Japão afasta-se da tradição pacifista e aprova política de defesa mais musculada

16 dez 2022, 10:51
Fumio Kishida (Associated Press)

Nova estratégia de defesa nacional prevê aquisição de armamento com capacidade de contra-atacar bases inimigas

O governo do Japão aprovou esta sexta-feira três novos documentos estruturantes sobre segurança e defesa nacional que representam uma alteração de fundo em relação às políticas que têm sido seguidas desde a derrota do país na II Guerra Mundial. A principal novidade, incluída na nova Estratégia de Segurança Nacional, é a aquisição de armamento para ações de contra-ataque com capacidade de destruir locais de lançamento de mísseis inimigos e outros alvos militares. 

Esta possibilidade marca uma importante mudança na política de segurança do Japão. A Constituição aprovada no pós-guerra, ditada pela administração norte-americana, que então controlava de facto o país, tem no seu artigo 9° uma norma pacifista que impõe a renúncia à guerra como forma de resolução de conflitos. Esta norma sempre foi um travão à aquisição de capacidades militares que fossem além da mera autodefesa. As próprias forças armadas japonesas chamam-se Forças de Autodefesa. Mas, na última década (a partir da chegada de Shinzo Abe ao poder), essa interpretação foi sendo cada vez mais distendida, com Tóquio a adquirir capacidades militares cada vez mais vastas, longe de um conceito restrito de autodefesa.

O governo japonês já se referia às capacidades de contra-ataque como estando no âmbito da autodefesa, mas até hoje nunca deu o passo de prever a posse dessas capacidades como parte da sua política. O passo - que pode ter consequências históricas, pondo fim a quase oito décadas de pacifismo - foi dado esta sexta-feira.

A tendência, que já vinha de trás, foi acelerada pelos desenvolvimentos da geopolítica em torno do Japão. O país tem como vizinhos a Rússia, a China e a Coreia do Norte. Com uma China cada vez mais afirmativa na frente militar, uma Coreia do Norte apostada em desenvolver mísseis de nova geração e capacidades nucleares e uma Rússia imprevisível e agressiva, o primeiro-ministro, Fumio Kishida, considerou que este é o momento de rever a postura de segurança do país. 

A China, a Rússia e a Coreia do Norte alegam ter desenvolvido armas hipersónicas e outros mísseis difíceis de intercetar, pelo que o governo japonês decidiu permitir a aquisição de capacidades de contra-ataque numa perspetiva de reforçar a dissuasão.

China: “o maior desafio estratégico"

"Olhando à volta do Japão, este país enfrenta o ambiente de segurança mais severo e complexo desde o fim da Segunda Guerra Mundial", lê-se na nova Estratégia de Segurança Nacional (ESN), que regista também a pressão crescente "por parte daqueles que procuram alterar unilateralmente o status quo pela força".

Nos documentos aprovados esta sexta-feira, o governo japonês considera a China "o maior desafio estratégico" que o Japão alguma vez enfrentou. Outra das novidades destes documentos é a introdução da "defesa cibernética ativa" para evitar grandes ciberataques - que podem ser perpetrados tanto pela China como pela Coreia do Norte, pois ambos os países têm reforçado a sua capacidade de guerra cibernética e cinerterrorismo -, que passa pelo estabelecimento de uma nova organização governamental que desempenhará um papel central na implementação de medidas de defesa cibernética.

O governo japonês já assumiu que pretende duplicar a despesa pública com segurança e defesa, apontando para o objetivo de chegar aos 2% do PIB (o dobro do atual 1%) nos próximos cinco anos. O que equivale a assegurar cerca de 43 triliões de ienes para despesas de defesa durante os cinco anos a partir do ano fiscal de 2023. 

Porém, as divergências no PLD, o maior partido governamental, sobre como financiar essa despesa podem ditar um adiamento desse objetivo. Kishida defende um agravamento de impostos - sobretudo sobre as empresas - para pagar esta despesa, mas parte do partido (e do governo) está contra essa hipótese, considerando que irá comprometer a recuperação económica do país a curto prazo.

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