Levam na bagagem as receitas e os truques para trazerem medalhas. O que comeram os nossos atletas para se prepararem para os Jogos Olímpicos?

26 jul 2024, 07:00
Jogos Olímpicos de Paris

Para Ana, Camila e Susana, os pequenos-almoços são de tal modo “sagrados” para a boa performance que não ousam mudar e, por isso mesmo, vão levar kiwi, Weetabix e Nestum para Paris. Bárbara seguiu uma dieta de “restrição calórica”, já só sonha com la baguette e quer “fazer um belíssimo pão com manteiga e ovos”. Nuno e Eduardo comem “de tudo” e vão seguir essa mesma regra na Aldeia Olímpica - mas querem celebrar com “leitão à bairrada” e “bolo de chocolate da minha mãe, é top”

"A comida é a gasolina para o nosso corpo e o nosso corpo é o nosso motor". Eduardo Marques sabe bem como nutrir a sua 'máquina', que combustível lhe dar, quando dar e como dar. "Comer nos timings errados ou os alimentos errados prejudica a noite e a performance", explica à CNN Portugal um dos muitos atletas que vão representar Portugal nos Jogos Olímpicos.

No mundo da alta competição não há poções mágicas ou bebidas milagrosas. Talvez uns espinafres ao estilo do Popeye, mas o certo é que qualquer vegetal é bem-vindo. Para um atleta de elite, mais do que um alimento específico, o segredo está no rigor, na rotina e no respeito pelo corpo. E não há dois corpos iguais, mesmo que sejam a máquina para uma mesma modalidade.

Eduardo acorda todos os dias “às 07:00, 07:30” e a primeira coisa que faz é beber “água com um mix de nutrientes”. Está dado o primeiro nutriente ao corpo, qual óleo para fazer rolar a máquina e equilibrar o desgaste do dia anterior. Segue-se o pequeno-almoço: “papas de aveia cozinhadas com água, mel e banana cortada”. Parece pouco, mas é o combustível certo para a máquina aguentar mais um dia com um ou dois treinos. Sendo dois o mais comum. “Aguento bem com isto até entrar no mar”, diz o atleta. 

Em Paris, Eduardo tem à sua espera a derradeira estreia em palcos olímpicos, vai competir em vela, na classe dinghy masculino (ILCA 7). Para o atleta de 30 anos - que até começou na natação e praticou ténis - a vela é um desporto complexo e bastante completo, mais cansativo do que faz muitas vezes parecer. Ao contrário do que muitos pensam, implica trabalhar todo corpo, movimentar todos os grupos musculares e fazer exercícios variados, como pedalar quilómetros e mais quilómetros. E é isso que faz enquanto fala connosco. Vai pedalando naquele que é o seu segundo treino do dia, uma sessão de ciclismo indoor, que lhe dá resistência física, pulmonar e cardiovascular. Diz-nos que é importante conhecer o corpo, saber como trabalhá-lo, mas também nutri-lo e quando nutri-lo, uma aprendizagem que se vai fazendo enquanto se constrói como atleta, até que não seja preciso o corpo dar mais sinais. É quase matemático. 

Nos treinos matinais costuma ir para a água. Assim que lá entra come mais uma banana, “mesmo no momento em que entro”, vinca. “No final da primeira e segunda hora de treino, como uma barra de papas de aveia e no final do treino, como preciso de mais concentração [de nutrientes], como um gel”. Nada mais do que fórmulas de macro e micronutrientes criadas consoante o momento do treino, e que podem ser consumidas antes ou durante da prova.

Eduardo Marques (Cortesia Comité Olímpico)

No mundo do desporto de alta competição, os nutricionistas acabam por assumir um papel de destaque: fazem da nutrição uma ciência quase exata, dizem o que comer, quanto comer e quando comer. Precisam a quantidade e a qualidade. Aconselham sobre a digestão, o sono e o apetite. Fazem de cada dieta única, tal como cada atleta o é. Mas este conhecimento do que é bom ou menos bom para o corpo, sobretudo de um atleta, é um tanto ou quanto recente. O papel da alimentação - e de determinados alimentos, sobretudo os hidratos de carbono - na performance desportiva tem ganhado destaque nos últimos anos e multiplicam-se os estudos que apontam a importância da boa alimentação, mas também da avaliação do perfil genético e atlético dos desportistas. Mas a verdade é que nem sempre foi assim e quem já anda há muitos anos nestas lides sente a diferença do comer bem e a horas. 

Há alguns anos não se ligava tanto à alimentação, não éramos tão rigorosos e, provavelmente, pecávamos bastante na alimentação. Hoje em dia isso já é o contrário, focamo-nos praticamente a 100% em termos nutricionistas disponíveis para nós”, admite Nelson Oliveira, que irá participar pela quarta vez em Jogos Olímpicos.

O ciclista de 35 anos destaca o papel dos nutricionistas na performance, em particular numa modalidade como o ciclismo, em que o gasto calórico por cada etapa pedalada em prova pode ascender às seis mil calorias. Nos treinos nem sempre o gasto calórico é assim, mas quase sempre mais elevado do que noutras modalidades. À conta de todas essas calorias queimadas - e de todos os quilómetros ainda pela frente - às vezes é preciso dar “carga” nos hidratos de carbono, mas engane-se quem achar que um ciclista só come o ‘velho cliché’ dos pratos de massa antes das provas. Há quem o faça, atenção. Mas Nelson privilegia “umas papas de aveia com mel”, que faz “sempre com água quente”. Ou, quando tem mais tempo até se fazer à estrada, nada como o tão português pão, que acompanha “sempre com um bocadinho de fiambre de peru e com um bocadinho de abacate”. 

O pequeno-almoço acaba mesmo por ser a refeição à qual os atletas dão mais importância, não apenas por ser aquela que quebra o jejum, mas porque é o primeiro combustível para o primeiro de dois (ou mais) treinos diários. E a aveia acaba por ser uma das escolhas mais comuns dos atletas de alta competição, uma vez que é um cereal baixo em FODMAP (fermentáveis que, em algumas pessoas, causam sintomas e desarranjos intestinais) e é de absorção lenta, ou seja, dá energia durante duas ou três horas depois de ingerida, como explica a American College of Sports Medicine. Além disso, tem ainda alguma proteína. É um win-win para quem procura tirar o máximo proveito de uma só refeição.

Nelson Oliveira no Campeonato Europeu de Ciclismo de Estrada, em 2023 (Bas Czerwinski/Getty Images)

Tal como Eduardo e Nelson, também Ana Cabecinha faz deste cereal protagonista da sua preparação e apressa-se a dizer que será um dos alimentos que irá levar na mala para Paris. 

Se levei para a China, se levei para Tóquio, que são países mais difíceis para transportar, aqui bem pertinho de nós será sem dúvida das poucas coisas que irei levar comigo para poder treinar e estar tranquila e sentir-me bem”, conta-nos, num dos poucos momentos que tem disponíveis para falar com jornalistas. Além da preparação para os Jogos Olímpicos, com treinos bidiários, Ana foi mãe há apenas dois meses.

Para a atleta de marcha, o pequeno-almoço é nada mais do que “sagrado”, é quase como um ritual diário que jamais ousa mudar. E tem de ser sempre o mesmo: iogurte, aveia e fruta. E onde quer que esteja - ou para onde quer que vá - este trio é companhia certa. “Levo sempre os meus iogurtes de proteína, os meus kiwis e a minha aveia. O meu pequeno-almoço é sagrado”, vinca a alentejana de 40 anos.

Paris será o quinto destino olímpico de Ana Cabecinha, que este ano é uma das porta-bandeiras da delegação portuguesa, a par do canoísta Fernando Pimenta. A atleta de Beja tem à sua espera 20 quilómetros de marcha, prova para a qual se preparou durante a gravidez e já no pós-parto, mas sempre com foco na alimentação e com a ajuda do nutricionista do Comité Olímpico. 

“A alimentação que temos no nosso dia-a-dia vai refletir em todos os treinos e a hidratação também é fundamental”, adianta, revelando que com um bebé recém-nascido teve de fazer algumas mudanças na sua rotina alimentar. “Antes era muito restrita e muito cuidadosa com os horários em que fazia as minhas refeições, hoje em dia não consigo, porque primeiro está o cuidar e alimentar o meu filho, só depois é que cuido mais de mim. Deixei de ter essa mentalidade que tinha de ter obrigatoriamente de comer a horas certas”. Mas o foco na alimentação manteve-se. Ao almoço a proteína de eleição “é carne”, que acompanha com “massa ou arroz”. Já o jantar “tem de ser religiosamente peixe com legumes e batata, assada ou cozida”, diz, revelando que “muito raramente” come duas refeições de carne no mesmo dia. 

Ana Cabecinha (Cortesia Comissão de Atletas Olímpicos)

O peso da balança na performance

Para um atleta de alta competição, a alimentação não é apenas o combustível que a máquina que o corpo humano precisa. É também o segundo peso de uma balança que se quer equilibrada, no peso certo. Em qualquer processo de manutenção ou perda de peso, a alimentação assume um papel de destaque, mas no caso do judo acaba mesmo por ser o fator mais determinante: o peso exato no momento exato é já uma vitória antes do início da prova. 

“Sem dúvida que a alimentação é um dos principais fatores para a minha performance”, começa por dizer Bárbara Timo, que neste ciclo olímpico entrou “numa categoria nova”, o que lhe custou “uma dieta de restrição de calorias e um quotidiano completamente diferente”, mas sempre sob o olhar atento do seu nutricionista, fiel companheiro que está sempre disponível esteja a judoca “em qualquer parte do mundo”.  

“O meu peso natural não é 63 quilos, é 66 quilos, e pesar 63 quilos mais de 20 vezes em ano e meio é muito duro para o corpo e para a mente”, lamenta a atleta nascida no Rio de Janeiro e que compete por Portugal desde 2019, sendo esta a sua segunda participação em Jogos Olímpicos. A primeira foi em Tóquio, há três anos, e na categoria de -70 quilos.

Não tenho uma dieta muito restrita, mas o mais importante é estar atenta à quantidade. Aposto na proteína, que suplemento depois do treino. Também como doces, mas tudo depende do tempo que tenho para [preparar] uma prova. Faço uma alimentação equilibrada, vou reduzindo a quantidade [dos alimentos] conforme vai chegando a prova”, explica, revelando que o último quilo é o que custa mais a perder: “o último quilo é desidratação de líquidos, não beber água”.

Bárbara Timo, no Grand Slam de Paris 2021 (AP Photo/Lewis Joly)

Com apenas 20 anos, Camila Rebelo é também uma das estreantes portuguesas nestes Jogos Olímpicos. Chega a Paris com o título de campeã europeia de 200 metros costas e confiante de toda a preparação que fez: “Se até agora funcionou de forma certa, vou continuar”, diz-nos, destacando o papel determinante que a sua nutricionista tem para manter o foco e saber as quantidades certas de alimento. 

Natural de Coimbra, a nadadora tem 1,70 metros e pesa 63 quilos e, “apesar de na natação não termos aquelas pesagens”, como há no judo, Camila diz que tem “um perfil de peso ideal em que me sinto confortável para competição” e faz por mantê-lo. Com a ajuda da nutricionista vai “mudando as quantidades” do que come conforme a “intensidade dos treinos e competições”, assim, garante, “sei que tenho de comer X gramas de hidratos de carbono, X gramas de proteínas, frutas e vegetais”. 

Camila começa a manhã com “Weetabix e aveia com leite de soja”, um trio que, tal como Ana Cabecinha, diz que vai levar para Paris: “Não faz sentido mudar o pequeno-almoço”. Depois do treino bebe “um leite achocolatado magro com zero adição de açúcar e pão escuro misto com uma fruta”, já ao almoço e jantar a fórmula é a mesma: “prato de sopa, 200 a 300 gramas de hidratos de carbono e 120 de proteína, duas colheres de legumes e fruta”. Ainda assim, admite que “às vezes é difícil repor as calorias” gastas num treino, sendo comum beber, enquanto nada, “eletrólitos com hidratos, é doce e sabe bem e vai repondo ao longo do treino, mas não repõe tudo”.

Esta ‘luta’ por repor as calorias gastas é também recorrente para Ana Cabecinha e Nelson Oliveira. E nem sempre é fácil. “Depois das provas longas o apetite que temos é sempre muito pouco, vimos tão desgastados com a prova, a adrenalina, às vezes a felicidade, que depois nunca há muito apetite para comer, só cinco, seis ou sete horas depois é que consigo sentir aquela fome e vontade de comer depois da prova”, diz Ana Cabecinha.

Também Nelson Oliveira admite que “por vezes há corridas em que chegamos sem apetite, mas sabemos que temos de comer porque temos uma corrida no dia a seguir”, como acontece frequentemente nas provas de ciclismo. Nestes casos, diz, há duas formas de repor a energia: “Muitas vezes, com pouco apetite, tentamos consumir sempre massa depois de uma corrida, ou arroz, ou gnocchi, algo com bastante carga de hidratos de carbono, mas se não tivermos o apetite para comer tudo o que nos põem, tentamos compensar ou com mel ou com compota de morango ou de mirtilo, algo que seja fácil de absorver [a nível de hidrato de carbono]. É assim que compensamos o apetite”.

Camila Rebelo, no Campeonato Europeu de Desportos Aquáticos em Belgrado (Darko Bandic/Associated Press)

Onde há regra, há exceção

Iogurtes proteicos, leites proteicos, frutas. Este é o trio privilegiado pelos atletas depois dos treinos, com os devidos reforços de hidratação e nutrientes - por vezes consumidos durante o próprio treino em forma de gel. Aos almoços e jantares, o menu não varia muito independentemente da modalidade: carne e salada ao almoço, peixe com legumes ao jantar. Raras são as vezes em que a carne é comida à noite, sobretudo a carne vermelha. E há sempre algum arroz ou massa, o verdadeiro combustível do corpo, o interruptor da energia para o dia seguinte.  

Susana Godinho Santos tem desde pequena a ‘vida facilitada’ nisto da alimentação voltada para a performance, que se quer variada, equilibrada e natural. “Não tenho um plano alimentar que cumpra à regra, tenho uma boa alimentação desde cedo, sempre fui habituada a comer um bocadinho de tudo”, conta-nos. E desde cedo que sumos, refrigerantes, papas de fruta industrializadas ou doces não fazem parte da sua alimentação. “É raro comer fritos, só grelhados e estufados. A única coisa que frito são ovos, aí tem de ser óleo, que não consigo [se for] em azeite. Não sou muito de bolachas e é raro comer bolos”, confidencia.

A maratonista de 32 anos tem à sua espera 42,195 metros, uma das provas que começa mais cedo, também das mais desgastantes do evento, mas diz ter encontrado o combustível certo para si. “Nestum do normal, de mel, com leite sem lactose”.

Acabou por ser um mero acaso, só quando comecei a treinar para maratona em 2022 é que comecei a comer Nestum, nunca tinha provado. A minha mãe nunca me deu papas artificiais. Por causa do meu marido provei e disse ‘até gosto’. Corri e senti-me bem e agora é o meu pequeno-almoço”, diz-nos, adiantando que, por isso mesmo, vai levar consigo Nestum e leite sem lactose para Paris.

Para se preparar para a prova, a atleta, que também é fisioterapeuta, opta por jogar pelo seguro e manter aquilo que até agora tem resultado, que é comer “um bocadinho de tudo”, mas esse bocadinho tem de incluir torradas. “Se não como ao pequeno-almoço, como ao lanche”, conta, divertida. Mas este é capaz de ser dos poucos hábitos que foge à alimentação variada e equilibrada que faz desde pequena, assim como os ovos fritos em óleo.

Susana Godinho Santos (Cortesia Comissão de Atletas Olímpicos)

Mas se a preparação para uns Jogos Olímpicos implica rigor e foco, o regresso trará alguma descontração à mesa. E Bárbara Timo - que diz que provavelmente irá ‘vingar-se’ com uma pizza quando regressar, - “cai sempre bem” - espera aproveitar ‘la baguette’ francesa ainda enquanto estiver em Paris. “Gosto muito de pão com manteiga e em Paris vou fazer um belíssimo pão com manteiga e ovos”, diz-nos, a rir. “O importante é ter consistência. Durante o ciclo olímpico foi muito duro”.

O ciclista Nelson Oliveira, que fala connosco durante a Volta a França, que serve de preparação para os Jogos Olímpicos de Paris, diz que “há sempre espaço para um pequeno deslize”, mas até aqui quanto baste: “Um hambúrguer com batatas fritas” é um bom pós corrida, “mas não é fast-food, é um bocadinho mais amigo”, apressa-se a dizer, em tom de brincadeira. “Mas em competição ou quando nos estamos a preparar tentamos evitar qualquer deslize”, revela. E quando chegar a Portugal? Bem, Nelson está indeciso: “Se fosse um prato de peixe, [seria] um bacalhau. Se for um prato de carne, muito provavelmente um leitão, já que sou da Bairrada, não podia dizer que não”, ri-se.

Camila é fã de massa gratinada, mas a sopa será, muito provavelmente, a primeira coisa que vai pedir mal regresse a Portugal. “Adoro comer carne e picanhas, mas quando estou muito tempo fora, como em Espanha, não há uma sopa que eu goste mesmo muito e o que peço à minha mãe mal chego a casa é uma sopa, uma boa sopa”, diz. Já Ana Cabecinha, “alentejana como sou”, à sua espera em Portugal quer ter “uma boa feijoada, algo assim do género”. 

Ao contrário dos restantes colegas que rumam à capital francesa, Eduardo diz que o seu prato preferido é peixe grelhado, mas rapidamente confessa que não resiste a uma sobremesa “muito específica”: “o bolo de chocolate da minha mãe, é top, parece uma mousse saída do forno”, conta-nos. E como a mãe apenas faz este bolo “três ou quatro vezes ao ano”, garante, em risos, que “é tranquilo” cometer o deslize.

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