João Lourenço, o antifantoche "que desiludiu" e "que seria cilindrado" nos debates vs. Adalberto Costa Júnior, o líder com "a mente de um mecânico" que chegou demasiado tarde

24 ago 2022, 07:00
João Lourenço e Adalberto da Costa Júnior

Há eleições em Angola: um destes dois homens será presidente - eis quem são, que virtudes lhes apontam e que defeitos lhes veem. Começamos pelo perfil do incumbente e depois pelo que o desafia. Faltou vê-los debater: João Lourenço não quis, iria levar "uma tareia"

Jogador de xadrez nas horas vagas, João Lourenço esqueceu os ensinamentos do jogo e deixou que a ambição falasse mais alto - aconteceu em 2003: quando o então presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, deu a entender que “tencionava” deixar o poder, João Lourenço não hesitou em posicionar-se na corrida à sucessão, atitude que lhe valeu uma longa travessia no deserto e quase lhe arruinou a carreira. A presidência acabaria, porém, por ser sua … 15 anos depois.

João Manuel Gonçalves Lourenço, conhecido por JLo, é natural da cidade portuária do Lobito, na província de Benguela, onde nasceu a 5 de março de 1954. O pai, Sequeira João Lourenço, natural de Malange, era  enfermeiro e a mãe, Josefa Gonçalves Cipriano Lourenço, oriunda do Namibe, foi sempre costureira, Os dois já faleceram.  JLo não pegou em armas contra o colonialismo português mas sentiu na pele as consequências da oposição a tal regime quando, ainda criança, viu o seu pai ser detido e levado para a cadeia de São Paulo, em Luanda, onde permaneceu de 1958 a 1960 sob a acusação de atividade política clandestina enquanto enfermeiro no Lobito.

Terceiro presidente da República de Angola – eleito em 2017 com a promessa de ser o “homem do milagre económico” -, JLo inicia a sua carreira militar na República do Congo pouco antes da proclamação da independência do seu pais, a 11 de novembro de 1975, em Luanda pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Integrou o primeiro grupo de combatentes do MPLA que entraram no país em direção a Cabinda após a queda do regime colonial. Desde então, todo o seu percurso é feito nas fileiras militares do movimento independentista, depois partido no poder, onde exerce as funções de comissário político em vários escalões. É um homem do aparelho do MPLA e foi essa situação que levou o então presidente José Eduardo dos Santos a indicá-lo como seu sucessor.

Tal como muitos outros responsáveis angolanos, João Lourenço acaba por partir para a então União Soviética, onde, entre 1978 e 1982, reforça a sua formação militar e obtém o título de mestre em Ciências Históricas pela Academia Político-Militar Lenine. De regresso a Angola, exerce vários cargos militares e entre 1982 e 1990 envolve-se em combates contra as forças da UNITA até ascender a general das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA). A partir de então inicia um percurso político dentro do partido que o levará à presidência do país.

É também após o seu regresso da União Soviética que se casa com a economista Ana Dias Lourenço, com quem tem seis filhos, todos eles com ligações ao MPLA.

Em abril de 2015, José Eduardo dos Santos nomeia João Lourenço para ministro da Defesa, consciente do peso e influência que este general de três estrelas na reserva tem entre os militares. Dois anos depois, em agosto de 2016, é eleito no congresso do MPLA para vice-presidente do partido, indiciando assim a sua entrada na corrida eleitoral para a chefia do Estado.

"Somos a garantia do desenvolvimento e do progresso. Vamos criar novos empregos e melhorar o sistema de saúde e educação”, foram algumas das promessas que João Lourenço fez durante a campanha para as eleições de 23 de agosto de 2017 que lhe deram a vitória com 61% dos votos expressos. E no dia da tomada de posse afirmaria que gostaria de ficar na história como o político que conseguiu a recuperação económica do país - mas não a qualquer preço. “Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas certamente não Gorbachev; Deng Xiaoping, sim”, afirmou.

Nem todos acreditaram cegamente nestas promessas e a preferência de João Lourenço pelas políticas reformistas do líder chinês só reforçaram a ideia dos que duvidavam da exequibilidade das suas declarações. Para o sociólogo João Paulo Ganga, havia, segundo disse então, muitas razões “para se esperar mudanças e coisas boas de João Lourenço mas também" para se ter "reticências sobre João Lourenço”. Uma certeza tinha, na época, o sociólogo: “Pensar que João Lourenço será uma marioneta ou fantoche mandado por José Eduardo dos Santos é uma ilusão”. Uma certeza que a realidade corroborou.

João Lourenço, que não era neófito nos corredores do poder - foi governador em províncias do país, deputado e secretário-geral do MPLA -, fez da corrupção o alvo da sua presidência mas, como têm sublinhado muitos dos seus críticos, a sua luta contra a corrupção visou, de modo muito especial, a família de Eduardo dos Santos enquanto outras personalidades foram deixadas em liberdade. O ativista Rafael Marques foi um dos primeiros, se não o único, a duvidar da vontade de João Lourenço em combater de facto a corrupção - na sua opinião, JLo não o iria fazer. “O presidente cessante sempre escolheu os corruptos, sempre os protegeu”, por isso terá indicado João Lourenço como seu sucessor. Muitos dos seus críticos consideram que o presidente angolano visou a família Dos Santos como um “ajuste de contas”.

Para o investigador e docente angolano Jonuel Gonçalves, João Lourenço, que tem como passatempo, além do xadrez, a leitura e a equitação, “desiludiu” na sua luta contra a corrupção porque não conseguiu “gerar recursos”. Em vésperas de eleições, este académico considera que o presidente “conhece muito bem o país mas falta-lhe uma verdadeira equipa governativa” passível de fazer as reformas de que Angola precisa.

Paulo Inglês, politólogo angolano, é contundente quando se trata de definir João Lourenço, que esta quarta-feira, dia 24 de agosto, se submete a escrutínio. “É um burocrata e funcionário do sistema e, como militar, é menos um general do que um capitão, aquele que executa ordens. E é justamente aqui que está a sua debilidade: faz tudo a curto prazo num país com problemas complexos e com soluções de médio e a longo prazo.”

Praticante de futebol e karate, apaixonado pelas novas tecnologias e fluente em inglês, russo, espanhol e português, o presidente angolano não aceitou, porém, qualquer debate com os seus adversários durante a campanha eleitoral. Os jornalistas Graça Campos e José António Santos explicaram à CNN Portugal as razões dessa recusa. “João Lourenço, para além de não estar habituado a debater com os seus adversários, tem alguma dificuldade de discurso, de oralidade, seria cilindrado”, afirma José António Santos.

"Um debate significaria expor-se e à sua demagogia. O resultado seria uma tareia”, considera Graça Campos. "Tinha obrigação de conhecer o país real mas quando ouço o seu discurso tenho dificuldade em entender a que país se refere - é como se a presidência o tivesse modificado.” O jornalista angolano afirma-se ainda desiludido com as propostas eleitorais do presidente. “É uma aposta no betão, na construção de infraestruturas, estradas, escolas, hospitais. Tudo isso está certo, mas de nada vale se não houver um compromisso com o Estado de direito, com a liberdade, liberdade de pensamento, de expressão, com a democracia.”

E quando se fala em fraude eleitoral, Graça Campos reconhece o “mérito” do MPLA e do presidente na construção da fraude, que a comunidade internacional e a comunicação social internacional nem se atrevem a condenar e denunciar - ou fazem-no tibiamente. “Fazem-no às claras, com muita coragem e descaramento”, diz.

Adalberto Costa Júnior, o líder que chegou demasiado tarde

Adalberto Costa Júnior continua a ser, para a maior parte dos analistas, o homem que poderá fazer a diferença no país onde, afirmam, se tem registado um movimento crescente, principalmente de jovens, em redor da candidatura do líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).

“Adalberto Costa Júnior é pragmático no sentido de que junta teoria à prática. É ambiciosa [a sua proposta] e com soluções de longo prazo, faltam-lhe as soluções de curto prazo – de que fala João Lourenço –, que também são importantes. Tem a mente de um engenheiro, ou melhor, de um mecânico: procura concertar as coisas. Talvez devia ser mesmo engenheiro no sentido de pensar em criar novos artefactos, políticos sobretudo”, diz à CNN Portugal o politólogo angolano Paulo Inglês. Na sua opinião, o líder da UNITA está “mais bem preparado” para responder aos problemas que se colocam a Angola porque é o que “cria melhor consenso”.

Jonuel Gonçalves considera que a UNITA escolheu o seu líder “muito tarde”, dificultando a Adalberto Júnior a possibilidade de se tornar conhecido” em toda a sociedade angolana - e isso acaba sempre por ser prejudicial. Em declarações à CNN Portugal, Jonuel Gonçalves afirma que a UNITA devia ter feito essa escolha há mais tempo. Mais: Adalberto Júnior não tem “uma equipa governativa” capaz de fazer a diferença num país como Angola.

“Adalberto é um líder angolano de quem se vai ouvir falar”, afirma o jornalista José António Santos, que conheceu pessoalmente o líder da UNITA quando este viveu em Lisboa. “Está muito bem preparado, tem um discurso fluente, é um bom comunicador que conhece bem a realidade angolana. Foi a antena de Jonas Savimbi no exterior.”

Graça Campos, jornalista angolano, chama a atenção para o “compromisso” de Adalberto Júnior com o “estado de direito, com a liberdade de expressão e de pensamento”. As suas propostas não se consubstanciam no betão, “até porque este só serve as pessoas se elas tiverem a liberdade de escolha”. O jornalista sublinha ainda o “discurso articulado sobre o país real”, sobre uma Angola com problemas de desemprego e de fome.

Mas quem é este líder que está a agitar as águas em Angola, embora poucos acreditem na sua vitória? É o mais novo dos oito filhos de Adalberto Costa e Natália Fernandes Costa, católicos praticantes. Adalberto Costa Júnior nasceu a 8 de maio de 1962 na localidade de Quinjenje, então província de Benguela, hoje pertencente à província do Huambo.

Em declarações à "Deutsche Welle", recorda a sua “infância muito feliz”, com “muitas crianças, uma família grande”. De facto, a casa dos pais do atual e terceiro líder da UNITA serviu sempre de abrigo a familiares e amigos, onde ele era, confessa, “o menino do mimo”. Esse ambiente familiar provavelmente moldou-lhe a maneira de ser e a forma como encara a vida e terá enraizado no seu espirito a vontade de conseguir consensos, de ser inclusivo.

No final da escola primária, Adalberto Júnior trocou a casa dos pais pelo seminário católico de Quipeio, na Caála, Huambo. Foi aí, em 1975, que conheceu Jonas Savimbi, então líder da UNITA, quando este visitou o seminário à frente de uma delegação. O adolescente teve então como missão dar-lhes as boas-vindas em nome dos alunos. Savimbi terá causado uma forte impressão no jovem, que não hesitou em aderir ao movimento do Galo Negro. A essa adesão não foi de todo alheia a opção dos próprios pais, também eles militantes da UNITA, e do irmão mais velho, Francisco Costa, então comandante da polícia militar da UNITA.

 

 

A revolução portuguesa de abril de 1974 leva à proclamação da independência de Angola a 11 de novembro de 1975 e consequente guerra civil face ao desentendimento entre os três movimentos de libertação – MPLA, UNITA e Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Com o eclodir do conflito, o seminário é encerrado e os alunos são transferidos para Benguela, onde ficam até 1977 e Adalberto Júnior perde o contacto com toda a sua família.

Benguela foi uma das cidades mais atingidas pelo “fracionismo” (também conhecido pelo golpe de Nito Alves, dissidente do MPLA) e o adolescente recorda como foi levado, com outros alunos, para um campo no Lobito onde assistiu ao fuzilamento de centenas de pessoas – um episódio que nunca mais esqueceria e que ajudaria a reforçar as suas opções político-partidárias.

Portugal, e as cidades do Porto e de Lisboa, fazem parte da formação do atual líder da UNITA. Frequenta a Escola Comercial e Industrial Fontes Pereira de Melo no Porto e, mais tarde, é no Instituto Superior de Engenharia do Porto que tira o curso de Engenharia Eletrotécnica. Na década de 1980 é o responsável pelos comités da UNITA no Norte de Portugal e de 1991 a 1996 representa, em Lisboa, o maior partido de oposição de Angola. De 1996 a 2002, é o representante da UNITA em Roma e junto do Vaticano.

Com a paz definitiva, conseguida pela assinatura dos acordos de Luena, integrou o Mecanismo Bilateral entre o Governo de Luanda e a UNITA, de 2003 a 2008. Foi porta-voz e líder da bancada parlamentar da UNITA e, a 15 de novembro de 2019, foi eleito líder do partido do Galo Negro, sucedendo a Isaías Samakuva, responsável pela UNITA durante 16 anos.

Fluente em português, inglês, italiano e francês, Adalberto Costa Júnior, “Beto” para os mais íntimos, chegou a fazer teatro quando esteve em Lisboa - aliás, pisou mesmo o palco do Teatro São Luiz. Em declarações à "Deutsche Welle", confidenciou que o seu sonho de infância não passava pela política mas por ser “piloto de aviões”. A política chegou por influência do pai, que esteve detido na Cadeia Central do Cavaco, em Benguela, por ter sido apanhado com um cartão de militante da UNITA.

O facto de ter estudado e viajado pela Europa e de não ter integrado as forças armadas ajudaram-no a ter toda uma outra visão dos problemas e de como gerir as situações. Afirma-se pronto para governar com todos os angolanos, “todos os angolanos competentes - os angolanos competentes não têm partido político”.

A recusa do seu adversário político em realizar um debate televisivo não lhe facilitou a vida, mas o líder da UNITA – que conta com apoios de ex-militantes do MPLA (partido no poder), como é o caso de Marcelino Moco – não se deixou desmoralizar e prosseguiu a sua campanha por todo o país, não calando as denúncias do que considera serem fraudes eleitorais: a ausência de atualização dos cadernos eleitorais, onde constam mais de dois milhões de mortos; a ausência de atas nas assembleias de voto; o facto de as urnas irem ser transportadas para cidades centrais e ser aí feito o escrutínio em detrimento das assembleias de voto.

O líder da UNITA alertou ainda para a excessiva presença de militares e polícias nas ruas, com o objetivo óbvio de condicionar os eleitores.

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