"Nonna Margherita": esta avó italiana tem 94 anos e tornou-se uma atração turística

CNN , Silvia Marchetti
5 out, 17:00
Margherita Ciarletta (CNN)

As roupas vintage de Margherita Ciarletta chamaram a atenção dos turistas. Fotografia de Enzo Gentile.

Em Scanno, uma vila medieval nas montanhas selvagens da região de Abruzzo, no centro da Itália, uma mulher veste-se como se o tempo nunca tivesse passado.

Aos 94 anos, Margherita Ciarletta — espirituosa, independente e reservada quanto à sua privacidade — é a única pessoa que ainda usa diariamente as roupas tradicionais centenárias de Scanno.

Os turistas que percorrem as ruelas estreitas não estão aqui apenas pela paisagem das montanhas ou pelas igrejas ornamentadas. Quem aqui vem, procura a “Nonna Margherita” - ou, como os locais a chamam, “L'Ultima Regina” (A Última Rainha).

Muitas vezes, os turistas vagueiam pela aldeia batendo às portas até finalmente a encontrarem e posarem para selfies com ela. No entanto, Margherita resiste aos holofotes. Insiste que não é uma superestrela. É apenas uma avó normal que se orgulha das suas raízes rurais.

Margherita usa o mesmo estilo de vestido de lã escura com mangas compridas pretas e um lenço de algodão na cabeça desde os 18 anos. “Sempre gostei deste vestido, tenho orgulho em usá-lo”, conta à CNN.

Durante séculos, esta foi uma das duas indumentárias usadas pelas mulheres de Scanno. Uma delas, a que Margherita veste hoje, era o vestido sóbrio, usado no dia a dia para o trabalho no campo e para as tarefas domésticas. A outra era um traje mais elaborado, bordado, com um corpete e um chapéu decorados ao pormenor — que refletiam o estatuto social — usado aos domingos para ir à igreja, bem como durante festivais e celebrações religiosas.

Algumas mulheres locais ainda usam as roupas ornamentadas durante desfiles e concursos de beleza. Apenas Margherita usa as mesmas roupas de trabalho dos seus antepassados, dia após dia. Mantém o traje tradicional do dia a dia, mesmo aos domingos, alternando entre várias versões a cada semana — algumas pretas, outras azul-escuras com detalhes em branco.

“Esta era, e ainda é, a minha roupa comum do dia a dia”, confessa. “O meu marido nunca gostou, mas isso não me impediu de o usar todos os dias, tanto enquanto trabalhava nos campos como durante as festividades.”

“Faço tudo sozinha”

Margherita Ciarletta viveu toda a sua vida na aldeia rural de Scanno (Enzo Gentile)

Após a morte recente das suas duas irmãs, que também se vestiam tradicionalmente, Margherita tornou-se a última mulher em Scanno a vestir os trajes tradicionais. A notícia da sua aparência única espalhou-se rapidamente até chegar às redes sociais.

As autoridades locais estão agora a fazer pressão para que os trajes sejam reconhecidos pela UNESCO como exemplos de património cultural imaterial.

Margherita nasceu em Scanno e nunca saiu de lá. Vive na mesma casa de pedra desde 1950 e, apesar da idade avançada, continua a cuidar das suas tarefas diárias sem ajuda, recorrendo apenas ocasionalmente a uma bengala.

“Faço tudo sozinha. De manhã, faço todas as tarefas domésticas, limpo o jardim, cozinho e dou um passeio rápido. Passo tempo e converso com amigos, vizinhos e familiares. Às vezes, vou passear nos campos acima da aldeia.”

Margherita abandonou entretanto aquela que era a sua visita diária ao bar local para tomar um café expresso pela manhã.

Quando os netos a visitam, gosta de cozinhar massa sfoglia artesanal e nhoque com folhas de nabo, uma especialidade local de Abruzzo, região conhecida pela sua cozinha rústica. Em troca, os netos ajudam a afugentar turistas indesejados.

“Eles são maravilhosos, estão sempre a cuidar de mim. Tenho muita sorte em tê-los.”

Tornar-se uma atração turística nem sempre é algo que a deixa confortável. Margherita já recusou visitas de equipas de televisão e, embora receba bem a maioria dos visitantes e não se importe em ser fotografada para o Instagram, uma vez acabou a perseguir turistas que entraram pela sua casa adentro.

A sua voz é clara, os seus olhos são perspicazes, as suas frases são concisas. Margherita fala um italiano padrão, em vez do dialeto que alguns moradores mais velhos usam para afastar os visitantes. É acessível, mas nos seus próprios termos.

“Como sou a única que veste este traje, as pessoas vêm à procura de uma oportunidade para tirar uma fotografia comigo. Mas, por vezes, são muitos turistas e isso pode ser irritante”, confessa.

Margherita testemunhou grandes mudanças ao longo dos anos. Durante séculos, Scanno foi uma comuna italiana próspera, com famílias ricas de agricultores a competir para construir mansões luxuosas, igrejas e fontes. As suas ruas estreitas são um labirinto de palácios barrocos, românicos e góticos ao lado de habitações humildes que se assemelham a algo saído de um presépio.

Mas o despovoamento deixou a cidade vazia. Dos mais de 4 mil residentes na década de 1920, restam apenas cerca de 1.600. As famílias partiram para as cidades e para o exterior — muitas para os Estados Unidos — à procura de emprego e de uma vida melhor.

“Estou feliz com a minha vida”

Margherita Ciarletta diz que ainda é muito ativa aos 94 anos, mas sente falta do espírito comunitário que está a desaparecer na sua aldeia (Davide Cetrone)

Margherita confessa que a vida que conheceu na juventude há muito desapareceu. Naquela época, passava os dias nas pastagens acima de Scanno, cuidando de ovelhas, recolhendo lenha, semeando, cuidando das plantações e colhendo os frutos.

“Antes trabalhávamos muito, agora esse trabalho acabou. Era uma vida difícil, mas estávamos sempre juntos”, suspira. O profundo sentido de comunidade e os laços de vizinhança profundamente enraizados desapareceram.

“Sinto falta de algumas tradições perdidas, sinto falta do meu marido que faleceu e sinto falta de quando havia mais pessoas e vizinhos e estávamos sempre a comer juntos. Antes, nunca estava sozinha. Hoje, às vezes, estou sozinha.”

Apesar de ter sofrido a perda de familiares, amigos e o estilo de vida no geral, Margherita garante que não sente nostalgia nem tristeza pela passagem do tempo. Hoje, aprecia as conveniências modernas e a vida mais confortável que o progresso lhe trouxe.

“Trabalhei toda a minha vida nos campos até aos 70 anos, e também cuidava dos animais da minha família. Era um trabalho fisicamente exigente”, confessa. “O estilo de vida que levo agora é muito melhor do que antes. Estou melhor hoje do que ontem; tenho tempo para mim e relaxo. Descobri e aprendi a apreciar o que é o lazer.”

“Tenho muito tempo livre, não sinto fadiga nem dificuldades físicas como antes. Gosto de ser avó, estou feliz com a minha vida.”

Foram poucas as vezes em que Margherita saiu da aldeia. Quando o fez, foi somente em ocasiões especiais, e nunca foi para o estrangeiro.

Não é de admirar que não tenha planos para viajar tão cedo. Afinal, o turismo nunca foi o seu forte.

Viagens

Mais Viagens

Na SELFIE