opinião
Economista e Professor Universitário

Mário Centeno e a difícil arte do equilibrismo

2 abr 2023, 09:28

O Governador do Banco de Portugal referiu nos últimos dias que a subida de salários não está a impulsionar a inflação em Portugal.

Desta vez, Portugal deve agradecer a Mário Centeno. Ao contrário do que estes textos de opinião, em muitas ocasiões, vão sugerindo, esta não é uma afirmação irónica. O sentido da frase é literal. 

Perante a postura cada vez mais intimidatória da responsável máxima do Banco Central Europeu, é preciso ter (muita) coragem para referir que o aumento salarial em Portugal não impulsiona a inflação. Sabemos todos bem que, na prática, impulsiona. Mesmo que a subida dos salários se situe abaixo da inflação, uma maior liquidez na economia desencadeará sempre mais pressão do lado do consumo. É óbvio! 

Esta posição de Mário Centeno, que Portugal deve valorizar, não é mais nem menos do que uma forma hábil encontrada pelo Governador do Banco de Portugal para permanecer alinhado com o Governo do seu país e, ao mesmo tempo, sem desafiar declaradamente o BCE. O responsável máximo do Banco de Portugal sabe que valorizar o rendimento do trabalho em Portugal é estritamente indispensável para mitigar a escalada da fome em Portugal. Infelizmente, é mesmo de fome que se trata.

Com a ascensão vertiginosa das Euribor a reboque dos juros diretores do BCE, as prestações dos créditos à habitação têm absorvido a maior parte dos orçamentos das famílias portuguesas. A juntar a isto, Portugal tem vindo a registar uma subida muita acentuada nos preços dos bens alimentares essenciais. Recorde-se que os orçamentos das famílias portuguesas se situam já, em condições normais, entre os mais baixos da Europa. Em paridade de poder de compra, Portugal registava em 2019 o sétimo rendimento médio do trabalho mais baixo da União Europeia. 

A situação é dramática para muitos agregados familiares. Já a meio do ano passado - e a conjuntura veio a agravar-se imenso desde então - uma sondagem da Aximage dava conta de que cerca de dois terços dos portugueses tinham visto a sua alimentação afetada de algum modo devido à subida generalizada dos preços. O estudo revelava ainda que um terço dos participantes assumia ter tido necessidade de reduzir o consumo de vários alimentos, enquanto um quarto havia mesmo sido obrigado a deixar de comprar alguns bens alimentares. Se considerarmos a subida ininterrupta dos preços dos bens alimentares até ao presente, o difícil quadro das escolhas alimentares tem continuado a deteriorar-se. 

Por isso, num período de pressão máxima externa e interna, é justo que valorizemos a capacidade e coragem do Governador do Banco de Portugal. Mário Centeno tenta manter-se equilibrado numa corda muito estreita e, aparentemente, sem rede de apoio. Defender que a subida de salários não impulsiona a inflação é a prova disso.
 

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