Sim, tem de ficar completamente nu. Como é realmente visitar uma fonte termal japonesa

CNN , Rebecca Saunders
25 out, 15:00
Onsen e sentō, as águas termais japonesas (CNN)

Os onsen fazem parte da cultura japonesa há muito tempo, mas os turistas muitas vezes têm dificuldade com a nudez

Sim, temos de ficar completamente nus: como é realmente visitar uma fonte termal japonesa

Era um dia frio de fevereiro no norte do Japão, a neve acumulava-se do lado de fora das janelas do vestiário do onsen (termo japonês para fonte termal) enquanto eu tirava a roupa.

Nervosa, entrei nas nuvens de vapor que saíam da sala ao lado e segui em direção aos balneários. Não era um banho privado: eu estava rodeada por outras pessoas nuas — nenhuma delas parecia importar-se.

Tendo crescido no Reino Unido, tomar banho nua com estranhos não é algo que eu alguma vez tenha experienciado — ou sequer imaginado experimentar. Mas no Japão, isso faz parte da vida quotidiana.

Habituarmo-nos a ficar nus

Viajei de comboio-bala de Tóquio para Hokkaido, a ilha mais setentrional do Japão, com montanhas nevadas e pequenas cidades agrícolas a passar rapidamente pela janela.

Como viajante solitária com um orçamento limitado, reservei um quarto acima de um café gerido por uma simpática senhora de 60 anos chamada Michiko. Certa noite, enquanto conversávamos durante uma das suas refeições caseiras, ela fez uma pergunta: “Vamos ao onsen?”.

Fui tomado por uma onda de medo e excitação. Já tinha ouvido falar sobre os onsen, vi-os em animes, li sobre eles em guias de viagem — mas enfrentar a minha primeira visita era angustiante por um motivo: a nudez.

Com origens enraizadas no mito, os onsen são banhos cheios de água rica em minerais e aquecida geotermicamente. Fazem parte da cultura japonesa há muito tempo, sendo mencionados já no século VIII no Kojiki, um dos textos mais antigos do país.

Outrora locais sagrados para rituais de purificação e para as classes mais altas da sociedade, no período Edo (1603-1868), os onsen passaram de destinos medicinais semirreligiosos a centros sociais, não muito diferentes dos banhos romanos.

Hoje, inúmeros onsen estão espalhados por todo o Japão, desde cidades locais a grandes resorts construídos para esse fim — mais de três mil, de acordo com o Ministério do Ambiente —, todos abastecidos com água termal. Os operadores devem seguir leis rigorosas: a temperatura da água deve estar entre 34 e 42 graus Celsius, e não pode ficar abaixo de 25 graus Celsius.

A maioria dos locais de águas termais, frequentemente marcados com o símbolo ♨, oferece banhos uchiyu (interiores) e roten-buro (exteriores). Estão divididos em dois lados, para homens e mulheres. Os banhistas mergulham sozinhos ou reúnem-se com amigos e familiares para relaxar na água rica em minerais, conhecida por aliviar a tensão muscular, melhorar a circulação e promover a saúde da pele.

Mas não saber como dar o primeiro passo pode deixar os visitantes estrangeiros um pouco expostos, como aconteceu comigo.

Dar o salto

“No início, eu estava um pouco tímida, não só por estar a despir-me em frente a uma amiga, mas também diante de completos estranhos”, diz Stephanie Crohin, autora especialista em banhos japoneses. Natural de França, Stephanie rapidamente percebeu que era a única a pensar na nudez.

“Todos os outros estavam apenas a relaxar, a conversar ou a mergulhar — então relaxei”, conta.

Anos mais tarde, quando visitava um tipo de banho público chamado sentō, acompanhada por uma amiga da universidade, Stephanie apaixonou-se pelo conceito.

Um homem prepara-se para entrar num sentō, ou banho público, na área de Takinogawa, em Tóquio. Philip Fong/AFP/Getty Images

“Descobri um mundo inteiro sobre o qual não sabia nada. O sentō é provavelmente o único lugar onde nos esquecemos verdadeiramente das inseguranças com o corpo.”

Os turistas muitas vezes confundem onsen com sentō, e por um bom motivo. Ambos envolvem ficar nu e mergulhar em águas quentes. Ao contrário do onsen, o sentō não é aquecido naturalmente. Pode ser encontrado principalmente em áreas urbanas, tendo servido outrora como banhos públicos.

Quando Stephanie visitou um sentō pela primeira vez, praticamente não havia informações disponíveis em línguas estrangeiras sobre o que se tratava. Mas, através do seu trabalho com a Associação Sentō, a autora francesa ajudou a abrir as casas de banho japonesas aos turistas e residentes estrangeiros.

Stephanie tem um conselho para quem visita uma casa de banho pela primeira vez, seja um onsen ou um sentō: aproveitar a experiência.

“É completamente normal sentires-te hesitante no início — eu também me senti”, admite. “Ninguém está a observar ou a julgar-te. Todos estão concentrados no seu próprio momento.”

Quem visita estas fontes termais pela primeira vez, pode pensar que vai sobressair-se ou chamar a atenção dos demais, mas Stephanie garante que vai acontecer precisamente o oposto.

“Todos os corpos têm as suas imperfeições, e este é o único lugar que conheço onde ninguém se importa com isso.”

A autora aconselha aqueles que estão nervosos por serem a primeira vez a encararem isto como uma experiência cultural, não apenas um banho. Após alguns minutos, o desconforto de estar nu em público desaparece.

“Podes até sair com uma sensação de liberdade e aceitação que é rara no nosso mundo obcecado pela aparência”, observa.

O mesmo sentimento é partilhado pela Hoshino Resorts. Inaugurada em 1914 como Hoshino Onsen Ryokan, uma pequena pousada familiar, como são chamadas as tradicionais pousadas japonesas, em Karuizawa, província de Nagano, a empresa cresceu e agora oferece opções de alojamento em todo o Japão e no resto da Ásia.

“Para os visitantes ocidentais no Japão que se sentem nervosos com a sua primeira visita a um banho público ou inseguros sobre a etiqueta, o nosso principal conselho é: não se preocupem”, afirma Chanel Cai, representante do resort.

“Na verdade, os japoneses não olham nem se importam com o corpo das outras pessoas nos banhos públicos, faz simplesmente parte da vida quotidiana aqui.” Assim que mergulham nas águas termais, os banhistas entram num mundo à parte, descreve a representante. 

“Não há necessidade de te sentires constrangido.”

Etiqueta na casa de banho

Sentirmo-nos constrangidos com a nudez é uma coisa, mas as regras dos onsen e sentō também podem deixar os turistas nervosos.

Na minha primeira viagem a um onsen com a senhora Michiko, preparei-me com uma toalha e um saco com produtos de higiene pessoal antes de atravessarmos ruas cobertas de neve até um onsen local nos arredores de Hakodate, brilhando no escuro, com vapor a sair do telhado.

A entrada estava cheia de famílias locais, alguns homens estavam deitados no tatami (tapete de espuma) a ver uma comédia na televisão, outros bebericavam sumos comprados na máquina automática e esperavam pelos seus amigos. Tudo era em japonês. Felizmente, tive um anfitrião prestável, mas pesquisar um pouco antes da primeira viagem pode aliviar alguma ansiedade.

Uma regra muito conhecida para aceder a estes espaços é simples: nada de tatuagens.

“Isto está historicamente ligado às associações [das tatuagens] com o crime organizado”, explica Chanel Cai. Os visitantes com tatuagens muitas vezes não têm outra escolha a não ser cobri-las com mangas compridas ou ligaduras.

Os estrangeiros que se sentem nervosos com a nudez devem encarar uma visita a um onsen ou sentō como uma experiência cultural, diz a especialista Stephanie Crohin. Noriko Hayashi/Bloomberg/Getty Images

Embora a regra de não permitir tatuagens seja comum nos onsen, o futuro dos banhistas tatuados está a mudar. Em junho, a Hoshino Resorts, declarando-se “comprometida em respeitar as diversas culturas”, fez uma mudança significativa na sua política, passando a permitir tatuagens. Outros onsen fizeram o mesmo.

Entretanto, Stephanie revela que muitos sentō permitem que banhistas com tatuagens desfrutem de um banho sem problemas.

Além da tinta, a etiqueta geral para usar sentō e onsen é uma questão de boas maneiras.

“É importante ser atencioso com os outros quando usufruímos das áreas comuns”, explica Cai. “Isso inclui manter limpar os objetos que usamos, limpar cabelos que caem, manter um ambiente tranquilo e evitar nadar nas banheiras.”

É importante compreender as regras gerais, como ter consideração pelos outros banhistas, não salpicar água nem falar alto. Mas há todo um processo envolvido antes mesmo de mergulhar os pés na água.

Um guia rápido sobre a cultura das casas de banho públicas

Os visitantes dos onsen e sentō devem lavar o corpo na estação de chuveiros antes de entrar nas banhos. Richard A. Brooks/AFP/Getty Images

Caso não exista sinalização em inglês, basta observar e seguir os outros banhistas. “É muito intuitivo”, explica Stephanie, que partilha o seu guia passo a passo:

  1. Tira os sapatos na entrada e coloca-os num cacifo;
  2. Paga a taxa no balcão (A sauna é extra);
  3. Entra nos balneários, despe toda a roupa e guarda-a;
  4. Leva uma toalha pequena para a área do banho;
  5. Lava bem o corpo enquanto estiveres sentado numa estação de duche;
  6. Enxagua todo o sabão antes de entrares nos banhos;
  7. Nunca coloques a toalha no banho;
  8. Cabelos longos devem ser presos com um elástico.
  9. Se usares a sauna, enxagua-te novamente antes de voltares para a água.
  10. Seca-te antes de voltar para o balneário. E, se fores de mãos vazias, não te preocupes, pois a maioria das casas de banho fornece itens como champô e sabonete, além de alugar toalhas.

“O mais importante”, recomenda Stephanie, “é não hesitar em conversar”. “Mesmo com japonês básico ou gestos, as pessoas são gentis”.

Mergulhar à noite

Foi exatamente isso que descobri.

A senhora Michiko ajudou-me a pagar à entrada pelo meu banho, cerca de 500 ienes, ou 2,85€. Colocámos os nossos sapatos num cacifo e trocámo-los por chinelos. Depois, passámos por uma cortina vermelha noren, assinalada como “mulheres”, para o balneário.

Tirei a roupa e segurei nervosamente uma pequena toalha contra o corpo. Ao passar para a área de banho, reparei nas mulheres que estavam sentadas em bancos baixos de plástico em frente aos espelhos, a tomar banho, a lavar o cabelo, a limpar as orelhas. Fiz o mesmo, lavei o cabelo e o corpo, olhando para as minhas vizinhas para ver se estava a fazer tudo corretamente — e, claro, imaginando se as pessoas estavam a olhar para mim.

Então, fui até as piscinas termais. Sob o céu gelado da noite, com flocos de neve a cair, sentámo-nos e mergulhámos entre grupos de mulheres e crianças pequenas, enquanto conversámos sobre a vida, os problemas e as esperanças.

Aquela atmosfera calma ficou comigo. Sempre que viajo pelo Japão, as visitas às fontes termais são obrigatórias.

Não havia realmente nada com que me preocupar.

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