Como Jack Teixeira teve acesso a documentos confidenciais com matéria altamente "sensível" nos EUA

14 abr 2023, 10:58
Jack Teixeira (Redes sociais)

Era membro da Guarda Nacional Áerea do Massachusetts e líder do grupo "Thug Shaker Central", um pequeno chat na rede social Discord, no qual foram publicados documentos confidenciais, muitos dos quais com diversas informações sobre a guerra na Ucrânia

A notícia de que Jack Teixeira, de apenas 21 anos, membro da Guarda Nacional Aérea do Massachusetts, foi o responsável pela divulgação de documentos confidenciais dos serviços secretos norte-americanos pode ter apanhado muitos de surpresa, mas há uma série de razões que permitem explicar como é que um jovem militar conseguiu ter acesso a informação altamente sensível. Desde logo, afirma Jack Miller, especialista da CNN Internacional em assuntos relacionados com os serviços secretos norte-americanos, é preciso sublinhar o quanto os diferentes ramos militares norte-americanos "dependem destes jovens em funções que lidam com matéria mais sensível".

Jack Teixeira estava na 102 Intelligence Wing da Guarda Nacional Aérea, uma unidade militar que lida com matérias de carácter muito "sensível". Miller explica que os militares desta ala "são responsáveis por pilotar drones envolvidos em operações de supervisão, reconhecimento e segurança, drones que dão apoio em missões da Força Aérea ou a militares no terreno em lugares como o Iraque, o Afeganistão e a Síria, ou que estão envolvidos em operações especiais que podem ser enviadas para qualquer lado em missões confidenciais".

"Isto significa que estes departamentos têm de ter acesso a um vasto conjunto de informação classificada e análises porque fazem operações em vários lugares do mundo e enfrentam diferentes tipos de ameaças", acrescenta o analista.

Miller destaca que a maioria das pessoas que se alista nos diferentes ramos militares são jovens, fazem um juramento e são de confiança. Ainda assim, nota que haverá sempre casos de soldados que traem esse juramento, lembrando os casos de Edward Snowden e Chelsea Manning. "Eis uma realidade simples: a maioria das pessoas que se alista para ser militar são jovens e estão ali para aprender a levar a cabo uma missão. Quase todos são de confiança e fazem um juramento. Mas a verdade é que estamos a recrutar seres humanos", vinca.

Jack Teixeira era líder do grupo "Thug Shaker Central", um pequeno chat na rede social Discord, com cerca de 20 a 30 membros, no qual eram partilhados memes racistas, tópicos relacionados com armas e videojogos. Neste grupo foram publicados documentos confidenciais, muitos dos quais com diversas informações sobre a guerra na Ucrânia e que foram exaustivamente analisados pela comunicação social. Em causa estão informações que vão desde a dificuldade da Ucrânia em lidar com uma quebra de mantimentos até relatos que sugerem que soldados de países da NATO, incluindo os próprios EUA, estão em território ucraniano a combater. Uma das mais recentes revelações indica que os Estados Unidos temem que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, esteja "demasiado recetivo" ao Kremlin.

A comentadora da CNN Portugal Sónia Sénica nota que os jovens têm cada vez mais capacidade de recorrer à Internet e "às redes sociais", nas quais "há uma realidade paralela onde existem salas de reuniões, grupos, para o efeito de jogo online, mas também para partilha de documentação, de acordo com os próprios interesses" e que isso traz alguns perigos. A investigadora em relações internacionais destaca a "juventude da pessoa em causa" e o facto de esta divulgação de informação ter acontecido "num quadro recreativo e lúdico", o que revela a "falta de maturidade" deste jovem "para entender a responsabilidade que encerra".
 
Sónia Sénica considera que esta "é uma fuga de informação que mina muito daquilo que é a imagem internacional dos EUA junto dos seus aliados", "deixa cair por terra a capacidade sigilosa dos serviços secretos norte-americanos e indicia uma necessidade de reorganização". "É uma fuga de informação numa fase de confrontação estratégica, quando o principal parceiro da Ucrânia no confronto com a Rússia é os EUA", completa.

Jack Teixeira foi detido na quinta-feira pelo FBI, como foi confirmado pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, não tendo oferecido resistência no momento da detenção.

Nos EUA, a notícia foi recebida com críticas à atuação do FBI, uma vez que a imprensa norte-americana foi divulgando diversas informações sobre o caso. "O FBI certamente não gosta de estar numa corrida contra os jornalistas. Os repórteres fazem o que podem fazer. Exploramos a informaçao que existe em canais e plataformas abertas como a Internet e isto é um caso que começa precisamente aí. O Washington Post encontrou um jovem que só falou com o jornal e não com o FBI. Ninguém no FBI estará contente com isto porque muita coisa podia ter corrido mal", afirma o especialista da CNN Internacional Jack Miller.

Jack Teixeira pode enfrentar até dez anos de prisão por cada crime cometido. O jovem de 21 anos será julgado de acordo com o previsto na Lei de Espionagem, que estabelece que cada documento vale a sua própria acusação.

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