"Enquanto não se construírem casas em número significativo, os preços vão continuar a subir"

4 mar, 07:10

O MISTÉRIO DAS FINANÇAS || Presidente executivo do BPI defende que o problema da falta da habitação é tão importante que os telejornais deviam todos os dias falar disso. Mas não só: é preciso coragem para mudar, diz. Mudar a burocracia, mudar a legislação, promover construção modular e ter alguém do governo a prestar contas todos os meses sobre quantas casas construímos. Até, os preços subirão

A conversa com João Pedro Oliveira e Costa decorreu no episódio desta semana de O Mistério das Finanças, que pode ver na íntegra no vídeo em cima ou ouvi-lo em podcast no Eco e nas plataformas habituais. 

Leia de seguida a transcrição da terceira parte da entrevista, editada por razões de dimensão e clareza. 

Pedro Santos Guerreiro (PSG) - Os preços das casas vão continuar a subir?
João Pedro Oliveira e Costa (JPOC)
- Eu tenho dito isto várias vezes: enquanto não conseguimos concretizar… O Estado, o Governo, já implementou um conjunto de medidas, como este tema da Lei dos Solos e outras que têm estado a implementar, de aumentar ou tentar acelerar… Mas eu acho que há um outro elefante na sala que é a nossa burocracia. Isto é uma burocracia dificílima de ultrapassar, quer dizer, eu se quiser fazer qualquer projeto em Portugal, meta-lhe anos, não consigo sequer falar em meses, tem que falar em anos. Isto é altamente dissuasor.

PSG - Os licenciamentos para construção...
JPOC -
Eu acho que esse é o primeiro entrave. Quando eu falo com os investidores, esse é o primeiro entrave, é o primeiro problema.

Depois, sendo uma preocupação nacional, nós quase devíamos ter todos os telejornais a falar sobre isto. E mais: como fazemos em qualquer empresa, há um projeto, há uma ideia, ok, é um problema, identifica-se o problema, identifica-se soluções; mete-se um programa a funcionar e depois vamos acompanhando o programa.

Nós o que devíamos estar a falar aqui todos os meses é assim: alguém do governo devia vir todos os meses ou todos os trimestres prestar contas. Quantas casas fizemos?

Por isso, a resposta é: enquanto não se construírem, em número significativo, novas casas, sim, acredito que os preços vão continuar a subir.

PSG - Disse isso mais ou menos há um ano. Por que é que não acontece? O governo também dá explicações. Diz, por exemplo, que hoje as construtoras têm muito menos capacidade do que tinham no passado, não têm capacidade de resposta rápida. Quando se fala com as empresas de construção, elas falam em seis, sete, oito anos, até normalizar outra vez o ritmo de construção. Estamos condenados a esse tempo todo de espera?
JPOC -
Se não houver coragem, estamos. Se não houver coragem, estamos.

PSG - Coragem para quê?
JPOC -
Primeiro para mudar a legislação. Imediatamente. Isto tem que ser um trabalho entre o Governo Central e as autarquias. Este assunto tem que ser resolvido, ponto número um. Segundo, nós só vamos construir em quantidade e em rapidez, com qualidade, se tivermos, por exemplo, fábricas de construção modular em Portugal. Isso tem que ser um desígnio. Estamos a falar, às vezes, de tanta coisa e não falamos daquilo que é o mais importante.

Os nossos jovens precisam de casas. Claramente. Não é já  uma questão de se vêm estrangeiros ou não vêm estrangeiros. Há soluções, hoje em dia na Europa, de grande qualidade. Não estamos a falar de pré-fabricados, nós estamos a falar de a parte da construção principal está toda modular, o edifício sobe muito assim rapidamente com grande qualidade.

AC - A industrialização da construção.
JPOC -
Exato, esse é um ponto. Porque se eu tiver muitíssimo mais oferta, eu consigo conseguir responder.

Mas há um outro tema também que eu penso que é um problema que a nossa sociedade sofre: qualquer pessoa que tome uma decisão é atacada. Eu acho que aquilo que nós fomos criando nos últimos tempos, para os nossos populismos políticos, faz com que, pergunto, quem é que quer expor-se a tomar grandes decisões?

António Costa (AC) - O João Pedro estava disponível para ir para um governo?
JPOC -
Não!

AC - Com este contexto em que estava a falar?
JPOC -
Não. Não, Não. Mudassem as regras, sim.

PSG – Então?...
JPOC –
Porque não estou para fazer parte do circo. E eu acho que hoje em dia o grande problema é que nós temos um circo montado. Com uma data de comentadores que não estão sequer documentados para o serem; com informação, muita dela que não é informação, mas é a defesa de determinadas agendas; e depois a caça às bruxas para populismos que nós temos que combater.

A democracia está em questão! A verdadeira democracia, que é: eu posso ter uma ideia, que é contrária à sua, depois eu ganho as eleições, vou tomar as opções, mas ninguém está a querer defender o país, quer até defender o seu grupo, a sua ideologia ou a sua ideia. Só. Mas não está com vontade de contribuir para nada. No final do dia, estão portugueses, estão pessoas. Temos uma demografia muitíssimo complicada, onde dentro de uns anos nós vamos ter muito mais pessoas a depender dos outros do que aqueles que estão a trabalhar. Temos um problema de qualificação, temos um problema de competitividade das empresas e das pessoas, por falta de qualificação, com salários baixos. Nós temos que aumentar os salários! Temos todos que fazer este esforço. Nós temos vindo a fazer no banco, mas temos que continuar a fazer esse esforço.

Agora, o problema é: se eu falo isto e a seguir me mandam 50 pedras, a [resposta é] tenho mais que fazer. Tenho mais que fazer!

Outra coisa: se eu tiver alguma intervenção mais forte, como eu estou a ter aqui, eu estou para ver quem é que me vai apoiar. Publicamente. Quem é que vai dizer que estou de acordo? Os que estão de acordo, cheguem-se à frente!

AC - Não é por telefonemas privados, é publicamente.
JPOC -
Publicamente, cheguem-se à frente! Eu tenho dito isto também, não é para vos fazer um favor, mas eu acho que a informação de qualidade, informada, e com pessoas com provas dadas, tem que ser apoiada. Não posso viver na base das redes sociais e do tipo que apareceu ontem, a fazer comentários. Eu não posso. Numa organização bem montada, era o que mais faltava se eu fosse ouvir o último tipo que me chegou ao banco e começasse agora a mandar opiniões. Não pode ser.

PSG - O que está a dizer é que o próprio sistema político está capturado por essa vaga de desinformação e julgamento instantâneo.
JPOC –
Está capturado e deixa-se capturar. Porquê? Porque vai-se criando um contraponto a dizer que este sistema não funciona. Eu não sei qual é o outro, mas como dizia alguém, a democracia não é o mais perfeito, mas eu não conheço outro melhor. E o problema é que todas as tentativas que se vão criando são todas piores. Claro que há uns que dizem que gostam se estiverem do lado certo, porque se se estiver do lado errado da porta... é muito desagradável. Eu não gosto nada de que eu não possa falar, de que eu não possa ter uma ideia, de que eu não possa ir a concurso e trabalhar com as mesmas condições. Como eu também não gosto, por causa desta coisa dos centros de decisão, virem-me falar “os espanhóis e os portugueses”. Eu acho que essa conversa… Os do Norte têm uma boa frase que é: bacoca.

Enquanto a Europa, enquanto nós tivermos 27 exércitos, empresas, em tudo 27, nós não vamos conseguir unir-nos para combater aquilo que eu acho que é, neste momento, o que está em causa: os blocos. Os Estados Unidos, a única coisa que fez agora foi ser transparente.

AC - Disse em público o que já fazia.
JPOC -
O que já pensava. Acho que isto tem que ser um grande “wake-up cal” para nós. E Portugal, sendo pequeno, e nós podendo ter capacidade, e nos adaptarmos sempre na história, temos que nos unir mais. Isto não pode ser cada um por si. Por isso é que eu digo sempre: o anterior governo, eu disse várias vezes que estava de acordo, que ia para a frente e apoiei; agora é este, também estou; e se vier outro, também estarei. Depende de até onde é que vai a ideologia, mas eu acho que é importante este apoio.

PSG - Falou do tema dos salários, da necessidade de aumentar salários. Qual é o papel do BPI nisso? Nomeadamente nos mais jovens: o BPI tem um projeto chamado Academia BPI. Qual é a vossa experiência?
JPOC -
Fizemos várias coisas. Na banca existem vários níveis salariais, estão definidos com os sindicatos, e durante a minha vigência eu terminei com três, terminei o nível cinco, o seis e o sete. E por isso houve pessoas que estavam com salários muito baixos que rapidamente passaram para os de cima. E só há estes movimentos discricionários, porque as pessoas têm que comer todos os dias, não dá para dizer, olha, come agora e espera daqui a três meses para comer.

Ou seja, a inflação subiu muito depressa, as taxas de juros, houve aqui um garrote - não provocado por nós, mas provocado pelas circunstâncias. E as empresas têm que reagir. Eu não concebo viver numa organização ou estar numa sociedade em que haja um diferencial tão grande. E por isso nós fizemos esse trabalho.

Outra coisa foi, as academias. Nós não só damos formação, como eu quero, tenho que ter um desígnio de manter os melhores talentos em Portugal. Porquê? Porque eu vou precisar deles. Quem me vem combater a mim, a banca portuguesa, aqui em Portugal, são pessoas que têm esse talento e o que eu não posso ter é talento português a combater o meu talento aqui. Por isso eu tenho que o atrair, dar-lhe formação, mas também tenho que lhe pagar e tenho que lhe pagar acima daquilo que é a “entrada mínima”.

PSG - Quanto é que paga?
JPOC -
Enfim, não quero estar aqui a dar um valor, porque senão a certa altura depois vêm também outras forças fazer aqui quase que um exame sobre este assunto, mas diria que o nosso objetivo é estar muito rapidamente próximo de duas vezes o salário mínimo nacional.

AC - O dobro do salário mínimo.
JPOC-
Sim.

PSG – À entrada da carreira.
JPOC -
E isto tem dois movimentos que são dolorosos: o primeiro é que eu tenho que adquirir este talento porque senão eu não consigo evoluir; mas depois também há pessoas lá que estão no banco e que não evoluíram a esse nível e de repente aparecem uns novos que entram a ganhar este valor. O que é que nós temos que fazer? Os dois movimentos. E é o que estamos a fazer. Só que eles não são coincidentes, não são imediatos. Tem que ir caminhando.

O que vai acontecer é que as pessoas que estão nos níveis mais baixos vão conhecer crescimentos salariais significativos. Aí está a forma como aplicamos o tema dos lucros.

PSG – Mas há também o compromisso, não é? Lembro-me de ouvi-lo numa conferência dizer que teve que pagar mais à entrada aos jovens, porque senão eles não ficavam, e o BPI este ano já contratou…
JPOC -
… 225. Abaixo dos 30 anos.

PSG - … e lembro-me de contar que entrou numa sala onde estavam esses jovens, a começar a sua formação e a sua carreira, e lhes disse: se alguém não quer estar aqui daqui cinco anos, pode sair já.
JPOC -
Exatamente.

PSG- Porquê?
JPOC -
Porque eu acho que falta esse nível de compromisso nas pessoas. Eu vou fazer uma enorme aposta, porque vou-lhes dar muita formação. As pessoas pensam que quando saem da universidade sabem alguma coisa. Não sabem. E precisam de ter esse caminho, esse caminho é muito importante para eles. E por isso eu disse eu peço esse compromisso, tal como eu também me vou comprometer com eles. Eu vou-me comprometer em dar-lhes formação, vou comprometer-me a pagar acima do que se calhar eles estariam à espera ou do que é a média que se paga aos jovens e vou-lhes dar uma formação que vai ser um grande cartão de visita deles para o futuro. Que depois desses cinco anos eles possam ir à sua vida, eu até acho fantástico, não tenho nada contra. Eu estou há 34 anos no BPI, se calhar hoje em dia não faz sentido este tipo de estabilidade. Porque eu não vi outros mundos. Eu para ver outros mundos tive a sorte nos lugares onde eu estive, pude viajar, mas senão não consigo ver. Isto não é meter aqui duas bolas de chumbo nos pés dos nossos colaboradores novos, mas têm que ter algum compromisso.

A capacidade de sofrimento, vamos pôr assim, geral, para ultrapassar as adversidades da vida, foram dadas mais nas gerações… na minha, por exemplo. Nós somos habituados a não ter tudo. E isso é muito importante. Porquê? Porque a seguir, quando vêm as adversidades, temos o maior índice de ansiolíticos e de idas ao psiquiatra e ao psicólogo como nunca tivemos. Porquê? Porque não aguentam.

PSG - É preciso mais capacidade de sofrimento.
JPOC -
Tem que saber aguentar. Não é o sofrimento negativo. Há sofrimento positivo, que é a aprendizagem. Nós todos, quando passávamos pela escola, nós não gostávamos de lá ir. Vamos ser sinceros. Mas não foi maravilhoso olhando para trás? Foi fantástico. Foi um percurso que precisávamos passar. E eles também.

 

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