opinião
Economista e Professor Universitário

“Inflação de volta aos 2%!”

4 mar 2023, 15:58

 Atenção! A obstinação do BCE ainda nos vais levar à recessão.

"Inflação de volta aos 2%”, é o que mais se vai ouvindo da Presidente do BCE nos últimos tempos. Na semana passada, a Senhora Christine Lagarde elevou ainda mais a fasquia da narrativa. “Será preciso o que for preciso para trazer a inflação de volta aos 2%”, disse a responsável máxima do BCE. “Será preciso o que for preciso” é uma afirmação muito sugestiva. Soa a comando. Sugere que, doravante, valerá tudo para transportar a inflação até aos 2%, independentemente das consequências sociais potencialmente severas.

A postura renitente de Lagarde tem vindo a incomodar. Esta renitência ainda acabará por levar a Europa a uma recessão, e não é isto que se espera de uma Presidente de um Banco Central. 

É que o BCE está a impor uma política monetária ultracontracionista, cada vez mais radical, que poderá conduzir economias como a portuguesa a grandes apuros. 

Justifica-se, por isso, nesta fase, algumas chamadas de atenção à quase sempre serena Christine Lagarde.

Senhora Lagarde,

Atenção! Os cidadãos europeus com um padrão de vida idêntico ao dos portugueses não chegam a pressionar os mercados de bens e serviços não essenciais. Em Portugal, onde o rendimento médio do trabalho é um dos mais baixos da Europa, o consumo das famílias cinge-se, praticamente, ao cabaz de bens estritamente indispensáveis. Na atualidade, os orçamentos da esmagadora maioria dos agregados familiares já não chegam para mais. Agravar este cenário é altamente preocupante.

Atenção! As Euribor, a reboque dos juros diretores do BCE, apertam cada vez mais as finanças familiares de alguns países europeus (Portugal incluído). Para março, prevê-se mais um aperto: outros 50 pontos base. Socioeconomicamente, isto é muito alarmante. 

Atenção! É possível que, mais dia menos dia, os juros diretores do BCE venham a embater com estrondo nos 4%. Em Portugal, um quadro destes resultará no desvio anual de “alguns” milhares de milhões de euros dos bolsos das famílias para os cofres dos bancos. 

Atenção! Os programas de compra de dívida pública do BCE também estão a dar as últimas. Sem a concorrência do BCE, os spreads entre taxas de juros associadas ao endividamento soberano podem (e vão) prejudicar severamente as economias mais frágeis, como é o caso da portuguesa.

Atenção! A pressão do BCE para que os bancos façam refletir no rendimento dos depósitos a prazo a subida dos juros diretores tem sido próxima de intimidatória. Estimular muito a poupança no quadro atual remete-nos para o famoso “paradoxo da poupança” do admirável John Maynard Keynes. Segundo Keynes, o aumento das poupanças familiares leva à diminuição da procura agregada e, por conseguinte, à redução do produto nacional. Um quadro assim, por sua vez, acaba por reduzir a poupança real do país. É o fluxo circular da economia a ditar as regras: mais poupança; menos procura; menos produção; menos emprego; menos rendimento; e menos poupança em termos absolutos.

Atenção! O BCE suplica aos Estados-membros que reduzam as suas políticas orçamentais ao mínimo possível. Ora, prevê-se que a economia portuguesa cresça 1% em 2023, ou seja, uns desprezíveis 0,7 pontos percentuais acima da Rússia (uma economia alvo de dez pacotes de sanções… em apenas um ano). Nesta fase, acentuar o desinteresse do Estado em relação à economia real pode, no curto prazo, vir a ser dramático para muitas atividades económicas. 

Atenção! Com esta postura monetária desgarrada e agressiva, é certo que o BCE fará xeque-mate à inflação, mas também abrirá a porta à Recessão. Aguardemos para ver se a malquerida aceita o convite. 

Finalmente, MUITA ATENÇÃO! Com a expansão económica russa para a Ásia, o risco real de ver a Europa contrair mais do que a Rússia está longe de ser nulo. Se isso viesse a acontecer, seria sempre um acontecimento tristemente irónico.

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