Assassínio de Nasrallah e tudo "pronto" para invadir o Líbano: o dia em que Israel quis impor uma "nova ordem" no Médio Oriente

28 set, 23:10

Exército israelita reivindicou a morte do líder do Hezbollah e agora está "pronto" para "fazer o que for necessário" pela segurança dos seus cidadãos, não descartando uma incursão terrestre no Líbano

Joe Biden quebrou o silêncio antes de Benjamin Netanyahu para justificar o assassínio do líder do Hezbollah como “uma ação de justiça” para com as vítimas de Hassan Nasrallah, ao longo dos seus 32 anos na liderança do movimento. O primeiro-ministro israelita falou já noite dentro para dizer que a morte de Nasrallah foi “um passo necessário” para “alterar o equilíbrio de poder no Médio Oriente", no âmbito de uma operação militar designada “Nova Ordem”.

“Nasrallah não era um terrorista. Ele era o terrorista”, descreveu Netanyahu. O primeiro-ministro israelita ecoou as palavras do chefe do Estado-Maior do Exército, Herzi Halevi, ameaçando que os ataques contra o Hezbollah não vão ficar por aqui. “Vamos ter dias desafiantes pela frente”, advertiu.

Este sábado amanheceu com o relato de intensos ataques israelitas em Beirute, capital libanesa, que obrigaram famílias inteiras a sair das suas casas a meio da noite. Pouco depois, pelas 07:00 locais (09:00 em Portugal Continental), o Exército israelita reivindicou a morte de Nasrallah, que liderava a milícia xiita apoiada pelo Irão desde 1992, além de outros membros do movimento libanês, como Ali Karaoke, comandante da frente sul do grupo. O Hezbollah confirmou a morte do líder quase 20 horas depois do ataque, para declarar que Nasrallah se juntou “aos seus companheiros mártires”.

Com a morte de Nasrallah, o Exército israelita acredita que “a maioria” dos altos dirigentes do Hezbollah já foi morta, como afirmou o porta-voz das forças armadas hebraicas, o tenente-coronel Nadav Shoshani, numa conferência de imprensa esta manhã.

Quem vai suceder a Nasrallah?

Apesar de o Hezbollah não ter revelado quem vai suceder a Nasrallah, já há alguns nomes que começam a circular na imprensa, como Hashem Safieddine, até agora braço-direito de Nasrallah, e que sobreviveu ao ataque desta sexta-feira em Beirute. Enquanto líder do conselho executivo do Hezbollah, Safieddine é o atual responsável pelos assuntos políticos da milícia, sendo um dos membros do conselho da Jihad, que gere as operações militares do Hezbollah.

Primo de Nasrallah, Safieddine é um clérigo, tal como o falecido líder do Hezbollah, e integra desde 2017 a lista de personalidades designadas terroristas pelos EUA.

Em junho, após a morte de um outro comandante do Hezbollah, foi Safieddine quem ameaçou escalar a guerra contra Israel, com as suas declarações públicas a refletirem muitas vezes o alinhamento do Hezbollah com a luta do Hamas na Faixa de Gaza.

É nesse contexto que Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais, teoriza que o sucessor de Nasrallah possa vir a ter "uma política menos aberta ao diálogo", levando a que a milícia passe a atuar de uma forma "mais underground", isto é, o Hezbollah "pode começar a agir nas sombras". "E isso é mais pernicioso do que benéfico", alerta o especialista à CNN Portugal.

Traçando um paralelismo com a Al-Qaeda, Tiago André Lopes afirma que o Hezbollah pode mesmo radicalizar-se ainda mais e "crescer muito rapidamente", tal como aconteceu com a Al-Qaeda após a morte de Osama Bin Laden. "Com a morte de Bin Laden, vimos o grupo [Al-Qaeda] a partir-se em dois e depois em três, há duas facções diferentes da Al-Qaeda, uma das quais focada no Iémen, muito radicalizada, e há depois o aparecimento do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. E vimos o grupo crescer muito rapidamente, ganhar adeptos muito rapidamente, e esse cenário não pode ser afastado" agora com o Hezbollah, problematiza.

Irão vai retaliar? E os EUA?

Com o escalar das tensões entre Israel e o Hezbollah - o mais próximo aliado do Irão e inimigo declarado de Israel - surgem agora dúvidas quanto a um eventual envolvimento do Irão neste conflito. Daniela Nunes, especialista em Relações Internacionais, acredita que o Irão pode vir a responder a este ataque, mas tem reservas quanto a um eventual envolvimento dos EUA.

"Parece-me que a morte de Nasrallah vai obrigar o Irão a responder. Mas não tenho a certeza de que, às portas de uma eleição e às portas de um momento doméstico que é altamente nevrálgico para a administração Biden, os EUA vão querer envolver-se num conflito desta ordem, que pode ser um conflito nuclear. Esperemos que não", afirma à CNN Portugal a especialista em Relações Internacionais.

Nas ruas do Irão, o apelo dos cidadãos vai nesse sentido, com manifestações em Teerão a apelar para uma retaliação. "O comum iraniano quer uma resposta por parte do Irão", assinala Daniela Nunes.

As imagens que nos chegam do Irão mostram isso mesmo. Milhares de pessoas protestaram em várias cidades iranianas a pedir vingança pela morte de Hassan Nasrallah. Na Praça da Palestina, capital iraniana, centenas gritaram palavras de ordem como "vingança", "morte a Israel" e "morte aos Estados Unidos", países que consideram responsáveis pela morte de Nasrallah e de milhares de palestinianos e libaneses "por fornecerem armas a Telavive".

Protestos semelhantes ocorreram também nas cidades de Isfahan, Kerman, Qom e Mashhad.

Em Mashhad, uma grande bandeira preta de luto foi colocada no topo da cúpula do santuário do Imã Reza, o oitavo Imã xiita.

"Neste momento a pressão sobre o Irão é muito grande", comenta Sónia Sénica, especialista em Relações Internacionais, em declarações à CNN Portugal. "É importante que o Irão defenda a sua imagem juntos dos seus próprios proxies, mas também que passe uma mensagem muito assertiva a Israel e aos EUA", acrescenta.

Do lado de Israel, o major-general Agostinho Costa problematiza que o exército possa "cair na euforia de lançar uma invasão terrestre do Líbano", uma vez que, nesse ponto de vista, Israel deixa de ter a vantagem que granjeia agora no campo da comunicação e tecnologia e passa a ter de lidar com as bases e níveis intermédios do Hezbollah, que não eliminou. "Isso seria cair numa armadilha", diz o especialista em estratégia militar.

Em entrevista à CNN Portugal, o major-general Rafael Rozenszajn, porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), indicou que o exército israelita vai fazer "tudo o que for necessário para alcançar os objetivos desta guerra", nomeadamente garantir que os cidadãos que foram obrigados a abandonar as suas casas no norte de Israel, há 11 meses, na sequência dos ataques do Hamas, "possam voltar para as suas casas com segurança".

Questionado sobre se isso implica uma incursão terrestre no Líbano, o porta-voz das IDF reiterou: "Neste momento o exército está a atuar apenas com a Força Aérea, mas está pronto para fazer o que for necessário."

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