O 7 de outubro levou alguns judeus a deixar Israel. Para outros, o país oferece abrigo face ao crescente antissemitismo global

CNN , Lianne Kolirin
7 out, 09:30
Imigrantes judeus provenientes da Europa desembarcam de um avião à chegada ao Aeroporto Internacional Ben Gurion, perto de Lod, Israel, em 25 de junho de 2025

Desde o dia em que o Hamas e outros grupos lançaram um ataque coordenado a partir de Gaza contra o sul de Israel que matou cerca de 1.200 pessoas e levou à guerra em Gaza, há judeus que fazem Aliá por luto, pertença e medo do antissemitismo. E há israelitas que saem por guerra, política e cansaço. O saldo é negativo num país de pouco mais de 10 milhões de habitantes. Chantal e Nicky mudam-se após a morte de Nathanel; Yocheved larga o Texas para ajudar; Noy pede cidadania alemã — “amo a terra, amo as pessoas, mas não o Estado” — e Mirna troca Berlim por Jafa em busca de segurança

A 22 de novembro de 2023, Chantal e Nicky Young fecharam a porta de casa em Londres pela última vez e embarcaram num voo para Israel.

Os familiares esperavam por eles nas chegadas, em Telavive, com um cartaz a dizer: “Bem-vindos a casa, avó e avô.” Quem não estava lá, porém, era o mais novo dos seus cinco filhos: Nathanel.

O jovem, de 20 anos, foi assassinado pelo Hamas a 7 de outubro. Dois anos antes, tinha feito Aliá — o termo para a imigração judaica para Israel, que se traduz por “ascensão” — e servia nas Forças de Defesa de Israel na fronteira de Gaza.

“O sonho do Nathanel era que fizéssemos a Aliá. Ele andava à procura de casa para nós”, disse à CNN a mãe, Chantal, francesa de nascimento.

Os Young preparavam a mudança quando Nathanel foi morto. “Ficámos em choque”, contou Chantal, de 72 anos, que antes de emigrar coordenava o serviço de catering numa escola judaica. “Durante muito tempo eu não dizia que o meu filho tinha falecido, dizia ‘foi de viagem’, porque era muito difícil para mim aceitar.”

Os pais enlutados de Nathanel decidiram rapidamente realizar o sonho do filho, antecipando a data da mudança apesar da guerra.

Nicky e Chantal Young (centro) rodeados pela família. O seu filho mais novo, Nathanel (na frente, de t-shirt branca), foi morto pelo Hamas a 7 de outubro

Os Young estão entre os milhares de judeus que fizeram Aliá nos dois anos desde os brutais ataques liderados pelo Hamas. Alguns foram motivados pela necessidade de mostrar solidariedade com Israel, outros pelo desejo de encontrar refúgio face ao aumento do antissemitismo nos seus países de origem.

Mas o fluxo não é apenas num sentido. Ao mesmo tempo que judeus de todo o mundo se mudaram para Israel, muitos israelitas deixaram o país para se instalarem noutros locais, incapazes de continuar a viver no meio do conflito em curso, de desafios económicos e de uma sociedade cada vez mais polarizada.

O resultado, segundo Sergio DellaPergola, demógrafo e professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, que dedicou a carreira a estudar as migrações para e de Israel, é um défice líquido de migração que revela uma desorientação mais ampla no rescaldo dos ataques de sete de outubro de 2023.

“Israel foi sempre, fundamentalmente, um país de imigração”, explicou à CNN. Mas em 2023, as estatísticas oficiais revelaram um “saldo migratório negativo”, algo raramente visto, afirmou, referindo-se aos dados do Instituto Central de Estatística (CBS) do país. Cerca de 80 000 israelitas saíram, sendo que só em outubro desse ano foram 15 000. Cerca de 25 000 regressaram desde então a Israel, enquanto o país recebeu 30 000 novos imigrantes. O resultado é um défice líquido de 25 000, disse DellaPergola.

Embora estes números possam não soar enormes, Israel é um país pequeno, com uma população total de pouco mais de 10 milhões, dos quais 7,2 milhões são judeus, de acordo com DellaPergola.

O CBS acaba de divulgar mais dados relativos aos movimentos migratórios de e para Israel até setembro de 2025, que, diz ele, traçam um quadro semelhante ao de 2024.

"Sentimos que é o nosso país"

“O pior que podia acontecer já tinha acontecido, por isso eu não tinha medo”, refere Chantal sobre deixar a vida no Reino Unido por um país em guerra há quase dois anos. “Todos os países têm os seus problemas e não é o país perfeito, mas sentimos que é o nosso país.”

Nicky, de 75 anos, que trabalhou muitos anos em atendimento ao cliente, admite que esteve “mais apreensivo”, mas acrescenta: “É incrível o apoio que tivemos enquanto família enlutada em Israel e que continuamos a receber até agora.”

Yocheved Ruttenberg, de 24 anos, vivia no Texas e trabalhava em vendas no setor da construção a 7 de outubro quando ouviu a notícia dos ataques. “Simplesmente não conseguia funcionar”, disse à CNN. “Pensei: ‘preciso de estar em Israel’.”

Voou para Israel duas semanas depois com 23 enormes sacos de lona cheios de bens para os afetados pelos ataques, comprados com fundos que ela e uma amiga tinham angariado.

Yocheved Ruttenberg a chegar a Israel em outubro de 2023 com sacos de lona cheios de bens doados para os afetados pelo ataque

“Três dias antes do voo de regresso, liguei para o trabalho e demiti-me”, contou. “Tinha toda uma vida no Texas, mas não consegui ir embora. Vi uma enorme necessidade de ligar oportunidades de voluntariado a pessoas em todo o mundo. Toda a gente queria ajudar e ninguém sabia o que fazer.”

Hoje, Ruttenberg vive em Telavive e dirige uma organização próspera que tem uma comunidade de 45 000 pessoas interessadas em oportunidades de voluntariado em Israel. Continua a viajar para os Estados Unidos, mas diz ter notado uma mudança de ambiente.

“Estava muito consciente de que a atmosfera tinha mudado drasticamente ao sair do avião”, disse sobre uma viagem recente. “Trazia uma grande Estrela de David na camisola e, de repente, estava muito consciente de que não estava rodeada de pessoas que apoiam Israel.”

Situação política "impossível"

Ao longo dos séculos, houve vagas de migração judaica, em grande medida motivadas pela perseguição. Se o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 podia ser encarado como o fim das andanças, há agora quem questione se a pátria judaica é o melhor lugar para si.

Nos últimos dois anos, milhares de israelitas optaram por se mudar para locais onde os alarmes de ataque aéreo, os atentados, o serviço militar obrigatório e os protestos anti-governamentais deixaram de fazer parte do quotidiano.

Mas, embora muitos emigrantes israelitas tenham iniciado novas vidas em Chipre, no Canadá e na Tailândia, segundo a análise de DellaPergola, poucos estão dispostos a falar publicamente, invocando desconfiança dos media e receio do sentimento anti-Israel.

Uma exceção, porém, foi Noy Katsman, um estudante israelita que estava a fazer um estágio em Leipzig, Alemanha, quando o Hamas atacou. Entre os mortos estava o irmão de Katsman, Hayim, académico e ativista pela paz assassinado no kibutz Holit, perto de Gaza.

Hayim Katsman (à direita) foi assassinado pelo Hamas a 7 de outubro. O seu irmão, Noy, na foto à esquerda com a mãe, vive agora na Alemanha

Katsman, de 29 anos, pessoa não binária, deu entretanto entrada de pedido de cidadania alemã — país de onde a avó fugiu na década de 1930.

“Eu não queria ir embora, mas a situação política é impossível e há cada vez mais discriminação contra pessoas de esquerda, ativistas e, claro, palestinianos”, referiu Katsman à CNN.

“Houve muitos artigos sobre o meu irmão ser um ativista pela paz e depois os comentários eram muito desagradáveis, a dizer que ele merecia e que era ingénuo”, afirmou Katsman, que tem falado repetidamente contra a guerra na comunicação social internacional, incluindo na CNN.

“É óbvio que o Estado israelita está a usar o nosso luto para criar mais luto e eu não quero isso. Acho terrível. Alguém escreveu-me a dizer ‘não pareces alguém cujo irmão foi morto a sete de outubro.’ Querem apropriar-se da nossa narrativa.”

Ainda assim, os laços de Katsman com casa mantêm-se: visita regularmente e está a fazer um mestrado em estudos de cultura e género na Universidade Aberta de Israel.

“Se houver paz, voltava amanhã”, disse Katsman. “Se o conflito terminar e as pessoas tiverem justiça e direitos humanos, claro que adorava voltar. Amo a terra, amo as pessoas, amo a cultura — mas não amo o Estado.”

A procurar segurança em Israel

Para outros, perante o aumento de incidentes de antissemitismo na Europa e noutros lugares, Israel soa a porto seguro. A jornalista e escritora judaico-alemã Mirna Funk, de 44 anos, requereu fazer Aliá com a filha dois meses após o 7 de outubro. Disse à CNN que há muito alertava, nos media alemães, para a subida do antissemitismo, mas que as coisas pioraram drasticamente.

A jornalista e escritora Mirna Funk mudou-se para Israel com a filha meses após 7 de outubro porque deixou de se sentir segura na sua Alemanha natal

“Recebia ameaças de morte todas as semanas e não me sentia segura. Não queria que [a minha filha] ficasse isolada numa escola judaica, mas tornou-se claro que já não podia ir para a escola pública.”

Embora continue a trabalhar nos media alemães, Funk vive agora em Jafa, uma cidade com população mista judaica e árabe, e a filha estuda numa “escola de coexistência”, onde crianças de ambas as origens estudam lado a lado. “A vida é muito mais livre”, disse.

Falando à CNN, DellaPergola, o demógrafo da Universidade Hebraica, sublinhou que a situação é “muito complicada”, não apenas porque Israel já estava rachado por divisões sociais antes de 7 de outubro, como mostraram meses de protestos massivos contra o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu — o mais à direita da história de Israel — e as suas políticas.

“É preciso olhar para o presente numa perspetiva de mais longo prazo e compreender os movimentos migratórios de e para Israel”, afirmou.

“A imagem geral é a de que a Aliá é, fundamentalmente, uma escolha ideológica — pessoas que desejam voltar a juntar-se ao seu povo, à sua religião e que pensam no futuro dos filhos, bem como na pressão do antissemitismo.”

Embora isso seja verdade em alguns casos, disse, os seus estudos levam-no a concluir que as considerações económicas são geralmente mais importantes. “O motor dominante da migração para Israel tem sido a situação económica nos países de origem. Se a situação em Israel for melhor, Israel é mais atrativo. Se não for, é menos atrativo”, afirmou.

Yigal Palmor, responsável pelas relações internacionais da Agência Judaica para Israel, que facilita a Aliá, disse à CNN: “As pessoas têm muitas motivações para vir para Israel. O antissemitismo é uma delas, mas certamente não é a única.” Palmor confirmou a queda na Aliá, mas disse que esperava que fosse “mais acentuada”.

“Muitas pessoas hesitam em vir neste momento, mas outras sentem a necessidade de estar ao nosso lado, tornar-se israelitas e contribuir para o país quando ele mais precisa.”

DellaPergola vê a mudança no quadro migratório como parte de uma incerteza mais ampla sentida por judeus em todo o mundo.

“Está toda a gente insatisfeita e com medo e acha que há melhores pastos noutro lugar, mas não é verdade. No Ocidente não há serviço militar obrigatório de reserva, não há mísseis, não há alarmes. Por outro lado, lêem-se relatos de agressões antissemitas inacreditáveis em países ocidentais”, disse.

“Os judeus sentem-se muito desorientados.”

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