Máfia italiana deixa caixão à frente da casa de ativista antimáfia: "Não tenho medo, vou continuar"

CNN , Barbie Latza Nadeau
27 ago, 19:17
Um caixão preto foi deixado em frente da casa de uma ativista antimáfia em Roma, Itália, no domingo, informou a polícia (Polícia de Roma)

Apesar de considerar a ameaça “estúpida” e de garantir que não a vai fazer parar a sua luta, também reconheceu que “desestabilizou” a equipa com quem trabalha, que denuncia com frequência membros da máfia por crimes contra os habitantes, testemunhando também em tribunal em seu nome

A familia Casamonica, que atua nos arredores de Roma ao bom estilo da máfia italiana, terá deixado um caixão preto em frente à casa de um ativista no passado domingo, segundo informou a polícia desta cidade italiana.

A ativista em causa é Tiziana Ronzio, presidente do grupo antimáfia Toripiubella, batizado em homenagem ao bairro Tor Bella Monaca, onde ficavam as principais habitações do clã Casamonica, até serem destruídas em 2018 e 2019.

Enquanto fazia a demolição, a polícia encontrou decorações bizarras, incluindo porcelanas em tamanho real em formato de tigre usadas para esconder dinheiro, piscinas com diamantes incrustados, cavalos de ouro e tetos espelhados. Também encontraram várias toneladas de droga, incluindo heroína e cocaína. Em 2022, dois membros da família foram condenados por tentativa de tráfico de cocaína a partir da Colômbia.

O caixão foi encontrado no domingo junto à casa de Tiziana Ronzio no bairro de Tor Bella Monaca.

Ronzio explicou que viu o caixão no domingo à tarde e que foi também recebendo fotografias do mesmo. Contudo, admitiu que não o interpretou imediatamente como uma ameaça, até à sua equipa de segurança a ter avisado.

Apesar de considerar a ameaça “estúpida” e de garantir que não a vai fazer parar a sua luta, também reconheceu que “desestabilizou” a equipa com quem trabalha, que denuncia com frequência membros da máfia por crimes contra os habitantes, testemunhando também em tribunal em seu nome.

“Não tenho medo, vou continuar”, disse Ronzio à imprensa italiana. “São gestos estúpidos, que nos deixam mais zangados e com vontade de lutar.”

Entretanto, a polícia de Roma disse à CNN esta segunda-feira que está a ser feito o despiste de impressões digitais no caixão. O grupo Toripiubella, liderado por Ronzio, optou por não comentar o tema enquanto as investigações decorrem.

Anti-mafia activist Tiziana Ronzio walks through the Tor Bella Monaca neighborhood in Rome in 2021.
A ativista antimáfia Tiziana Ronzio no bairro Tor Bella Monaca, em Roma, em 2021 (Alessandra Tarantino/AP/FILE)

Ronzio denunciou vários membros do clã Casamonica no passado.

“Há sempre muitas coisas que se deixa escapar”, disse à Sky24 na noite de domingo, destacando que já foi alvo, no passado, de outros atos de intimidação, incluindo ameaças escritas ou fezes deixadas à porta de casa pelos seus próprios vizinhos.

“Tento viver com desapego, mas não é fácil. Vivo estas coisas como se não me atingissem, para seguir em frente”, afirmou. E juntou: “É difícil viver no mesmo sítio das pessoas que denunciamos à polícia.”

Apesar de a casa e o escritório de Ronzio já terem sido invadidos várias vezes, a ativista reconheceu ao jornal La Repubblica que “não é todos os dias que encontramos um caixão à porta de casa”.

“Pode até acontecer que alguém pouco civilizado deixe um bocado de um móvel, um sofá, mas não um caixão”, acrescentou.

Vários grupos políticos condenaram o ato de intimidação.

“Solidariedade e proximidade para com Tiziana Ronzio pela ameaça horrível que recebeu hoje. O trabalho precioso que ela tem desenvolvido ao longo dos anos, juntamente com outros cidadãos honestos, em Tor Bella Monaca certamente não parará perante a intimidação. A cidade e a sua administração vão continuar ao lado de Tiziana Ronzio para apoiá-la no seu compromisso diário no terreno, na luta pela lei e pela justiça”. escreveu o presidente da Câmara de Roma, Roberto Gualtieri, no X no domingo.

Tobia Zevi, conselheira da Câmara de Roma para as políticas de património e habitação, também expressou o seu apoio a Ronzio, afirmando que “a denúncia do crime organizado e a coragem e perseverança que distinguem o seu trabalho em anos difíceis não serão prejudicadas pelo medo de mais um gesto ignóbil contra ela”.

Cenas de 'O Padrinho'

O clã Casamonica foi identificado, pela primeira vez, como um grupo mafioso na década de 1970 pela Direção de Investigação Antimáfia Italiana. Tem origem em grupos nómadas Sinti que chegaram à capital italiana vindos de províncias rurais, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Estima-se que tenha um património na ordem dos 90 milhões de euros. O clã é mais comummente associado a extorsão e a usura, tendo também estado envolvido em ameaças como aquelas que Ronzio recebeu – e até mesmo em casos de homicídio. Estima-se que tenha cerca de mil membros. Uma dezena de pessoas ligada ao grupo está atualmente a enfrentar um julgamento por roubo de eletricidade num projeto de habitação em Roma.

O grupo fez manchetes em 2015 quando as autoridades de Roma autorizaram a realização de um luxuoso funeral para o patriarca da família, Vittorio Casamonica, que incluía uma carruagem puxada a cavalos para transportar o caixão e um helicóptero para libertar pétalas de rosa sobre o bairro de Tor Bella Monaca.

Dado que o clã Casamonica está identificado pelas autoridades italianas como uma organização criminosa, não era expectável que recebessem autorização para levar a cabo um funeral público, até porque outros grupos da máfia tinham sido proibidos em situações idênticas com os seus líderes.

Ainda assim, essa procissão foi alvo de proteção policial. E uma banda, no exterior da igreja, tocou temas da trilogia cinematográfica “O Padrinho”, que retrata precisamente esse universo da máfia italiana.

Em 2019, num julgamento em que 40 membros da família Casamonica foram acusados de associação criminosa, tráfico de droga, extorsão, usura e posse ilegal de armas, uma testemunha revelou que uma matriarca tentou matá-lo.

Esse informador, Massimiliano Fazzari, revelou em tribunal o uso de ácido que, segundo ele, estava guardado num tanque no porão de uma vila da família em Roma.

“Ameaçaram que me dissolviam no ácido”, afirmou Fazzari sobre Liliana Casamonica, líder de uma das famílias deste clã.

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