Como o sonho de viver em Itália se tornou amargo para uma família

CNN , Silvia Marchetti
22 jan 2023, 10:00
A família Mattsson escolheu Ortígia, na Sicília, Itália, para sua casa. Créditos: Travellaggio/Adobe Stock

Mudar para Itália para começar uma nova vida ao sol, rodeado de belas paisagens, comida incrível e uma cultura fascinante é o sonho que muitas pessoas realizaram nos últimos anos, graças aos baixos preços das casas.

Mas o sonho de uma família finlandesa que se mudou para a cidade siciliana de Siracusa chegou ao fim abruptamente depois de apenas dois meses - e as razões para tal levaram a um protesto mediático em Itália.

Elin e Benny Mattsson, um casal com quatro filhos de 15, 14, 6 e 3 anos, decidiram abandonar a sua nova vida depois de considerarem que as escolas e o sistema educativo local não estavam à altura dos padrões finlandeses.

Em outubro fizeram as malas e mudaram-se para Espanha.

Elin, uma artista de 42 anos da cidade finlandesa de Porvoo, desabafou a sua frustração através de uma carta aberta publicada a 6 de janeiro no jornal local online Siracusa News onde criticava a vida escolar e a estratégia de ensino, acompanhada por uma foto da família a passear.

Escreveu que os seus filhos se queixavam dos colegas barulhentos e indisciplinados, que "gritavam e batiam na mesa", assobiavam na sala de aula, e que passavam o dia sentados nas suas secretárias com pouca atividade física ou pausas ao ar livre para estimular a aprendizagem, e sem opções alimentares. Os professores olhavam "com desdém para os alunos" ou gritavam, referiu, para além de terem baixos níveis de proficiência na língua inglesa.

Também o jardim-de-infância, frequentado pelo seu filho mais novo, não estava à altura dos seus padrões, não tinha sequer carros para brincar, instrumentos de escalada ou caixas de areia.

“A vida real''

Elin disse que ela e o marido Benny, um gestor de informática de 46 anos, ficaram tão alarmados com a situação que decidiram mudar os seus planos.

"Mudámo-nos para a Sicília no início de setembro, apenas para escapar à escuridão dos invernos na Finlândia. Vivemos no sul e nem sempre há neve que torne o ambiente mais claro", contou Elin à CNN.

A família tinha arrendado um belo apartamento perto do vibrante bairro antigo de Ortígia, uma vila insular em forma de labirinto com palácios barrocos, praças ensolaradas, igrejas antigas e uma história que remonta à Grécia antiga.

"Apaixonei-me por Ortígia, pelos mercados de comida fresca e pela atmosfera que ali se respirava", disse. "Ironicamente, não gosto de sítios demasiado 'limpos' e perfeitos. Sou uma artista, por isso gosto de ver as coisas 'nos bastidores', a vida real. Foi isto que vi na Sicília e em Siracusa."

Se ela soubesse que a escola "era tão pobre" teria escolhido outro lugar, mas teria perdido a beleza de Ortígia, assumiu.

"Viver é aprender, por isso tenho a certeza que os meus filhos também aprenderam e cresceram com esta experiência. Conheci lá pessoas muito prestáveis e simpáticas, não tenho nada de mal a dizer sobre a mentalidade siciliana.”

Elin Mattsson afirmou que as escolas na Sicília não corresponderam às suas expectativas. Créditos: e55evu/Adobe Stock

A publicação de Elin desencadeou um debate nacional em Itália, com pais, professores e académicos a intervir, a maioria em defesa das escolas italianas.

O assunto chegou mesmo à Câmara dos Deputados italiana, com Rossano Sasso, antigo secretário de Estado da Educação e representante do partido nacionalista Liga Norte, a publicar no Facebook o seu apoio aos professores italianos.

Sasso escreveu que se recusava "a receber lições de uma pintora finlandesa" que sugeria ao governo reformar as escolas com intervalos ao ar livre e parques infantis divertidos.

“Mais ira”

O ministro da educação italiano, Giuseppe Valditara, emitiu um comunicado contra “julgamentos improvisados e generalizados” dos professores italianos, embora tenha reconhecido a necessidade de melhorar o sistema educativo do país.

Elin contou que está a tentar atenuar as críticas à sua publicação, argumentando que as traduções italianas da sua carta, escrita em finlandês, publicadas pelos meios de comunicação social italianos mostram “mais ira” do que a original.

"Eu apenas queria chamar a atenção para medidas muito simples que poderiam ser tomadas, como intervalos ao ar livre. Não odeio nada nem ninguém. Mas percebi que os meus filhos não gostavam e foi a primeira escola à qual reagiram assim", argumentou.

Disse ainda compreender que seja suposto os alunos terem de ficar sentados o dia todo, mas esperava que as escolas fossem, se não idênticas às da Finlândia, próximas das de Espanha, onde a família já tinha vivido.

Segundo Elin, a família queria apenas partilhar o que aprendeu com a sua estadia na Sicília como uma lição para outras famílias estrangeiras que desejam viver o sonho italiano, recomendando-lhes que procurem uma escola mais calma no campo ou que optem por estudar em casa.

Trânsito caótico

Na sua publicação original, Elin também criticou o ambiente caótico de Siracusa e o impacto ambiental do trânsito que se acumula à medida que os carros formam filas para entrar em Ortígia, através de uma única ponte.

"Como é possível pensar que as inúmeras pessoas que se apressam para a escola todas as manhãs e todas as tardes podem ser funcionais?" escreveu. "Será o caos total do trânsito (e o que dizer do ambiente) prático para as famílias?", questionou.

Para Elin, as autoridades educativas italianas deveriam chamar a atenção para os benefícios de as crianças irem a pé para a escola, de forma a reduzir o tráfego automóvel e impulsionar centros urbanos pedonais.

"Na Finlândia, as crianças vão sozinhas para a escola; de bicicleta ou a pé e, se viverem a mais de cinco quilómetros da escola, podem ir de táxi ou no autocarro escolar. Almoçam na escola e depois vão para casa sozinhas quando a escola acaba.”

As questões desta mãe começaram no dia em que foi à escola matricular os seus dois filhos mais velhos.

"O barulho nas salas de aula era tão alto que me questionei sobre como seria possível alguém concentrar-se", escreveu na carta, afirmando que as cabeças dos alunos não deveriam ser cheias "que nem salsichas, com demasiada informação para cérebros subdesenvolvidos".

As suas palavras provocaram uma agitação em Itália, levando a um debate online sobre se a família Mattsson está certa ou errada - ou um pouco de ambas.

Segundo Giangiacomo Farina, diretor do Siracusa News, que publicou a carta de Elin, os seus comentários refletem "diferenças culturais que desencadearam um protesto injustificado dos meios de comunicação social".

"Simplesmente, o sistema escolar italiano está mais concentrado no conteúdo do ensino e menos nas estruturas de apoio e espaços para brincar ao ar livre".

No entanto, defendeu, o ensino italiano poderia aprender algo com os métodos finlandeses.

Expandir o conhecimento

Farina refere que o seu jornal online registou um pico de tráfego com mais de um milhão de leitores nos dias que se seguiram à carta aberta de Elin.

Muitas famílias de Siracusa comentaram, alguns do lado dos Mattsson, a concordar que o ensino italiano precisa de ser melhorado.

A mãe de uma rapariga que frequentava a mesma sala do filho de 14 anos de Elin escreveu que o rapaz finlandês uma vez perguntou onde era o chuveiro, depois da Educação Física, e todos se riram. Ele também se queixava frequentemente à sua filha de como Itália era retrógrada e que as coisas no país eram realmente más, contou ainda.

O professor de História e Filosofia Elio Cappuccio, residente em Siracusa, disse à CNN que a educação italiana é "muito mais rica em conteúdos, áreas de estudo e cultura geral, em comparação com a de outros sistemas estrangeiros".

"Os nossos alunos começam desde muito cedo a aprender muitas coisas e depois continuam a expandir os seus conhecimentos. Isto abre-lhes a mente", explicou.

Pierpaolo Coppa, funcionário da escola de Siracusa, disse que era "errado comparar os modelos de ensino italiano e finlandês, dado que são completamente diferentes" e que "dois meses não são suficientes para julgar um sistema de ensino".

"Alguns pontos abordados na carta poderiam ser discutidos, mas a qualidade profissional dos nossos professores é do mais alto nível", disse Coppa à CNN.

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