnny Depp e Amber Heard está a criar influenciadores no Tik Tok

CNN , Sara Ashley O’Brien
18 mai 2022, 09:00
Johnny Depp e Amber Heard. Getty Images

As publicações de TikTok sobre o julgamento por difamação do ator Johnny Depp contra a sua ex-mulher, a atriz Amber Heard, acabaram por tornar uma mãe dona de casa escocesa numa influenciadora. Ou, deveríamos talvez dizer, uma influenciadora de ‘DeppTok’.

Sophie Doggett, cuja conta de TikTok era antes usada para partilhar vídeos de pormenores do dia-a-dia como os seus animais, publicou na sua conta, no dia 25 de abril, um vídeo do advogado de Amber Heard a fazer uma pergunta a uma testemunha e, em seguida, a opor-se imediatamente à resposta. Este é um dos muitos momentos do julgamento que tem sido aproveitado por pessoas como Doggett, uma vez que os clips dos depoimentos e as referências a este caso têm inundado o TikTok de uma forma nunca antes vista num julgamento. Isso deve-se em parte ao facto de este processo estar a ser vivido durante a era do TikTok, e também devido às populares celebridades que envolve.

Doggett, que juntou ao clip uma música cómica, diz ter ganho 30.000 seguidores, aparentemente da noite para o dia, como consequência desta publicação que, até à data, já foi vista mais de 5 milhões de vezes. Quando foi questionada sobre o seu número de seguidores antes desta publicação se tornar viral, a dona de casa disse que tinha 6.668, um número que sabia de cor. Nas três semanas desde a sua publicação, ganhou mais de 25.000 novos seguidores. A sua conta é agora dedicada a publicações relacionadas com Depp, algumas das quais dizem respeito ao julgamento, outras a filmes ou entrevistas nas quais o ator participou. As três principais publicações mais conhecidas na conta de Doggett têm mais de 14 milhões de visualizações.

Se ainda existem dúvidas sobre onde reside a sua lealdade, podemos confirmar que é com Depp, algo que é transmitido através da fotografia associada à sua conta TikTok – um texto branco contra um fundo preto onde se lê "Justiça para Johnny Depp."

Dentro da sala de audiências, os membros do jurí estão encarregues de determinar se Depp foi falsamente e intencionalmente acusado de abuso doméstico por Heard, o que, segundo o mesmo, lhe custou cerca de 50 milhões de dólares em danos associados à perda de oportunidades de trabalho. O caso teve início num artigo de opinião de 2018 publicado no The Washington Post, no qual Heard se descreve como "uma figura pública que representa uma relação com abusos domésticos". Embora Depp não seja mencionado no artigo, Heard refere-se ao ano 2016, o ano em que pediu o divórcio a Johnny Depp e obteve uma ordem de restrição temporária contra Depp, alegando que tinha sido vítima de abusos pelo ex-marido.

Os criadores de TikTok estão a utilizar hashtags como #JusticeforJohnnyDepp para mostrar apoio ao ator, e usando outros para ridicularizar a atriz Amber Heard.

Depp negou as alegações na altura, tal como o faz agora, e os dois chegaram a um acordo de divórcio nesse ano, emitindo uma declaração conjunta na altura. Durante o seu testemunho, o ator alegou ter sido abusado física e verbalmente por Heard e negou as acusações de ter sido fisicamente violento para com a ex-mulher. Heard contra-acusou Depp por 100 milhões de dólares, alegando que as declarações feitas pela sua equipa eram prejudiciais para a sua carreira.

No entanto, nas plataformas online, estão presentes desde utilizadores comuns das redes, como Doggett - que disse ser agora capaz de rentabilizar as suas publicações através do fundo de criação de TikTok devido à atenção que ganhou - a analistas legais, influenciadores de lifestyle, ativistas de diversas áreas, e comediantes, que estão a dedicar-se à tarefa de dissecar e analisar cada minuto do julgamento ao detalhe, incluindo teorias conspiratórias sobre a forma como Heard segurou um lenço de papel no seu nariz.

Emily D. Baker, uma ex-procuradora-adjunta de Los Angeles que se tornou criadora de conteúdos online, transmite ao vivo comentários legais do processo judicial na sua página do YouTube, que tem mais de 330.000 subscritores. Os seus espectadores solicitam cada vez mais a sua responda a teorias ou filmagens que tenham visto no TikTok, referiu Baker.

"Quando se tem câmaras a filmar a sala de audiências, as pessoas vão reparar em todos os comportamentos estranhos. E é isso que tem acontecido.", afirmou Baker.

Muitas destas críticas estão presentes nas secções de comentários nos canais do YouTube, a defender Depp ou a difamar Heard - tipicamente nesta mesma ordem. Outros criaram as suas próprias transmissões de vídeo, onde fazem comentários contínuos do julgamento em tempo real, ou contas de Instagram dedicadas à publicação de atualizações sobre o caso. Talvez a mais marcante - devido à forma como a plataforma funciona e à forma como os utilizadores recorrem à mesma - seja o TikTok.

Tal como Doggett, dois outros utilizadores de TikTok que falaram com a CNN Business contam histórias semelhantes de terem passado de centenas ou milhares de seguidores para dezenas de milhares de seguidores numa questão de dias, devido a publicações relacionadas com Johnny Depp.

Uma utilizadora de TikTok do Reino Unido disse ter publicado um vídeo a 27 de abril elogiando Depp por ter libertado o cabo do carregador do seu advogado com o comentário, "são os pequenos detalhes". "Não estava à espera de que alguém viesse falar comigo, ou que gostasse, ou mesmo que partilhasse o vídeo", afirmou, observando que tinha originalmente criado a sua conta para publicar conteúdo sobre filmes. Mas, desde então, já obteve mais de 10 milhões de visualizações. Ela continuou a fazer publicações sobre o julgamento e afirma que a sua conta passou de menos de 300 seguidores para mais de 50.000.

Maria Pugsley, também residente no Reino Unido, declarou de igual forma à CNN Business que os seguidores da sua conta passaram de menos de 10.000 para mais de 37.000. Afirmou ainda que a sua utilização de TikTok antes incluía apenas "discutir as tendências e divertir-me - nunca deu em nada na verdade.”

Mas os utilizadores começaram a prestar atenção aos seus comentários sobre o julgamento, no qual favorece Depp e fala das vítimas masculinas de abuso. "No início fui muito imparcial - todas as minhas opiniões são baseadas na sala de audiências", afirmou Pugsley, acrescentando ainda: "Estou sempre de mente aberta para a possibilidade de a minha opinião mudar."

Um julgamento de grande importância, analisado no TikTok

O algoritmo do TikTok tem sido, por diversas vezes, mencionado como sendo ‘assustadoramente-eficaz’ na forma como oferece aos seus utilizadores cada vez mais publicações relativas aos seus interesses. Não é preciso procurar mais do que os hashtags no TikTok para ficar a perceber que o sentimento que ali se partilha é favorável a Johnny Depp, de 58 anos, que é, sem dúvida, a celebridade mais conhecida no julgamento, com um historial bem mais antigo e uma maior base de fãs em comparação com Heard, de 36 anos de idade. Doggett notou que não se deparou ainda com publicações no TikTok em apoio a Amber Heard: "Talvez haja uma ou outra pessoa [nas secções de comentários] que escrevem 'Team Amber'. Mas são logo altamente criticadas nos comentários dos outros."

O hashtag #JusticeForJohnnyDepp obteve mais de 11 mil milhões de visualizações a nível mundial, tendo também o hashtag só com o nome do ator agora mais de 19 mil milhões, e #JohnnyDeppisInnocent obteve mais de 3 mil milhões. Os utilizadores estão a aplicar filtros nos seus rostos para personificar o ator, combinando clips de testemunhos com filmagens do passado dos arquivos de filmes onde o mesmo participou. Já o hashtag #JusticeForAmberHeard tem 41 milhões de visualizações. O nome de Heard já obteve mais de 9 mil milhões de visualizações e o #AmberTurd tem 1,6 mil milhões (um hashtag alimentado por testemunhos de julgamento relativos a matéria fecal.) Entretanto, o #AmberHeardIsaliar tinha obtido mais de 2 mil milhões de visualizações quando a CNN Business o reviu na sexta-feira à tarde, mas o hashtag já não aparecia visível na aplicação a partir de sexta-feira à noite.

"O que se vê é um grupo de fãs contra outro grupo de fãs", explica Juda Engelmayer, uma profissional de relações públicas que tem trabalhado com figuras de destaque, tais como o desonrado produtor de Hollywood Harvey Weinstein, que foi condenado por crimes sexuais, e está atualmente a trabalhar com a falsa herdeira Anna Sorokin. "Para mim é surpreendente que as multidões das redes sociais estejam a defendê-lo praticamente em tudo."

As fervorosas publicações nas redes sociais sobre este caso estão, por vezes, enraizadas noutros fatores. Alguns veem o apoio generalizado a Depp, e a rejeição das alegações de Heard, como mais um exemplo de misoginia interiorizada. Outros, incluindo ativistas dos direitos dos homens, têm apoiado a defesa de Depp em fóruns online, referindo-se a este julgamento como um caso raro de um homem popular que alega ter sofrido abusos domésticos nas mãos de uma mulher, trazendo assim à luz este assunto.

Segundo Daniel Klug, um cientista de sistemas do Instituto de Investigação de Software da Universidade Carnegie Mellon que pesquisou o algoritmo do TikTok, "O TikTok cria uma espécie de realidade mediada para o utilizador.”

"Ao longo de um período de tempo, pode encontrar muitos vídeos curtos... dependendo do tipo de conteúdo que vê, digamos que muito conteúdo é sobre o julgamento, isso vai criar uma certa perceção da realidade do julgamento para si no TikTok", afirmou, observando que as publicações tendem a dividir-se em duas categorias: as que captam testemunhos de Heard, de Depp, ou outros depoimentos de testemunhas "descrevendo detalhes muito pessoais e íntimos e estranhos da sua relação", ou conteúdo relacionado com Depp ou com o julgamento que é "transformado ou reinterpretado por outros utilizadores.”

Callum Hood, chefe de investigação no Centro de Combate ao Ódio Digital que recentemente investigou abusos no Instagram dirigidos a várias mulheres conhecidas publicamente, incluindo Heard, observou também que a natureza do TikTok é tal que "são apresentados segmentos muito, muito curtos do julgamento e geralmente muito enviesados."

"Isto aplica-se tanto à [ao conteúdo publicado sobre a] Ucrânia como aos clips do julgamento de Amber Heard e Johnny Depp", afirmou Hood, observando que "o conteúdo no TikTok, mais do que qualquer outra aplicação, não está contextualizado... Sabe-se muito pouco sobre a conta que o está a publicar, sobre quando foi publicado, sobre a origem do material, sobre as motivações da pessoa que o está a publicar... Tenho muita simpatia pelos utilizadores porque é realmente muito difícil, com a informação disponível na aplicação, compreender o contexto e fazer uma avaliação de quão verdadeira ou falsa ela é.”

O relatório do Centro de Combate ao Ódio Digital observou que as discussões sobre as batalhas legais de Depp e Heard nas redes sociais "contêm frequentemente abusos contra Heard, bem como a promoção de teorias de conspiração em torno da taxa de falsas alegações de abuso doméstico por parte das mulheres."

O conteúdo do TikTok relacionado com o julgamento varia muito. Desde pessoas que analisam e criam teorias de conspiração até às tentativas de diversão, que podem rapidamente tornar-se desagradáveis. Uma variação popular de publicações é baseada em encenações satíricas usando áudio do testemunho de Heard, no qual a atriz declarou: "Eu estava a sair do quarto, [ele] deu-me um estalo na cara e eu virei-me para olhar para ele e disse: 'Johnny, tu bateste-me'. Acabaste de me bater’”." Uma publicação que foi bastante partilhada, tinha gatos mascarados a representar o ex-casal. Um deles usava uma peruca loira ao representar o papel de Heard e outro um bigode de papel e uma bandana no papel de Depp. Embora a publicação original já não esteja visível, a mesma foi usada para “duetos” criados por outras contas - uma funcionalidade do TikTok que permite aos utilizadores publicar um vídeo lado a lado de outro utilizador como reação ao mesmo – e, por isso, ainda pode ser encontrada na plataforma.

Em sua defesa, os criadores da aplicação TikTok afirmaram que conteúdos que violam as suas políticas, que incluem "ameaças ou declarações degradantes destinadas a gozar, humilhar, envergonhar, intimidar, ou ferir um indivíduo" são removidos. Pode haver alguma margem de manobra no caso de Heard e Depp, uma vez que as suas diretrizes comunitárias referem que "podem ser permitidos comentários críticos de figuras públicas; no entanto, é proibido um comportamento abusivo grave contra figuras públicas."

"Creio ter sido denunciada por várias pessoas à conta de divergências políticas"

Há também questões sobre se e como é que outros utilizadores da aplicação poderão ser capazes de silenciar certas vozes ou opiniões.

Uma utilizadora de TikTok com o nome de Ashley, que pediu que o seu apelido não fosse revelado por motivos de privacidade, fez uma publicação sobre como achava que alguns ativistas dos direitos dos homens estavam a usar este julgamento como desculpa para desacreditar as alegações de abuso por parte das mulheres.

"Conseguem imaginar a margem de manobra que todos os narcisistas que odeiam mulheres vão ter agora?" escreveu na sua publicação. Ashley contou à CNN Business que a publicação foi rapidamente confrontada e que recebeu ameaças nos comentários, e pouco depois a sua conta foi banida.

Numa mensagem de 26 de abril, Ashley - que vive em Pittsburgh e tinha 7.000 seguidores - pediu ao TikTok que restaurasse a sua conta, "Creio ter sido denunciada por várias pessoas à conta de divergências políticas", escreveu, acrescentando que tinha capturas de ecrã das mensagens ameaçadoras que tinha recebido. Questionado sobre a conta de Ashley pela CNN Business na semana passada, o TikTok declarou que iria investigar esta situação. Depois disso, a empresa restaurou a sua conta, mas não forneceu ainda quaisquer pormenores sobre o motivo pelo qual foi banida.

Sonia Moghe, da CNN, contribuiu com reportagens

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