A resposta que Totti descobriu para o «problema sério» da Itália

30 mar 2023, 09:06
Mateo Retegui (Foto EPA)

Mateo Retegui chegou à seleção sem nunca ter jogado no «calcio» e marcou nos dois primeiros jogos. Quem é o avançado de cujo «talento incrível» o «Imperador» de Roma já falava há três anos

Em junho de 2020, Francesco Totti participou num chat com Cristian Vieri, uma conversa entre antigos goleadores para ajudar a passar o tempo durante a pandemia, e contou que tinha descoberto uma promessa na Argentina. «Estou em conversações com um talento incrível. É muito forte, devastador.» Não disse o nome, mas pouco depois ficou claro, quando o antigo capitão da Roma passou a representar Mateo Retegui. O avançado continuou a jogar na Argentina, sem que Totti tenha conseguido levá-lo para o «calcio». Mas três anos mais tarde chegou a Itália por uma porta bem mais estreita, a da seleção. E apresentou-se com dois golos, frente a Inglaterra e Malta.

Totti diz que não foi ele a indicar agora Retegui a Roberto Mancini, mas continua a antecipar um «grande futuro» ao avançado de 23 anos que brilha no Tigre e nunca jogou fora da Argentina. Já não o representa, agora o agente de Retegui é o seu pai, que é uma referência do desporto argentino. Carlos ‘Chapa’ Retegui foi atleta internacional de hóquei em campo, modalidade em que o país é uma potência mundial, e depois treinou as seleções masculina e feminina em várias ocasiões, chegando ao título olímpico em 2016. A mãe também foi jogadora de hóquei e a irmã seguiu as pisadas dos pais.

 

Entre o hóquei em campo e o futebol

Mateo preferia o futebol. Ainda que tenha também pensado dedicar-se ao hóquei em campo, depois de passar sem grande sucesso pelos escalões jovens do River Plate. Mas em 2016 entrou no radar do Boca Juniors e a partir daí deixou o stick de lado em definitivo. Foi na Bombonera que terminou a formação e chegou a sénior. Fez apenas um jogo pela equipa principal «xeneize», quando substituiu Carlos Tevez em novembro de 2018, num jogo do campeonato argentino. Tinha 18 anos e o Boca preferiu que saísse para ganhar rodagem. Passou então por uma série de empréstimos, primeiro ao Estudiantes. Foi lá que Totti, então a lançar-se como empresário, o descobriu.

«Impressionou-me pelo lado físico e mental», diz agora Totti. Guillermo Barros Schelotto, o treinador que o lançou no Boca Juniors, define-o assim: «Tem personalidade, faz lembrar o Toni em 2006. Itália não tem ninguém assim, além de Immobile. É um 9 de potência.»

Foi em nova cedência, agora ao Talleres, que Retegui se tornou uma certeza. No empréstimo seguinte, ao Tigre, a evolução foi ainda mais notória. Na época passada foi o melhor marcador do campeonato argentino, com 19 golos. Nesta temporada já leva seis golos em nove jogos.

«Há poucos jogadores convocáveis em Itália»

Chegou a representar a Argentina nos sub-20, mas nunca foi opção para Lionel Scaloni na seleção principal. Até que entrou no radar… de Itália. A ligação vem do avô materno, que emigrou para a Argentina. E a chamada à seleção surge de uma necessidade.

Retegui foi a resposta imediata encontrada por Roberto Mancini para aquele que o selecionador diz ser um «problema sério» no futebol italiano. Ainda antes do arranque da campanha para o Euro 2024, num novo ciclo para os campeões europeus em título depois do choque que foi o apuramento falhado para o Mundial 2022, o treinador fez o diagnóstico. «Os nossos avançados, quase todos, jogaram muito pouco nos últimos meses», disse o selecionador, acrescentando que este é um problema imediato no ataque, mas defendendo que há problemas de recrutamento generalizados para a seleção no futebol italiano. «Há poucos jogadores convocáveis em Itália», disse.

E deu como exemplo os principais clubes, quando lhe perguntaram se a presença de três equipas italianas nos quartos da Liga dos Campeões representava um renascimento do futebol italiano, Mancini respondeu assim: «Se há relançamento é dos clubes. Nos três que se apuraram os titulares italianos são sete ou oito.»

Vai daí, Mancini alargou e muito as opções para esta primeira convocatória do novo ciclo. Desde logo no ataque, onde não podia contar com Immobile, lesionado, tal como o napolitano Raspadori, e não optou por outros nomes, como Orsolini, do Bolonha, ou Zaccagni, da Lazio. Na pré-convocatória estava por exemplo Andrea Compagno, avançado que jogou apenas nos escalões inferiores italianos, depois esteve em San Marino e agora joga na Roménia. E estava Retegui.

Um golo e mais outro, para começar

«Já o acompanhávamos há algum tempo. Pensámos que ele não queria vir, mas ligámos-lhe e ele imediatamente disse que sim», explicou Mancini.

Retegui entrou mesmo na lista final de convocados. E quando chegou o jogo com a Inglaterra, em Nápoles, foi titular. Assinalou a estreia com golo a pouco mais de meia hora do fim, num remate cruzado, que permitiu à Itália reduzir a desvantagem, mas não evitar a derrota por 1-2. O jogo seguinte, frente a Malta, voltou a ter Retegui na ficha de jogo. E ele voltou a marcar, inaugurando o marcador nesse triunfo por 2-0, agora a saltar de cabeça na pequena área, na sequência de um canto.

«Tem as qualidades de um avançado-centro», disse Mancini após o jogo com Malta: «Desbloqueou o jogo, não é pouco. Mas precisamos dar-lhe tempo», disse o selecionador.

A cotação em alta

Para já, Retegui deixou boas indicações, para uma posição crucial. E aumentou muito a sua cotação. O pai garante que por agora ele está focado no Tigre, que detém 50 por cento do seu passe, a meias com o Boca Juniors, mas vai dizendo que já recebeu muitas propostas. «Tivemos contactos de equipas da Serie A, da Premier League, da Liga espanhola e da Bundesliga. Em janeiro procurou-nos a Udinese, mas o meu filho preferiu ficar no Tigre para terminar a época.»

Itália tem uma longa tradição de jogadores não nascidos no país, a que chama «oriundi». A designação vem de longe. A Itália bicampeã do mundo em 1934 e 1938 tinha vários jogadores naturais da Argentina ou do Uruguai. Há exemplo bem mais recentes, mas a chamada de Retegui voltou a alimentar o debate sobre o tema. Até o facto de o jogador não falar italiano foi usado como argumento pelos críticos. «Está há três dias em Itália, como podia falar italiano? Isso não faz sentido», respondeu Mancini.

O selecionador italiano, que há uns anos até era contra a presença na seleção de jogadores não nascidos em Itália, diz que os tempos mudaram e que vai continuar a procurar por todo o lado opções para a seleção. «Temos uma percentagem mínima de jogadores na Serie A. A Suíça tem 15 ou 20 oriundi, a Bélgica também. Nós até há uns anos tínhamos jogadores fortes e não precisávamos. As outras seleções fizeram algo parecido connosco, muitas vezes levaram jogadores que tinham crescido aqui, e nós faremos o mesmo.»

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