O lusodescendente de 22 anos foi condenado esta terça-feira a 15 anos de prisão pelo que as autoridades norte-americanas dizem ter sido a maior quebra de segurança nas Forças Armadas dos EUA desde o escândalo WikiLeaks em 2010. E o caso não termina aqui
Passou mais de um ano e meio entre Jack Teixeira ter sido detido por suspeitas de divulgar na internet documentos altamente classificados do Exército norte-americano e ter sido condenado por esse crime. Esta terça-feira, oito meses depois de se ter declarado culpado, o lusodescendente de 22 anos foi presente a tribunal para conhecer a sua sentença. Envergando o famoso uniforme cor-de-laranja do sistema prisional dos EUA, ficou a saber que vai passar os próximos 15 anos na prisão pelo que a procuradoria federal classifica como “uma das violações mais significativas e consequentes” das leis anti-espionagem dos Estados Unidos.
“Peço desculpa por todo o mal que trouxe e que causei”, disse Teixeira perante a juíza federal Indira Talwani no tribunal distrital de Boston, Massachusetts. “O facto de outros não terem feito mais para o impedir é verdadeiramente lamentável”, respondeu a magistrada, lamentando ainda que, apesar de todo o treino sobre como gerir documentos secretos e apesar dos avisos sobre as penas previstas para quem os divulga, o jovem tenha optado por “publicar na internet centenas de documentos ao longo de um ano”.
Membro da Guarda Aérea Nacional do Massachusetts, Jack Teixeira estava detido preventivamente desde abril de 2023, quando uma equipa de agentes do FBI vestidos com equipamento militar surgiu num veículo blindado à porta da sua casa, em Dighton, uma pequena cidade de cerca de 8 mil residentes 80 quilómetros a sul de Boston, para o deter por suspeitas de ter divulgado documentos que “envergonharam aliados de Washington em todo o mundo”, referiram vários media à data.
A detenção teve lugar uma semana depois de surgirem as primeiras notícias sobre a partilha cibernética de documentos secretos do exército, incluindo sobre a invasão russa da Ucrânia, num episódio que, apontou então a Reuters, “envergonhou os EUA por revelar espionagem aos seus aliados e alegadas vulnerabilidades militares ucranianas”. Os especialistas e as autoridades acreditam que esta se tratou da maior quebra de segurança nas Forças Armadas norte-americanas desde que a WikiLeaks partilhou mais de 700 mil documentos, vídeos e memorandos diplomáticos dos EUA em 2010.
Quando foi detido, o procurador-geral federal Merrick Garland disse aos jornalistas que o jovem era procurado “no âmbito de uma investigação à alegada remoção, retenção e transmissão não-autorizada de informações confidenciais da Defesa nacional”. Lloyd Austin, responsável máximo do Pentágono, acrescentou que uma força especial “esteve a trabalhar sem descanso para avaliar e mitigar quaisquer danos” provocados pelas ações de Teixeira.
Na altura, Brandon van Grack, ex-procurador do Departamento de Justiça ligado a questões de segurança nacional, que agora trabalha na sociedade de advogados Morrison Foerster, previu que o lusodescendente enfrentava uma pena de até dez anos de prisão, mesmo que se provasse que não tinha intenção de causar danos. “Isto é alguém que enfrenta muitos anos de prisão porque as fugas de informação foram muito prejudiciais”, indicou Van Grack. A sentença, soube-se esta semana, será ainda mais longa do que o antecipado.
O "erro estúpido" de "um miúdo"
Aviador de 1.ª classe na Base da Guarda Nacional Aérea de Otis, em Cape Cod, no Massachusetts, Teixeira ingressou naquele ramo militar em 2019, onde trabalhava como “Cyber Transport Systems Journeyman”, ou especialista em transporte de Tecnologias de Informação. A fotografia hoje mais famosa do jovem de 22 anos mostra-o com a farda da Guarda Nacional a tirar uma selfie em frente a um espelho, uma imagem bem diferente daquela que correu mundo, captada a partir do ar, quando foi detido a 13 de abril de 2023, vestido com calções de ginástica vermelhos, uma t-shirt verde tropa e sapatilhas pretas.
Ao início daquela quinta-feira, a polícia federal montou uma barricada ao longo da estrada que conduz à casa da mãe e do padrasto de Teixeira e manteve todos os vizinhos à distância, incluindo Dick Treacy, que descreveu aos jornalistas no local como viu os agentes a chegarem àquela “zona muito tranquila” quando se preparava para ir às compras.
“Havia uns seis ou oito tipos do exército com espingardas a andar de um lado para o outro”, contou Treacy. Outro dos vizinhos, Eddy Souza, de 22 anos, que cresceu com Teixeira e de quem foi colega no liceu, dizia-se então chocado com a detenção de alguém que nunca expressara quaisquer “sentimentos extremistas” até ambos terem perdido contacto quando concluíram o percurso escolar. “É um bom miúdo, não é desordeiro, é só um tipo calmo”, disse Souza. “Parece-me que isto foi um erro estúpido de um miúdo.”
Embora fosse um aviador de baixa patente, Teixeira tinha acesso a caches de segurança de alto nível e foi graças a isso que, a partir de janeiro de 2022, começou a aceder a centenas de documentos secretos relacionados com a invasão em larga escala da Ucrânia, em particular sobre o fornecimento de equipamento militar dos EUA a Kiev e com a forma como seria usado, incluindo capturas de ecrã com mapas das zonas mais sensíveis do conflito, que chegavam ao pormenor de mostrar a localização de unidades militares no terreno.
Com o acesso à documentação veio a partilha, sobretudo na Discord, uma rede social famosa entre gamers, onde Teixeira se autointitulou líder de um grupo de cerca de 30 jovens e adolescentes – segundo o Washington Post, de nacionalidades tão variadas como russos, ucranianos, europeus, asiáticos e sul-americanos – que trocavam mensagens sobre armas, videojogos e memes e comentários racistas, e onde o jovem “fixado em armas” e apostado “numa guerra racial” se gabou várias vezes de ter acesso a “cenas sobre Israel, Palestina, Síria, Irão e China”, citaram os procuradores. Fê-lo apesar de, ao longo de um ano, os seus superiores o terem admoestado duas vezes por estar a remexer em documentação sensível do Pentágono, deixando-lhe avisos sobre possíveis castigos caso não parasse.
Crença "ingénua" nos amigos cibernéticos
Antes de se mudar para a base de Cape Cod, Texeira vivia em Dighton com a mãe, Dawn Dufault, e o padrasto, Thomas Dufault, ex-oficial das Forças Armadas, reformado desde abril de 2019 após 34 anos de serviço, que incluiu uma passagem como sargento-chefe na mesma 102.ª Ala de Informação da Guarda Nacional Aérea onde o enteado trabalhava.
A mãe também tem ligações às Forças Armadas, sendo há muito ativa em várias organizações sem fins lucrativos de apoio a veteranos, incluindo o Massachusetts Military Heroes Fund e a Home for Our Troops; de acordo com a sua página de LinkedIn, entre 2014 e 2015 chegou a trabalhar para o Departamento de Serviços aos Veteranos do estado.
Menos conhecido é o percurso de Jack Michael Teixeira, o pai biológico do jovem, de quem Dawn se terá separado quando Jack filho era ainda criança e que, segundo media locais, ainda vive na mesma zona que a ex-mulher. Jack Michael Teixeira apareceu no tribunal de Boston na terça-feira para a leitura da sentença ao filho, mas continua a saber-se pouco sobre ele e as suas origens.
Entrevistado pelo Washington Post, um dos membros do canal Discord gerido por Jack Teixeira falava há um ano de um jovem carismático e entusiasta oriundo de uma “base militar não nomeada” – e adiantava que, após terem sido apenas partilhados nesse grupo, os documentos começaram a ser distribuídos por alguns membros do grupo em servidores do Discord, a partir de março de 2022, incluindo servidores dedicados ao jogo Minecraft e um ligado a um YouTuber filipino. A partir dali, foram parar ao 4chan e à aplicação Telegram, em particular a canais pró-Rússia, onde segundo a BBC o conteúdo chegou a ser alterado para refletir baixas militares ucranianas mais elevadas.
Acusado e condenado por seis crimes de retenção e transmissão voluntária de informações sigilosas relacionadas com a Defesa nacional, a acusação queria uma pena de 17 anos de prisão para Teixeira, com Jared Doland, procurador-geral-adjunto dos EUA, a garantir que era necessária uma pena pesada para fazer do jovem um exemplo de “advertência para os homens e mulheres das Forças Armadas e para os que detêm licenças no governo dos EUA”.
Os seus advogados de defesa, pelo contrário, tinham pedido à juíza Talwani que lhe aplicasse apenas uma sentença de 11 anos de prisão, alegando que Teixeira é autista e com tendência para o isolamento, e que o seu objetivo nunca foi causar danos aos interesses dos EUA, antes ensinar os seus amigos virtuais sobre eventos mundiais, incluindo a guerra da Rússia na Ucrânia. “Ele acreditava ingenuamente que podia confiar nos seus amigos”, disse o advogado Michael Bachrach.
A sentença de 15 anos de prisão não marca o fim dos processos contra Jack Teixeira. Antes de ter sido presente a tribunal na terça-feira, o lusodescendente terá aceitado resolver as acusações militares de que é alvo num processo distinto interposto pela Força Aérea dos EUA por alegada obstrução à Justiça, indicou Bachrach.
A Força Aérea – que, em dezembro passado, anunciou processos disciplinares contra 15 elementos da Guarda Nacional Aérea e a retirada do coronel Sean Riley do comando da unidade a que Teixeira pertencia – não confirma nem desmente que um acordo tenha sido alcançado. Meses depois de um inspetor-geral daquele ramo militar ter apurado que alguns membros e chefes da unidade souberam de “pelo menos quatro instâncias distintas de atividade questionável” sem nada fazerem, no rescaldo da sentença a Força Aérea referiu apenas que Teixeira vai ser levado a tribunal marcial em março do próximo ano.