Jornal Libération avança que o realizador franco-suíço morreu esta terça-feira
O cineasta Jean-Luc Godard, figura maior da Nova Vaga do cinema francês, morreu esta terça-feira aos 91 anos, avança o jornal francês Libération, citando fontes próximas do realizador. A família confirmou entretanto o óbito à AFP.
Conhecido pelo seu estilo iconoclasta de filmar, que parecia quase improvisado, Godard deixou a sua marca na história do cinema numa série de filmes politizados na década de 1960, aclamado por "O Acossado" ou "Alphaville".
Ce fut comme une apparition dans le cinéma français. Puis il en devint un maître. Jean-Luc Godard, le plus iconoclaste des cinéastes de la Nouvelle Vague, avait inventé un art résolument moderne, intensément libre. Nous perdons un trésor national, un regard de génie. pic.twitter.com/bQneeqp8on
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) September 13, 2022
Emmanuel Macron confirmou a morte de Godard, partilhando uma breve declaração nas redes sociais: "Perdemos um tesouro nacional, um olhar de génio", escreveu o presidente francês.
Nascido em Paris, em 1930, Godard passou os primeiros anos da sua formação na Suíça, tendo estudado Etnologia na Sorbonne, em Paris, onde “conversas de café com estudantes e um trabalho manual numa barragem” constituíram grande parte da sua aprendizagem, que inspirou a primeira curta-metragem, “Opération Béton”, de 1954, lembra a biografia disponível na Enciclopédia Britânica.
Os estudos em Etnologia vieram a entroncar no trabalho de Jean Rouch, que estava precisamente a misturar a área da antropologia com o cinema num estilo designado ‘cinema vérite’.
“Ele começou a escrever sobre os filmes que via na [revista] 'Cahiers du Cinema' e formou alianças com artistas que se tornariam no núcleo da Nova Vaga francesa. Embora moldada a partir dos filmes de ‘gangsters’ de Hollywood, a estreia de Godard, ‘O Acossado’, desafiou as convenções do cinema e espantou críticos, cineastas e públicos com o seu estilo de improviso, trabalho de câmara ‘handheld’ impulsivo e saltos intencionais”, pode ler-se na biografia disponível na página da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Godard esteve na criação de um coletivo intitulado Dziga Vertov, que, mais do que produzir “filmes políticos”, radicais em termos estéticos, tinha o propósito de “fazer filmes politicamente”, o que impunha a perspetiva em “todo o processo", da produção à rodagem, citava a Cinemateca Portuguesa, na apresentação de um ciclo sobre o grupo, em 2018.
Escreveu para a influente revista de crítica de cinema Cahiers du Cinema e defendeu desde sempre o estilo tradicional de Hollywood de fazer cinema. A sua primeira longa-metragem, em 1960, foi "O Acossado" (À bout de souffle, no original em francês), um dos filmes mais marcantes da chamada "nouvelle vague" francesa, com Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg nos papéis principais.
Godard tem uma longa carreira premiada, que vai desde o galardão de melhor realizador, em Berlim, logo por “O Acossado”, até um Óscar honorário, entregue em 2010 numa cerimónia à qual não compareceu.
O realizador franco-suíço foi autor de obras influentes para várias gerações de realizadores, como “O Desprezo” (1963), com Brigitte Bardot, “Bando à Parte” (1964), “Pedro, o Louco” (1965) ou os mais recentes “Filme Socialismo” (2010) e “Adeus à Linguagem” (2014).
Realizadores como o norte-americano Quentin Tarantino, que chegou a ser cofundador de uma produtora intitulada “Bando à Parte”, referiram-se a Godard como um “libertador”: “Para mim, Godard fez aos filmes aquilo que Bob Dylan fez à música. Ambos revolucionaram as suas formas”, disse Tarantino, numa entrevista de 1994 com a Film Comment.
Controverso em termos políticos e artísticos, a sua obra estava longe de consensual no meio: por exemplo, Paula Rego detestava o seu trabalho e Ingmar Bergman dizia-se incapaz de compreender os seus filmes, uma vez que os considerava “feitos para críticos”.
O texto do Libération sobre Godard abre com uma citação do português Manoel de Oliveira (1908-2015), com quem Godard dialogava em abundância, que dizia que o cinema do autor de “O Maoista” “é a saturação de signos magníficos que se banham à luz da sua falta de explicação”.
A Cinemateca Francesa lembrou Godard através de uma frase: “O cinema não está ao abrigo do tempo. Ele é o abrigo do tempo”.