Compraram uma aldeia-fantasma para não cair em mãos erradas e não conseguiram evitar que caísse aos pedaços

CNN
25 mar 2023, 11:00

São cada vez mais as aldeias italianas em declínio com casas abandonadas a preços de saldo, por isso comprar uma destas casas no país tornou-se cada vez mais popular nos últimos anos.

A aldeia siciliana de Sambuca di Sicilia tornou-se, aparentemente, uma espécie de “Pequena América” italiana depois de fazer manchetes de jornais quando começou a vender casas por pouco mais de um dólar, em 2019.

No entanto, um grupo de italianos naturais da aldeia abandonada de San Severino di Centola, localizada na província de Salerno, Campânia, decidiu ir mais longe e comprou uma aldeia inteira.

Em 2008, Silverio D'Angelo juntou-se a outras oito pessoas, residentes em diferentes regiões de Itália, para comprar todas as casas abandonadas da zona medieval da aldeia, praticamente abandonada desde que os últimos residentes partiram na década de 70.

Forte ligação

Este banqueiro reformado conta que ele e o resto do grupo começaram a bater às portas dos herdeiros dos antigos proprietários para os convencer a vender, depois de ficarem preocupados com a possibilidade de a aldeia-fantasma ser vítima de investidores sem escrúpulos que poderiam querer mudar radicalmente a sua estrutura.

"Fomos impulsionados por um amor visceral por este lugar e pela paixão pelas nossas raízes e antepassados", diz D'Angelo, que nasceu na parte mais nova da aldeia, ligada à zona antiga, que foi construída mais abaixo quando os moradores começaram a fugir da velha aldeia no século XIX, devido aos invernos rigorosos, estradas sinuosas e condições de vida difíceis. 

"Temos uma forte ligação a esta terra, os nossos corações pertencem aqui. Mas foi uma atitude muito imprudente. É preciso muita paciência e dinheiro para devolver a vida a um lugar como este." 

Cerca de 350 pessoas vivem na parte mais recente de San Severino di Centola, que fica a cerca de 15 minutos a pé da zona abandonada.

D'Angelo explica que ele e os outros adquiriram cerca de 60 antigas casas de pedra há 15 anos e "cada um tem uma participação na propriedade". 

Eles não têm grandes planos para transformar a aldeia, rodeada de colinas, florestas e riachos imaculados, num luxuoso resort ou retiro de férias, querem simplesmente ajudar a preservar a beleza original da aldeia, dando nova vida às suas casas e monumentos decadentes. 

"Parte-me o coração ver a aldeia a ruir e a cair no esquecimento, e que apenas uma pequena parte dela foi restaurada", explica D'Angelo à CNN. "Queremos torná-la totalmente acessível e segura para os visitantes."

Embora prefira não revelar quanto pagou o grupo pela aldeia abandonada, D'Angelo descreve-a como uma "ambiciosa missão de resgate". 

"Não queríamos que a aldeia velha caísse nas mãos erradas, o que poderia destruir a sua própria identidade", argumenta. "Assim, mesmo estando em ruínas, decidimos que era melhor comprá-la para a tirar do mercado, sem necessariamente fazer algo com ela."

Os “salvadores” da aldeia

San Severino di Centola é uma das cerca de 6.000 aldeias abandonadas espalhadas por Itália, deixadas ao abandono devido a desastres naturais ou migração. 

Muitas vezes situadas em locais de beleza deslumbrante, os italianos chamam-lhes “belas adormecidas”, já que muitos acreditam que estão simplesmente à espera para serem “acordadas” ou renovadas por salvadores determinados, sejam investidores ou, no caso de San Severino di Centola, nativos com uma nostálgica ligação familiar.

A consultora de relações públicas Monica Gillocchi, filha de um morador de San Severino di Centola e outra das "salvadoras" da aldeia-fantasma, diz que tem sido uma aventura de loucos. 

Gillocchi, que trabalha em Roma, regressa frequentemente à aldeia, e diz nunca se cansar da sensação de caminhar até San Severino, descrevendo-a como um "lugar do coração e da mente".

"Há muita gente da aldeia ou filhos de residentes que, como eu, nasceram ou vivem noutro lugar, mas todos os anos regressam a San Severino e sobem ngoppa u' paese viecchio ('nas costas da antiga aldeia') para encontrar as suas origens e imaginar como era a vida dos seus pais, tios ou avós no passado", diz Gillocchi à CNN. 

"O apego ao lugar é muito forte para todos os habitantes (que vivem na nova aldeia) e para aqueles que se mudaram para outros lugares para trabalhar, mas cujo coração pertence aqui."

“A aldeia velha parece um sábio que protege a nova aldeia mais abaixo e implora por uma nova vida. É como viajar no tempo para redescobrir as próprias raízes.”

Até agora, as únicas partes de San Severino di Centola que foram remodeladas, com fundos públicos, são o imponente castelo, o caminho que leva até ele, e a pequena praça, onde no Natal se organizam exposições de pintura, laboratórios de poesia, concertos e presépios vivos.

Segundo D'Angelo, ele e o resto do grupo não investem há anos, principalmente devido à falta de recursos e questões burocráticas. 

Excursão de um dia

"Não fizemos muito", admite. "Continuamos à espera que a câmara municipal intervenha para completar a renovação.”

"Por enquanto, estamos felizes por possuir e proteger o lugar tal como ele é, mas não nos importaríamos de encontrar investidores com consciência ecológica dispostos a levar a cabo uma remodelação que respeite o meio ambiente."

Situada a sul de Nápoles, no imaculado Parque Nacional de Cilento, San Severino di Centola estende-se por dois esporões rochosos avermelhados suspensos acima de um abismo profundo.

Empoleirado sobre o rio Mingardo e o chamado desfiladeiro da “garganta do diabo”, o único caminho de terra leva a nova aldeia ao antigo bairro abandonado, outrora habitado por famílias de agricultores e pastores.

As casas antigas assentes na crista rochosa eram de difícil acesso, pelo que os restantes habitantes da aldeia começaram a descer cada vez mais a encosta à medida que outros iam embora.

Cabras selvagens são frequentemente vistas entre as ruínas, juntamente com partes de uma antiga ferrovia abandonada e coberta de musgo.

A aldeia medieval é feita de diferentes camadas históricas de peças de arquitetura em colapso que datam dos Lombardos, que se acredita estarem entre os primeiros colonos, e dos normandos.

Outrora uma povoação defensiva construída para controlar toda a costa, é agora um destino ideal de um dia para os turistas que ficam na costa de Cilento, e ganha vida aos fins de semana e durante o verão.

Preservar o passado

“A aldeia-fantasma, apesar de ser maioritariamente privada, está aberta todo o ano com entrada livre e todos os anos atrai cerca de 50.000 turistas, a maioria no verão quando vêm à procura de ar fresco para escapar às praias quentes", conta D'Angelo.

As populares cidades costeiras de Marina di Camerota e Palinuro estão localizadas nas proximidades, assim como a região vinícola de Basilicata. 

Durante a época festiva, um presépio com atores e animais estende-se pelas pequenas ruelas, juntamente com barracas de comida que servem pães caseiros, queijos de cabra locais e vinhos.

Guias locais oferecem passeios pela zona, que incluem visitas às ruínas de uma catedral, uma capela, uma torre de vigia construída contra os ataques inimigos, e um imponente palácio aristocrático que pertenceu a nobres locais. 

Há também um museu do emigrante que exibe alguns dos pertences das famílias que começaram a abandonar a aldeia no século XIX em busca de um futuro melhor no estrangeiro, incluindo os EUA.

De acordo com D'Angelo, um grupo de descendentes americanos de antigos residentes que vivem atualmente na Pensilvânia regressam regularmente para visitar a cidade natal dos seus antepassados.

"A maioria das pessoas que nos visita regressa, este é um 'lugar de memória' e o nosso objetivo é valorizá-lo da melhor forma possível", acrescenta. 

A maioria das casas de pedra vazias, ligadas por degraus, têm os telhados derrubados, buracos onde antes existiam janelas e portas soltas, enquanto árvores e relva entram pelas enormes fendas das paredes.

Assim que o financiamento necessário, seja de privados ou de organismos públicos locais, estiver disponível, D'Angelo espera poder dar à aldeia uma transformação sustentável em pequena escala que faça sobressair a sua singularidade.

"As casas de dois andares desmoronadas poderiam acolher lojas artesanais ou oficinas de arte, ou converterem-se em pequenas habitações dispersas para alguns hóspedes que se integrem no ambiente, respeitando a disposição, a paz e o silêncio da aldeia", ambiciona D'Angelo.

Embora a compra da aldeia tenha sido uma grande decisão e o processo de revitalização esteja longe de ser simples, ele e os outros não se arrependem, e sentem que é responsabilidade de pessoas como eles preservar as aldeias moribundas italianas de Itália.

"Salvar lugares como este do abandono é um dever de todos nós", defende Gillocchi. "Porque estas aldeias antigas são a espinha dorsal do nosso maravilhoso país."

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