Biden e Zelensky na Casa Branca: "A luz irá sempre prevalecer sobre a escuridão"

21 dez 2022, 22:54

“Para mim, a paz implica não comprometer a soberania, liberdade e integridade territorial do meu país, tal como a retaliação por todos os danos infligidos pela violência russa”, disse o presidente ucraniano esta quarta-feira em Washington, ao lado de Joe Biden

Volodymyr Zelensky encontra-se esta quarta-feira em Washington, nos Estados Unidos da América, naquela que é a sua primeira viagem ao estrangeiro desde o início da guerra. Depois de um encontro com o presidente norte-americano Joe Biden na Sala Oval da Casa Branca, seguiu-se uma conferência de imprensa conjunta, em que foi enaltecida a relação entre as duas nações e a intenção de ambas de defender a luta pela liberdade e "responsabilizar" a Rússia pelos "ataques à democracia".

Com as bandeiras da Ucrânia e dos Estados Unidos como pano de fundo, os dois líderes surgiram pouco depois da hora prevista: as 16:30, hora local (21:30 de Portugal Continental). Joe Biden foi o primeiro a falar, enfatizando a importância de finalmente estar “frente a frente” com o homólogo ucraniano após meses de comunicações por telefone e videoconferência. No momento em que se assinalam 300 dias desde a invasão russa e em que 2022 se aproxima do fim, Biden deixa um desejo para o próximo ano: “precisamos de permanecer juntos em 2023”.

O presidente dos Estados Unidos elogiou a resiliência do povo ucraniano contra as hostilidades russas e garantiu que este “nunca estará sozinho” – todo o país apoia a defesa ucraniana, numa causa comum que une democratas e republicanos. Este apoio “inequívoco” e inabalável deve-se à consciência de que a luta pela liberdade da Ucrânia “faz parte de algo muito mais vasto” e que, se os “ataques à democracia” não forem repudiados, “o mundo certamente enfrentará as consequências”.

“O povo americano está preparado para enfrentar bullies e para lutar pela liberdade”, garantiu Biden, num monólogo onde citou várias vezes o nome de Vladimir Putin e condenou os ataques “intencionais” a civis e a infraestruturas críticas. Neste enquadramento, o presidente recordou os vários pacotes de apoio já garantidos pelos Estados Unidos, no valor de “mil milhões de dólares”, que se revelaram “críticos” para que a Ucrânia saísse vitoriosa em várias frentes (como na reconquista de Kherson e Kharkiv) e “defraudasse as expectativas da Rússia”.

A estes apoios, soma-se agora um novo pacote de apoio de 1.85 mil milhões de dólares. Entre o vasto equipamento militar visado por esta assistência multimilionária, incluem-se os mísseis de defesa antiaérea Patriot, que pretendem “fortificar a estabilidade da Ucrânia” e garantir que o país tem capacidade de se defender dos sucessivos ataques a infraestruturas energéticas.

No encerramento do seu discurso, Biden assinalou que esta quarta-feira é a quarta noite do Hannukah, celebração judaica também conhecida como o “Festival das Luzes”. Tal como o milagre que garantiu que uma chama de apenas 24 horas permanecesse acesa durante oito dias, também neste caso “a luz irá sempre prevalecer sobre a escuridão, desde que as pessoas boas estejam dispostas a fazer o que é certo”. O presidente norte-americano endereçou então diretamente Zelensky, com um último comentário. “Quero que saiba: o povo americano estará consigo durante quanto tempo for necessário. A luta que está a travar interessa ao mundo inteiro. Vamos manter a chama da liberdade a brilhar intensamente sobre a escuridão”.

Zelensky diz-se "esperançoso" após encontro "histórico"

Volodymyr Zelensky falou de seguida, na sua língua nativa. Começou por agradecer a Joe Biden e ao “povo americano, que tanto fazem pela Ucrânia”, e por destacar o carácter “histórico” da visita desta quarta-feira na relação entre ambos os países. “Entrámos numa nova fase na relação com os Estados Unidos e tornámo-nos verdadeiros aliados”, frisou.

O chefe de Estado ucraniano referiu ter mantido “uma boa conversa de negócios” durante as cerca de duas horas em que esteve reunido com o homólogo norte-americano na Sala Oval, assumindo-se “esperançoso” em relação aos próximos meses. Zelensky referiu que os mísseis Patriot garantidos pelos Estados Unidos serão indispensáveis para “fortificar a defesa aérea” e impedir “o país inimigo de atingir as infraestruturas”. Destacou, ainda, que "todos os dólares [investidos pelos Estados Unidos] serão usados para fortificar a segurança global e ajudar-nos a defender a nossa independência”.

De acordo com Volodymyr Zelensky, outro tópico de discussão envolveu as medidas a adotar contra “o terror da Rússia” – que, defende, deve ser “responsabilizada por tudo aquilo que faz contra o mundo livre” - e a importância de “trabalhar na integridade da Ucrânia”, em particular num momento tão vulnerável como o inverno. O líder frisou que esta é uma questão humanitária, e também uma questão de sobrevivência: “precisamos de ser muito específicos, e precisamos de sobreviver ao inverno”. Zelenskly terminou o seu discurso com uma frase que, desde fevereiro, tem percorrido o mundo: “Glória à Ucrânia”.

Zelensky: "Quero que vençamos juntos". E depois corrigiu: "Não quero, tenho a certeza"

Findos os discursos, Joe Biden e Volodymyr Zelensky responderam a algumas questões por parte dos jornalistas na audiência.

Questionado se o apoio internacional à Ucrânia se manteria em 2023, o presidente Joe Biden garantiu não existir “qualquer sinal de mudança” nas intenções dos Estados Unidos e aliados, tais como a NATO e a União Europeia. Biden salientou que a invasão à Ucrânia é o mais grave ataque a um país europeu desde a Segunda Guerra Mundial, mas que as intenções de Putin de fragmentar a Europa acabaram for não surtir efeito. “Putin queria dividir a Europa, mas apenas acabámos mais unidos”.

Numa resposta ao mesmo jornalista, que tinha perguntado qual a mensagem que pretendia transmitir ao povo ucraniano, Zelensky foi perentório: “desejo-vos paz”. Essa paz seria atingida, continuou, através da “luta pela vitória comum contra a tirania” da Rússia. “Vamos vencer, e eu quero muito que vençamos juntos”, declarou, antes de fazer uma pausa para retificar as suas palavras. “Não quero, desculpem, tenho a certeza”, corrigiu, arrancando gargalhadas da audiência.

A palavra foi passada a um jornalista de ascendência ucraniana, com família em Kiev, que começou por agradecer a Biden a intervenção dos Estados Unidos no conflito. Depois, algumas questões difíceis: O que se segue? Como é que a guerra pode terminar de forma justa? Qual é o caminho até à paz?

Volodymyr Zelensky respondeu primeiro, com uma outra questão. O que significa uma "paz justa" para os pais que perderam filhos e filhas no campo de batalha? “Dinheiro e compensações não significam nada. É uma tragédia tremenda e, quanto mais tempo durar a guerra, mais estes pais quererão vingança”, alertou o presidente ucraniano.

“Para mim, a paz implica não comprometer a soberania, liberdade e integridade territorial do meu país, tal como a retaliação por todos os danos infligidos pela violência russa”.

Joe Biden garantiu partilhar “a mesma visão” e reforçou que a única parte não disposta a negociar a paz é a Rússia. “A guerra poderia terminar num dia se Putin tivesse alguma dignidade, mas isso não vai acontecer”, lamentou, apontando ainda que o impacto da guerra no país invasor não deve ser subestimado. “Putin já admitiu que [a guerra] está a ser mais difícil do que pensava. Não é possível vencer”.  

O microfone foi de seguida passado a um jornalista da CNN Internacional, que questionou se o envio de mísseis Patriot para a Ucrânia implicaria uma escalada da guerra. Biden rejeitou: “É um sistema de defesa, não vai escalar a guerra”. O presidente norte-americano sublinhou ainda que a intenção seria “não usar estes mísseis” e que, nesse sentido, a solução dependia apenas da Rússia. “Simplesmente parem com os ataques”.  

Numa questão agora direcionada a Volodymyr Zelensky, o mesmo jornalista questionou qual o motivo deste encontro presencial – o primeiro desde o início das hostilidades, em fevereiro – e qual a mensagem que se pretendia transmitir a Vladimir Putin.

“Estou com Joe Biden aqui, nos Estados Unidos, no mesmo pódio, porque o respeito enquanto pessoa, presidente e ser humano. Para mim, este é um momento histórico”. Logo de seguida, acrescentou, suscitando mais uma onda de risos na audiência: depois de os mísseis Patriot estarem ativos e a funcionar em pleno, “vamos enviar mais um sinal ao presidente Biden a pedir mais mísseis Patriot”.

Quanto à segunda parte da questão, Zelensky mostra-se indignado: “porque é que precisamos nós de lhe enviar uma mensagem? Ele é que deveria estar interessado em ganhar a atenção do mundo. Deveria ter interesse em tentar salvar algo da cultura e história do seu país. Portanto, isto é um problema dele". 

Numa última intervenção, uma jornalista admite a possibilidade de “estar a ser inocente”, mas questiona: “porque não irmos logo diretos ao assunto e darmos à Ucrânia tudo aquilo que há para dar?”  O presidente dos Estados Unidos aponta para Zelensky, à sua direita, e não hesita: “a resposta dele é sim”. O líder ucraniano confirma a resposta e sorri. “Concordo”.

Adotando novamente uma postura mais séria, Biden explica que, desde o início da invasão, foi fornecido à Ucrânia um “enorme sistema” de apoio que garantia tudo o que as forças do país necessitavam. Defesa área, artilharia, munições e agora os mísseis Patriot – enumerou os vários equipamentos cedidos desde o início da guerra, momento em que foi estabelecido o compromisso inquebrável de “ajudar a Ucrânia enquanto precisasse” e “certificar de que sai vitoriosa no campo de batalha”. Acautela, porém: tanto os Estados Unidos como os aliados “continuam a apoiar a Ucrânia, mas não estão à procura de uma guerra com a Rússia ou uma Terceira Guerra Mundial”.

A conferência de imprensa encerrou nesta nota. De acordo com o horário previsto para a visita do presidente europeu, Zelensky deverá posteriormente discursar perante o Congresso dos Estados Unidos às 00:30 de Portugal Continental (19:30 na hora local).

E.U.A.

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