O MISTÉRIO DAS FINANÇAS || Presidente executivo do BPI contraria narrativa dos "lucros pornográficos da banca" e explica que assim não foram no passado - nem continuarão a ser no futuro.
N' O Mistério das Finanças, João Pedro Oliveira e Costa questiona por que razão os bancos têm má reputação. Questiona e responde, numa conversa gravada no final da semana passada e transmitida no final de semana.
Leia de seguida a transcrição da segunda parte da entrevista. Ela foi editada por razões de dimensão e clareza. Pode ver o episódio de O Mistério das Finanças na íntegra no vídeo em cima ou ouvi-lo em podcast no Eco e nas plataformas habituais.
António Costa (AC)- Afinal, porquê é que a banca tem má reputação? Porque tem. Partimos desse princípio: porque tem.
João Pedro Oliveira e Costa (JPOC) - Pode haver duas formas de olhar para o tema da reputação. Uma, se falar com os nossos clientes, não me parece. Ou seja, as pessoas continuam a confiar nos bancos, continuam a confiar nas pessoas dos bancos.
Agora... eu acho que, em primeiro lugar, há uma história que não está limpa e, não tendo havido justiça clara sobre este assunto - clara neste sentido, ou sim ou não, e de certeza que não pode ter havido o que aconteceu em vários bancos e nós todos temos pago a fatura e no final do dia não se passa nada. É os brandos costumes portugueses. E isso não é positivo para criar uma imagem sobre o setor.
Depois, eventualmente, nós não conseguimos passar suficientemente a imagem daquilo que fizemos nos últimos anos. No caso do BPI, que fizemos desde sempre, mas no caso geral do que se fez nos últimos anos.
Repare, nós temos 214 mil contratos de crédito de habitação. E nos últimos três anos não fui recuperar nenhuma casa. As taxas de juro subiram, desceram, as pessoas tiveram dificuldades. Mérito das pessoas, atenção, mérito das pessoas. Mas houve uma atitude. E por isso, temos pago impostos, pagamos muitos impostos, temos contratado jovens, temos crescido no crédito. Sistematicamente nós temos crescido.
Pedro Santos Guerreiro (PSG) – Deixa-me confrontá-lo com as razões que levam a uma má reputação: a salvação dos bancos de que falou, e aí de facto há uma injustiça em colocar todos no mesmo saco, porque foram mesmo muitos - BPP, BPN, Banif, o BCP teve problemas diferentes, a Caixa teve a injeção de capital, o BES foi o pior de todos, estamos a falar de dezenas de milhares de milhões de euros de dinheiro dos contribuintes; mas há mais: depositar dinheiro nos bancos é a mesma coisa que perder dinheiro. Os depósitos não pagam praticamente zero; Mas há mais ainda: os bancos foram condenados por cartel há pouco tempo e depois o processo prescreveu; e, finalmente, os lucros deste ano, que estão a ser apresentados agora, são os maiores de sempre, os maiores bancos em conjunto, são praticamente cinco mil milhões de euros de lucros.
Vamos começar por aí: como é que explica estes lucros pornográficos?
JPOC - A última palavra é interessante… [ironia] Mas eu acho que é importante dizer o seguinte: em primeiro lugar, há uma narrativa que vai sendo montada, que passa para o comum dos mortais e que a certa altura pega. Por isso, uma parte da perceção vem com uma narrativa. É uma narrativa que eu diria que é fácil, porque todos os argumentos que coloca têm que ser contrapostos, mas é preciso entender o assunto.
Relativamente aos depósitos: nós crescemos os depósitos na mesma durante estes anos, significativamente, e todos os anos, mas há alternativas, e há alternativas boas, quer com os Certificados de Aforro - isso existe, o Estado tem atraído -, quer com o banco do Estado, que poderia ter feito de forma diferente, se assim o entendesse - apesar de eu entender também, se me perguntam se eu acho razoável estar num mercado competitivo com um banco do Estado que tem 30% de quota de mercado… Eu também não acho, há bocado por causa da resposta do peso [com que a Caixa ficará se comprar o Novo Banco], acho que não é a coisa mais... mais saudável, mas é uma visão puramente pessoal.
E depois, relativamente ao tema dos depósitos, é uma lei da oferta e da procura. Por isso, havendo alternativas, o mercado funciona. Depois, nós também vendemos outro tipo de oferta aos nossos clientes de longo prazo.
Mas essa perceção é verdade e quando se monta uma narrativa em cima dela, sistematicamente, ela obviamente passa. Mas os depósitos não é a única coisa, porque nós oferecemos um conjunto mais vasto de serviços que não só depósitos.
Sobre o tema do famoso… a palavra “cartel” custa-me um bocado, os meus colegas do BCP até se insurgiram um bocado com essa palavra, eu para mim já não ligo ao tema da palavra.
AC – No final do dia, é que põe em causa a concorrência e o benefício ao consumidor, independentemente da dimensão jurídica.
JPOC - Como é um tema que ainda vai ter próximos capítulos, qualquer coisa que eu possa dizer pode não ser, não é aconselhável o que eu falo, até porque eu sou parte interessada, mas o que eu lhe posso dizer é que não está provado em lado nenhum que se tenha prejudicado seja que cliente tenha sido.
AC - Os tribunais decidiram que criaram condições e que isso tem como consequência menos concorrência e, no final do dia, prejudicar os consumidores.
JPOC - Mas é preciso provar que isso tenha acontecido e o caminho que foi seguido por quem entendia o contrário não conseguiu provar esse assunto e não seguiu essa linha, segue outra linha. Por isso, essa questão, para mim, a mais importante de todas é prejudicar o consumidor. Mas isso, como vocês podem entender, é uma dificuldade que eu teria para falar.
Sobre o tema dos resultados, o que é que nós fazemos com eles? E esse é um aspeto importante. Nós pagamos...
PSG - Mas reconhece que são lucros muito elevados, ou seja, quando olhamos para a rentabilidade dos capitais...
JPOC - Mas em média não são.
AC - É que a rentabilidade também é muito elevada.
PSG – É perto dos 20%
JPOC - Certo. E eu não desligo isso, não vai continuar a ser, foi uma vez, não vai continuar a ser, todas as previsões que nós temos para a frente não são essas, vai normalizar.
Em média, se nós olharmos para os últimos anos, estamos em valores muitíssimo mais baixos do que qualquer outra indústria. Agora, eu percebo que seja muito mais, vamos dizer, mais fácil, mais óbvio, os bancos, até porque há aqui de facto um imaginário, isto quase como - não sendo demasiado político e a jogar ao meu favor - mas é quase como um imaginário que se fez em relação aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. É mais fácil atingir uma determinada categoria porque o odioso fica todo ali concentrado. Mas nós prestamos um enorme serviço à sociedade, pagamos muitos impostos - talvez sejamos das organizações que mais pagam, pelo menos falo pelo BPI -, damos emprego, fazemos a economia funcionar, damos crédito e por isso, agora, o que nós fazemos com os lucros é que é muito importante, como é que os redistribuímos? No caso do BPI, além depois de pagar os impostos, ainda distribuímos 50 milhões de euros na sociedade, sendo a organização [a Fundação La Caixa] que mais distribui.
E depois, por exemplo, o tema que eu falei há pouco da recuperação das casas, do apoio às empresas com mais dificuldade. Durante a pandemia, os bancos não fecharam e apoiaram e aceitaram participar com o Estado a forma de financiar a economia, de distribuir o dinheiro na economia. Eu acho que isso deve ser reconhecido. Além do trabalho muito grande que foi feito, quer pela supervisão, quer pelas administrações dos bancos, para que a história triste do passado não se volte a repetir.