opinião
Economista e Professor Universitário

A boa Europa, os maus Estados Unidos e a vilã China

26 fev 2023, 22:31

A Europa tem-se sacrificado para pôr fim ao conflito militar na Ucrânia. 

Com as sanções impostas à Rússia, e subsequentes retaliações, o rasto de destruição inflacionária deixado nos Estados-membros da União Europeia é, para já, avassalador.

Desde há um ano, o receio em relação ao futuro é o que marca a vida dos europeus e de cada um dos portugueses em particular.

Para contrariar uma inflação histórica, a política monetária contracionista levada a cabo pelo Banco Central Europeu contribui para aumentar drasticamente as prestações dos créditos à habitação. Transferem-se, assim, para os bancos, sob a forma de juros, os parcos euros que cada família acumula a partir do rendimento do trabalho. 

E porque somos bondosos, é este o preço que aceitamos suportar para travar o terror na Ucrânia. Sim, estão a morrer pessoas na Ucrânia; pessoas como nós; “pessoas de carne e osso”.

Ainda assim, no atual quadro de temor, algumas partes saem a ganhar. E, presumo, talvez nunca se venha a saber se o contexto presente é, ou não, considerado de conveniência pelas partes que saem a ganhar. É que prevalece uma forte sensação de que muito mais se poderia ter feito até ao momento.

Com a reconfiguração dos mercados energéticos à escala global, os Estados Unidos tornaram-se o maior exportador de gás natural do mundo em 2022. A União Europeia contribuiu para este quadro, em função do objetivo de diminuir o fluxo desta matéria-prima vinda da Rússia via gasodutos. 

Assim, com muita naturalidade, os Estado Unidos, possuindo infraestruturas de produção e de exportação de grande escala, são agora o grande exportador de Gás Natural Liquefeito para os países europeus.

Numa outra perspetiva, a China adensa as suas relações económicas e energéticas com a Rússia, tirando proveito das ações russas que visam contornar as sanções que vão sendo impostas pelo Ocidente.

De acordo com a agência de notícias financeiras Bloomberg, as exportações russas de petróleo para a China atingiram níveis recorde em dezembro passado.

Em relação ao Gás, a lógica é rigorosamente a mesma. Em 2022, a China registou um aumento de 50% nas importações de gás russo.

E tudo isto com a China a tirar proveito dos preços de saldo que a “parceira” Rússia pratica para com os seus parceiros.

A juntar a tudo isto, a Europa só conseguirá mitigar os contra-ataques inflacionistas da Rússia, garantindo a independência energética. Para o efeito, é crucial aumentar rapidamente a produção de energia renovável. Para este desiderato, a energia solar é considerada um elemento-chave, uma vez que pode gerar até 33% da eletricidade necessária à escala mundial.

Ainda assim, a este propósito, coloca-se um sério problema. No quadro mundial, a China fabrica mais de 80% das componentes de painéis fotovoltaicos.

Em algumas fases da cadeia de fornecimento, a concentração chega a ser superior a 90%. Um nível de concentração como este é uma vulnerabilidade em qualquer setor de atividade.

A atual conjuntura mundial reforça ainda mais esta evidência. A China sabe que o sucesso na transição energética mundial corresponderá ao fim do poder da Rússia.

E não fossemos nós considerar a hipótese acima exposta uma espécie de conspiração, vieram agora os Ministros chineses do Comércio e da Ciência e Tecnologia anunciar que a China está a considerar estabelecer limites à exportação da tecnologia de fabricação de painéis solares. 

Na prática, a China quer cessar a exportação de tecnologia solar. Recorde-se que a China tem um peso mundial de mais de 80% em toda a cadeia de valor da produção de painéis fotovoltaicos.

Sem o contributo decisivo da energia solar, o mundo continuará a carecer dos recursos energéticos fósseis da Rússia e isso é tudo o que basta para que Moscovo mantenha o seu rumo; um rumo que beneficia, desde logo, os interesses chineses.

Pesados os pratos da balança: a Europa sofre em nome da dignidade dos Ucranianos; os Estados Unidos aproveitam para bater recordes de exportação de recursos energéticos; e a China entrava a imperativa transição energética em nome de interesses económicos próprios.
 

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