Quem é o russo que subiu ao pódio com símbolo de apoio à guerra na Ucrânia?

8 mar 2022, 09:14
Ivan Kuliak

Ivan Kuliak é descrito como muito patriota, orgulha-se de ter formação militar, estudou numa universidade que forma atletas olímpicos e conta já com a distinção máxima da Federação Russa. Criticado em todo o mundo, tem recebido apoio dos compatriotas.

Ivan Kuliak tornou-se notícia no último sábado quando subiu ao pódio na Taça do Mundo de ginástica, que decorreu em Doha, no Qatar, com um Z escrito na camisola, ao nível do peito, com fita adesiva: ora o Z é um símbolo claro de apoio à invasão da Ucrânia por parte das tropas russas.

Mas quem é afinal Ivan Kuliak?

Nascido a 28 de fevereiro de 2002, completou recentemente 20 anos e realizou no Qatar a primeira prova internacional a nível sénior, ele que foi promovido à seleção russa de ginástica a 17 de março de 2021, há cerca de um ano, portanto, após obter dois quintos lugares no campeonato nacional.

A ligação ao desporto, porém, é muito mais antiga do que isso.

Natural de Obninsk, na região de Kaluga, a cerca de oitenta quilómetros de Moscovo, Ivan Kuliak começou a praticar ginástica aos quatro anos, por influência da mãe.

Na cidade de Obninsk fica situada a conceituada Escola de Ginástica Larisa Latynina, uma instituição pública que funciona como apoio ao programa olímpico russo da modalidade, o que ajudar a justificar a paixão de toda a família pela ginástica.

Curiosamente, Larisa Latynina, que dá o nome à escola, foi uma campeã soviética, nascida em Kiev, na Ucrânia. Ganhou 18 medalhas olímpicas, o que durante anos foi um recorde, apenas batido em 2016 por Michael Phelps. Após a queda da União Soviética naturalizou-se russa, vive nos arredores de Moscovo e foi condecorada por Vladimir Putin com a Ordem de Honra.

Voltando a Ivan Kuliak, interessa dizer que durante a adolescência começou a colecionar os primeiros troféus na ginástica, ele que era também um grande adepto de futebol e, sobretudo, de hóquei no gelo, modalidades que acompanha pela televisão nos momentos de folga.

Acabou naturalmente por seguir desporto, tendo estudado na Universidade Estatal de Smolensk, na fronteira com a Bielorrússia, uma faculdade de referência na formação de desportistas, que nos últimos Jogos Olímpicos estava representada em Tóquio por oito antigos alunos.

Depois de concluído o curso, regressou à cidade natal de Obninsk e ao clube de sempre, o Escola de Ginástica Larisa Latynina, que ainda representa atualmente.

Em 2019 foi campeão nacional de juniores, tendo ainda ganhado duas medalhas de prata e uma de bronze em diferentes modalidades da ginástica. Por isso foi premiado com o Master of Sport da Federação Russa de Ginástica e a partir de 2021 entrou no programa olímpico.

Para além da paixão pelo desporto, Ivan Kuliak não esconde um forte sentido patriótico.

Só fala russo, por exemplo, e os ídolos dele são Artur Dalaloyan e Nikita Nagornyy, dois ginastas que passaram por algumas polémicas, sobretudo o primeiro que chegou a ser expulso da equipa russa. Para além disso, já serviu no exército, num programa de doutrinação política, e até partilha orgulhosamente nas redes sociais essa fase da vida passada na base militar em Balashikha.

Refira-se que o serviço militar é, segundo a imprensa, imposto aos atletas pelo presidente da Federação Russa de Ginástica, Andrey Kostin, sob ameaça de exclusão das provas internacionais. Andrey Kostin que é também presidente do VTB Bank e homem da confiança de Putin.

Ora por isso, quando no sábado acabou em terceiro lugar na prova de paralelas, atrás do ucraniano Illia Kovtun e do cazaque Milad Karimi, o atleta russo subiu ao pódio com um Z desenhado no peito: um símbolo usado pelos carros de guerra russos que invadiram a Ucrânia e que significa «Za pobedu», ou seja, «Pela vitória» em português.

Para além disso, Ivan Kuliak não cumprimentou o atleta ucraniano (ao contrário do que fez o cazaque, por exemplo) e recusou tocar-lhe durante a habitual fotografia dos medalhados.

A atitude do Ivan Kuliak criou de imediato grande polémica em todo o mundo, mas tem sido defendida por vários quadrantes da sociedade russa. Isto porque os atletas foram impedidos de utilizar o equipamento, a bandeira e o hino russos durante a Taça do Mundo, sendo obrigados a competir como atletas neutros, o que na perspetiva destas pessoas provocou a reação de Kuliak.

Aliás, a seleção russa de ginástica está proibida de competir a partir desta segunda-feira em provas internacionais, mas como a decisão da Federação Internacional foi tomada com a Taça do Mundo de Doha já em andamento, os atletas foram autorizados a participar na condição de neutros.

Depois de Kuliak, também a antiga campeã Svetlana Khorkina publicou um Z nas redes sociais, o que foi seguido por muitos russos, sobretudo na região de Kaluga, de onde o atleta é natural e onde foi inclusivamente criada uma conta na rede social Telegram para apoiar o jovem.

No fim, a selecionadora russa e o presidente da federação russa de ginástica, defendeu o atleta.

«Ele não nos consultou. Foi sua iniciativa dele, mas é normal porque os nossos atletas são muito patriotas», disse a selecionadora Valentina Rodionenko. «Não acho que o Ivan quisesse fazer uma manifestação provocatória, mas vamos apoiá-lo em qualquer caso», referiu Vasily Titov.

Até a lenda Larissa Latynina saiu em defesa dos atletas russos. Latynina, como já se disse, foi uma supercampeã soviética que nasceu em Kiev, é ucraniana, mas após a queda do regime naturalizou-se russa e vive agora perto de Moscovo, dando nome à escola onde Ivan Kuliak pratica ginástica.

«Estou em choque. Não consigo imaginar como os atletas podem ser excluídos das competições internacionais. Em nenhum caso o desporto pode ser misturado com política», referiu.

O mundo, por outro lado, uniu-se na condenação ao gesto provocatório para com um povo que está a sofrer imenso, pelo que Ivan Kuliak foi obrigado a bloquear comentários e mensagens privadas nas contas das redes sociais.

Depois da atitude dele, de resto, a atleta ucraniana Daniela Batrona, de apenas 16 anos, recusou subir ao pódio com atletas russas, pelo que a premiação passou a ser feita com dois pódios: de um lado os atletas russos, do outro, e bem distantes, os restantes atletas premiados na Taça do Mundo.

Perante tudo isto, a Federação Internacional já abriu um processo disciplinar a Ivan Kuliak, que deve enfrentar um pesado castigo, que provavelmente lhe custará o sonho que tinha mais imediato: representar a Rússia nos campeonatos europeus de ginástica, que vão decorrer em Munique.

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