É uma prática milenar e os seus defensores agarram-se a isso com unhas e dentes, qual melhor argumento para convencer os céticos. Mas é certo e sabido que não é por algo ser feito há muito tempo que faz sentido continuar a fazê-lo. E não é por ser feito há muito tempo que dá para todos. E isso aplica-se ao jejum intermitente, a dieta que mais resiste no tempo, que (à partida) mal não faz, mas requer mais do que olhar para o relógio antes de comer
Quer perder peso? Faça jejum intermitente. Quer tratar a diabetes? Faça jejum intermitente. Quer reduzir a inflamação? Faça jejum intermitente. Quer reduzir o stress? Faça jejum intermitente. Quer prevenir doenças? Faça jejum intermitente. Quer viver mais anos? Faça jejum intermitente.
Estas são as promessas feitas nos vários livros sobre jejum intermitente publicados em Portugal, defendendo que seguir um regime alimentar baseado numa restrição horária é a solução para grande parte dos males. Mas não é bem assim: este regime alimentar é, em alguns casos, uma boa aposta, mas pode, na verdade, não ser para todos, e é preciso mais do que olhar para o relógio antes de comer.
“Temos um relógio biológico que obedece a um certo ritmo, o ritmo circadiano, e que quanto mais consistentes formos, até com os horários das refeições, maiores os benefícios que tiramos. Mas é preciso ter em atenção uma questão. À parte da longevidade, nós sabemos que a evidência que temos é maioritariamente de estudos em modelos animais”, começa por dizer Ana Margarida Pinto, professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e doutorada em Ciências da Nutrição pela King’s College London, na área dos determinantes alimentares (ácidos gordos n-3 e jejum intermitente).
Mas se “a evidência relativamente à longevidade é proveniente de estudos animais, temos alguma evidência relativamente a efeitos benéficos a nível metabólico em estudos humanos, se bem que na maioria estes efeitos não se mostram superiores a uma restrição calórica contínua com igual nível de restrição energética”, adianta Ana Margarida Pinto. No entanto, mesmo não sendo a solução mágica que muitos acreditam e defendem, o jejum intermitente é uma estratégia que se mostra muitas vezes eficaz e, possivelmente, a dieta que mais resiste no tempo, conseguindo manter-se em voga ano após ano. Trata-se de uma prática milenar e os seus defensores agarram-se a isso com unhas e dentes, qual melhor argumento para convencer os céticos. Mas ainda os há e muitos estão a estudá-la há décadas.
Cientificamente falando, o que é que o jejum tem?
O jejum, por si só, tem interesse para a comunidade médica e científica pela forma como atua no organismo. Após cada refeição, as células utilizam a glicose (hidrato de carbono) dos alimentos como combustível e uma vez esgotadas essas fontes o corpo entra num estado de jejum, em que a gordura presente no tecido adiposo é convertida em corpos cetónicos, que passam a ser usados como fonte de energia. Por norma, esta mudança de ‘combustível’ acontece quando se está 12 horas sem comer, o que é o mesmo que jantar às 20:00 e tomar o pequeno-almoço às 8:00, como muitas pessoas fazem diariamente. E este jejum ‘habitual’ - como o que se faz antes de colheitas de sangue, por exemplo - pode ser suficiente para “reduzir as concentrações basais de muitos biomarcadores metabólicos associados a doenças crónicas, como insulina e glicose”, lê-se nesta revisão de estudos realizados em humanos, indicando que o tempo de jejum ‘ideal’ não existe e varia de pessoa para pessoa, da capacidade de cada um tolerar a não ingestão de alimentos.
O estado de cetose - o tal uso de gordura em vez de glicose como fonte de energia quando se jejua - é apontado como um aliado da perda de peso, daí o jejum intermitente ser uma das dietas mais aclamadas para perder alguns quilos extra. Segundo a Nature, mais de 100 ensaios clínicos realizados na última década sugerem que o jejum intermitente é uma estratégia eficaz para perda de peso, uma ideia igualmente defendida por esta compilação de estudos, citada pela Universidade de Harvard, que também sugere que limitar a janela de alimentação pode realmente ajudar a dizer adeus a alguns quilos.
E há quem aponte que quantas mais horas de jejum, melhor, como indica Sarah Berry, da Escola de Ciências da Vida e População do King's College e cientista-chefe da ZOE, classificado como o maior estudo nutricional aprofundado do mundo. Numa das suas mais recentes investigações, citada por Ana Margarida Pinto, “houve uma grande melhoria, já em termos de marcadores de saúde cardiometabólica” de um jejum de 14 horas, ou seja, com uma janela temporal de 10 horas para a pessoa se alimentar. E estas melhorias aconteceram sem que houvesse mudanças na dieta, o que mudou apenas foi a janela de horário em que as pessoas comeram.
“É importante para o nosso metabolismo sermos consistentes. E há já alguma evidência de que ter uma janela em que se come só durante dez horas no dia pode ser benéfico para a nossa saúde metabólica. Ou seja, se nós fizermos a primeira refeição, por exemplo, às 10:00, estamos a fazer a nossa última refeição às 20:00. Já há alguma evidência de que este jejum mais prolongado possa ser mais benéfico do que fazer dois dias de jejum e depois cinco dias normais”, explica a nutricionista e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, referindo-se a um método também comum na prática de jejum intermitente, que consiste em fazer uma “restrição calórica severa por semana” em dois dias da semana, seguidos ou não, e seguir a alimentação habitual nos restantes cinco.
Foi este método 5:2 que Ana Margarida Pinto estudou no seu doutoramento, “na altura era muito popular”. “No estudo que eu conduzi, comparei este método a uma restrição calórica contínua em que o objetivo era ter o mesmo déficit calórico, ou seja, só variava o método do déficit. E constatamos que não era o método em si, mas era quanto peso é que as pessoas perdiam que estava associada aos benefícios para a saúde. Mas, a curto prazo, desde que não haja nenhuma contraindicação, [o método 5:2] pode ser mais uma opção para o perfil de certas pessoas”, diz, adiantando que, porém, este estudo foi “curto”, apenas de quatro semanas, mas, mesmo assim, “um bom ponto de partida” para entender o impacto que o regime alimentar pode ter.
Tal como o estudo conduzido por esta investigadora portuguesa, outros também apontam o jejum intermitente como uma alternativa para a perda de peso, mesmo quando os resultados se mostram “modestos”, como aconteceu aqui, este regime alimentar acaba por ser uma opção tão válida como a restrição calórica.
Porém, se há coisa que o jejum intermitente também tem é falta de consenso científico ao longo dos anos - e em 1914 já se realizavam estudos sobre o efeito do jejum para o tratamento da diabetes tipo 1 e tipo 2, por exemplo. A cada estudo, o seu resultado. Sabe-se que, à partida, mal não faz, mas levantam-se dúvidas quanto ao poder quase milagroso que muitos advogam, seja na perda de peso ou nos ganhos para a saúde. Podem haver benefícios, mas não são garantidos ou lineares para todas as pessoas, como acontece com qualquer outra dieta, sempre à mercê de um sem-fim de fatores, como genética, história clínica, vida social, gostos pessoais, sentido de compromisso.
Maria Belém Sampaio, doutorada em Ciências da Saúde e investigadora no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde (ICVS) da Universidade do Minho, coordenou um estudo que analisou tudo o que a ciência já tinha estudado sobre o jejum intermitente e a diabetes e hipertensão. E há, de facto, benefícios, diz-nos, indicado o estudo que com a sua equipa publicou na revista Journal of Clinical Medicine. No entanto, é preciso saber jejuar, apressa-se a dizer.
“Há muitas pessoas a fazer jejum, mas fazem jejum durante um período de tempo e depois vão comer indiscriminadamente tudo. É preciso fazer um jejum e seguir uma dieta correta, é por isso que os obesos beneficiam [do jejum intermitente], qualquer alteração em termos de calorias acaba por reduzir o peso”, diz-nos a investigadora, apontando este regime como benéfico quando feito adequadamente e com o devido acompanhamento.
Uma das dificuldades em perceber os reais efeitos do jejum intermitente prende-se com o facto da dificuldade que há, de um modo geral, em analisar dietas: uma boa parte dos estudos é feita em ratos de laboratório e quando se faz uma análise em humanos há fatores externos que podem comprometer os resultados. E prova disso são as contradições que existem sobre este regime alimentar: há estudos, como esta revisão feita em 2024, que diz que nos adultos com sobrepeso ou obesidade o jejum intermitente pode efetivamente ajudar a travar um risco cardiovascular por ter efeitos na redução do perímetro abdominal, da massa gorda, do colesterol 'mau' (LDL) e dos triglicerídeos. Mas, por outro lado, este estudo, que passou a pente fino 11 outros sobre o tema, levanta algumas dúvidas quanto ao ‘poder’ do jejum intermitente nos níveis de glicémia: na prática, o jejum intermitente pode resultar na redução do ‘açúcar’ no sangue, mas não o faz de forma mais eficaz do que uma alimentação contínua ao longo do dia, com refeições de três em três horas, ainda hoje amplamente recomendada. Dizem os investigadores que o conta, afinal, é a qualidade dos alimentos e as calorias ingeridas (e quantas menos, melhor) e não tanto o período de tempo em que se alimenta o corpo. Esta ideia de que o ‘segredo’ está mais na restrição calórica do que na restrição de tempo foi também defendida num outro estudo publicado em 2022, que revela que a perda de peso em pessoas com obesidade pode acontecer tanto em dietas de restrição calórica como de restrição temporal, e que em ambas não há grandes diferenças em fatores de risco como níveis de glicose no sangue, sensibilidade à insulina ou tensão arterial. “Entre pacientes com obesidade, um regime de restrição alimentar no tempo não foi mais benéfico em relação à redução de peso corporal, gordura corporal ou fatores de risco metabólicos do que a restrição calórica diária”, escrevem os investigadores no estudo.
Mas como há sempre dois lados na mesma moeda, há também casos em que jejuar pode ser mais eficaz do que comer menos calorias, como mostra este estudo publicado na Nature Communications, que diz que o jejum intermitente é mais eficaz a melhorar a saúde intestinal e o controlo do peso do que a simples restrição calórica. Nestes casos concretos, o protocolo de jejum intermitente aumentou os micróbios benéficos no intestino e também os níveis de certas proteínas (citocinas) no sangue, associadas à perda de peso.
Como em qualquer outra dieta, dificilmente haverá um consenso total, mas Ana Margarida Pinto destaca “já vai havendo um bocadinho mais de evidência” sobre o jejum intermitente, mas, tal como acontece com outros regimes alimentares, é sempre preciso ter “vários pontos em consideração” e um deles é que não há “comprimidos mágicos”, leia-se, dietas milagrosas, e que cada pessoa reage de forma diferente a regimes alimentares diferentes, devendo procurar ajuda para encontrar o que melhor se adapta a si e à sua condição de saúde. Ainda assim, atira: “Nós sabemos que, cada vez mais, o impacto da alimentação na saúde não se limita só ao que está no prato, ou seja, o horário das refeições também acaba por ter aqui uma influência”.
Ainda assim, o jejum intermitente não é para todos. É preciso ter peso e medida e, sobretudo, procurar aconselhamento médico, podendo até estar contraindicado em alguns casos. “Se a pessoa tiver algum tipo de patologia de base, tem que obrigatoriamente de verificar primeiro com um profissional de saúde para ter a certeza que uma janela de jejum mais alargada se pode ou não adequar à sua situação”, aconselha a nutricionista Ana Margarida Pinto.
Insiste, persiste e resiste
Várias dietas estiveram na moda em momentos diferentes, umas impulsionadas por blogues, outras pelas redes sociais. A dieta paleolítica, por exemplo, teve os seus momentos áureos entre 2015 e 2017, seguindo-se a dieta cetogénica, para muitos Keto, que atingiu o pico de popularidade entre 2017 e 2020, resistindo nas tendências pouco tempo, tal como a dieta Whole30, que implica a eliminação total, durante 30 dias, de açúcares, álcool, cereais e laticínios, por exemplo.
São poucas as dietas que resistem com o ainda eficaz marketing do ‘boca a boca’, da recomendação. O jejum intermitente é, porém, um exemplo disso mesmo. A resistência deste regime alimentar face a outras dietas prende-se com o facto de para algumas pessoas ser mais fácil seguir uma regra sobre quando comer e quando não comer do que regras sobre o que comer, que muitas vezes implica ora contar calorias (ou restringi-las) ora seguir uma alimentação saudável. E é por isso que o ato de jejuar de forma alternada, em horas ou dias, é mais facilmente adotado e permaneça como estratégia alimentar durante mais tempo do que qualquer outra dieta, o que por si só faz com que os resultados, sobretudo de perda de peso, sejam mais notórios no tempo.
Para Maria Belém Sampaio praticar o jejum intermitente “cansa e requer algum trabalho”, mas ainda assim acaba por ser um esforço menor numa boa parte dos casos, pois “acabamos por fazer a dieta na parte em que dormimos”, o que, no seu entender, “ajuda” a que haja menos propensão a desistir. “O cansaço acaba por ser ultrapassado, [porque] vamos vendo os resultados”, continua. E há mais, diz: em alguns casos, a ingestão de alimentos acaba por ser menor quando se come apenas num determinado período de tempo. “Acabamos sempre por ingerir menos calorias, lipídios e gordura, o que faz com que [o resultado] se reflita no dia-a-dia”, diz, apontando ainda uma outra vantagem para este regime alimentar: “Nas outras dietas cansamo-nos de comer o mesmo, são muito restritas na alimentação”.
Sobre o esforço que esta e outras dietas podem exigir, Ana Margarida Pinto é taxativa a dizer que “não é suposto, quando estamos a alimentar-nos, que não tenhamos prazer”, que a alimentação, esse tão inato hábito, que jamais deve ser um “sacrifício”. “E comer deve ser uma experiência agradável, faz parte da nossa cultura, das nossas interações sociais, da forma como nos sentimos”, vinca, dizendo que “é importante que não haja sofrimento” e que o jejum intermitente, ao contrário das dietas restritivas ou monótonas, pode, por isso, ser uma opção, uma vez que “não está associado àquela contagem de calorias ou a seguir um plano muito rígido, acho que isso liberta um bocadinho as pessoas desse sentido de ter que estar em constante controlo da sua alimentação”. Mas deixa o aviso: é preciso saber onde se vai buscar a informação sobre esta e outras dietas, preferencialmente junto de profissionais certificados.
Além disso, a investigadora Maria Belém Sampaio acredita que o facto de ser um regime alimentar que implica uma rotina, a adoção de novos hábitos, sobretudo saudáveis, fica facilitada, sendo por isso que muitos defensores do jejum intermitente dizem que se trata de um estilo de vida, mais do que de uma dieta.
“Ao fazer um jejum intermitente, se se acompanhar uma dieta correta, acabamos por aprender a alimentar-nos, a comer corretamente. E isso acaba por se refletir na maior perda [de peso] e na manutenção desse peso”, diz a investigadora da Universidade Minho, vincando que, no entanto, é um regime alimentar que “tem de ser sempre acompanhado em termos médicos”, de modo a que não haja desequilíbrios nutricionais ou até o desenvolvimento de distúrbios alimentares, como alertam estes três investigadores norte-americanos.