Factos primeiro: há provas que liguem a mulher de Rendeiro ao crime de descaminho?

23 nov 2021, 09:02
Ginásio, praia e restaurantes: a nova vida de Rendeiro

Este fact-check é uma parceria com o Observador

ERRADO

“O Ministério Público não tem uma única prova que ligue a Maria ao descaminho”

Em entrevista à CNN Portugal, João Rendeiro defendeu que o Ministério Público “não tem uma única prova” que relacione a sua mulher com o crime de descaminho das obras de arte de que era fiel depositária. Existem alguns erros nesta ideia apresentada por Rendeiro.

Desde logo, erros de terminologia. O processo instaurado pelo Ministério Público para investigar eventuais crimes de descaminho e de branqueamento está, ainda, na fase de inquérito. O que significa que não é possível falar ainda em “provas”, mas antes em “indícios” ou, quando muito, em “provas indiciárias” da eventual prática de crimes.

Mas há também erros de substância. Maria Rendeiro foi constituída há sensivelmente 11 anos (a 11 de novembro de 2010) como “fiel depositária de mais de uma centena de objetos” apreendidos ao seu marido, como garantia para o pagamento de indemnizações aos lesados do Banco Privado Português. Essa informação consta, entre outros, do processo em que a mulher do ex-banqueiro foi condenada a pagar uma multa de mil euros precisamente por incumprimento dos seus deveres como fiel depositária.

Paralelamente, o Ministério Público abriu um segundo inquérito para apurar responsabilidades nos crimes de descaminho e desobediência que suspeitava terem sido cometidos relativamente a essas obras arrestadas. “Havia indícios claros de que tinham sido praticados crimes e foi aberto um novo inquérito”, recorda o advogado Paulo Sá e Cunha ao Observador.

É no âmbito desse segundo processo que Maria Rendeiro acaba por ser “detida e interrogada”, acrescenta o especialista em Direito Penal. “As circunstâncias apontam para que [a mulher do ex-banqueiro] terá responsabilidades” relativamente a esses crimes, continua Sá e Cunha. Porquê? Porque as obras “não estavam num armazém fechado, que não estivesse 24 horas por dia ao dispor” de Maria Rendeiro. Pelo contrário, essas obras “estavam em casa” da própria mulher de Rendeiro.

E os indícios existentes mostram que “as obras em casa foram retiradas do local e [não foram] substituídas sem que ela soubesse” desses acontecimentos. “São provas indiciárias que têm alguma solidez e que apontam para que [Maria Rendeiro] ou é autora ou sabia [destes factos] ou teve alguma intervenção” nos mesmos. No mínimo, poder-se-á considerar uma “cumplicidade” na prática desses crimes, conclui o advogado ao Observador.

Portanto, a alegação de que o Ministério Público não tem “uma única prova” de que Maria Rendeiro está relacionada com o desaparecimento de obras arrestadas pela Justiça portuguesa, e de que era fiel depositária, carece de sustentação. Os quadros e outros objetos de arte estavam à guarda da mulher de João Rendeiro desde 2010, na sua própria casa, e o facto de terem desaparecido, nalguns casos, e poderem ter sido falsificadas, noutros casos, sustentam a constituição de Maria Rendeiro como arguida e a aplicação da medida de coação de prisão domiciliária.

ERRADO

“O meu motorista, que pelos vistos não tem direito a ser uma pessoa normal, tinha vendido um prédio por um milhão e meio de euros e depois comprou um apartamento por 1 milhão e cinquenta. E o meu amigo acha isso extraordinário?”, disse em entrevista exclusiva à CNN Portugal o antigo banqueiro.

Para João Rendeiro, pode não ser extraordinário, mas para o Ministério Público é. É que o seu motorista, que o acompanha desde os tempos do BPP, comprou de facto um apartamento por 1.050.000 euros, mas esse apartamento foi comprado precisamente no condomínio de luxo onde o casal Rendeiro vivia na Quinta Patiño, em Alcabideche (Cascais).

Mais tarde, em dezembro de 2020, o motorista — que é filho do presidente da Antral e que tem o mesmo nome que o pai, Florêncio de Almeida — vendia o direito de usufruto desse apartamento à mulher do ex-banqueiro, Maria de Jesus Rendeiro, por um período de 15 anos a um valor de 200.976 euros.

Rendeiro afirmou aquilo que o Ministério Público já tinha percebido: o dinheiro que pagou esse apartamento resultou da venda de um prédio que o pai doou ao filho em 2018. Um prédio que, por sua vez, tinha sido comprado por Florêncio Almeida (pai) ao próprio João Rendeiro, juntamente com um outro, também em Campo de Ourique, além de dois terrenos rústicos na Murtosa. Todos eles propriedade dos pais do antigo banqueiro, entretanto falecidos.

O prédio de 330m2 da família de Rendeiro, com os números 37 e 39 na Rua Silva Carvalho, em Campo de Ourique, foi vendido a Florêncio de Almeida (pai) por 350 mil euros. E o outro prédio urbano na mesma rua de Campo de Ourique, com os números 41 e 41A, foi vendido por 150 mil euros.

João Rendeiro afirmou esta segunda-feira que Florêncio conseguirá explicar como adquiriu aqueles bens ao preço do mercado à época, em 2015. Já o que se passou a seguir, diz, referindo-se ao usufruto vendido à sua mulher (que há anos deixou de trabalhar e vivia na sua dependência), não lhe compete a ele explicar. “A sequência das operações feitas posteriormente, com toda a franqueza, não me compete a mim explicar, nem devo explicar, porque alguns detalhes nem eu sei”, disse. “Tudo é estranho quando se quer fazer estranho”, afirmou.

Uma estranheza que aparentemente não ficou resolvida perante o juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, que decidiu manter Maria Rendeiro em prisão domiciliária pelos crimes de descaminho e branqueamento, assim como seis outros arguidos: Florêncio e a mulher, o filho e a nora e ainda um artista que terá participado na falsificação das obras de arte. Ou seja, todos os que assinaram os negócios que não terão sido totalmente esclarecidos no dia em que o Ministério Público ordenou dezenas de buscas às casas dos suspeitos.

Aliás, as operações feitas entre compras e vendas de casas são por si só características de “circuitos da lavagem de dinheiro”, como defendeu à CNN Portugal o advogado Magalhães e Silva. “Não consigo imaginar (uma explicação)” para este circuito, disse. “Os valores são de tal maneira discrepantes que não é fácil de explicar”, concluiu.

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