Quem soube da morte da rainha primeiro e porquê: das faixas pretas nos braços à suspensão da sátira - eis o célebre protocolo britânico

8 set 2022, 22:28
Rainha Isabel II

Todos sabem o que fazer, quando, por que ordem, durante que tempo

O plano foi colocado em marcha esta quinta-feira já a rainha tinha morrido e o mundo ainda não o sabia: foram feitos boletins sobre o estado de saúde de Isabel II, o secretário privado serviu de intermediário, a primeira-ministra recebeu a chamada a informar que “a Ponte de Londres caiu”, foram feitas comunicações através de sistemas próprios para permitir que a notícia da morte chegasse primeiro aos líderes políticos e diplomatas da Commonwealth, que colocaram uma faixa preta no braço. Só depois é que o resto do mundo foi informado.

A notícia seguiu, num comunicado de imprensa, para os órgãos de comunicação social. O site da família real tornou-se negro com a mesma mensagem: a rainha morreu. Nos estúdios de rádio piscaram luzes azuis a avisar os locutores para uma lista de músicas preparada para situações de luto. A BBC ativou um sistema misterioso, preparado para aguentar um ataque à infraestrutura nacional. Com um tom grave, o pivô da BBC vestido de negro deu a notícia, começando com “This is BBC from London”. Eram 18:31 de 8 de setembro. O hino confirmava o que há muito se receava.

As bandeiras no país puseram-se a meia haste, o parlamento suspendeu as atividades. A multidão aglomerou-se nas praças. Os jogos de cricket, râguebi e hóquei foram cancelados, assim como as corridas de cavalos. Como a morte foi anunciada depois das 16:00, o National Theatre não interrompeu as sessões da noite. Os especialistas em realeza britânica viram os seus contratos de exclusividade serem ativados para falarem sobre o tema.

O que acontece ao corpo da rainha?

Isabel II faleceu em Balmoral, na Escócia, onde passava três meses do ano. Há por isso um cerimonial escocês a cumprir, com a chamada “Operação Unicórnio”. O corpo da rainha vai repousar no mais pequeno dos seus palácios, Holyroodhouse, em Edimburgo. É transportado ao longo da Royal Mile até à Catedral de St. Giles para uma cerimónia de receção. A urna é depois colocada a bordo do comboio real para um percurso que deve ser acompanhado de milhares de britânicos ao longo de cada lado dos caminhos-de-ferro. Destino: Palácio de Buckingham, a sua principal morada em vida.

Enquanto isso, por todo o Reino Unido – e mais concretamente em Londres – começam os ensaios para o funeral, marcado para o décimo dia após a morte. O luto nacional vai demonstrar-se das mais variadas formas -as televisões, por exemplo, vão evitar programas satíricos. Isto porque há um plano que dita precisamente o que cada um deve fazer.

Os primeiros planos para lidar com a morte da Isabel II, conhecidos como “London Bridge”, datam da década de 1960. Foram reformulados no início do novo século e implicaram duas ou três reuniões anuais para que todos os envolvidos estivessem a par de tudo. Esta quinta-feira, 8 de setembro, é o Dia D, da morte. Os que se seguem são os dias +1, +2 e assim sucessivamente até ao +10, quando se realiza o funeral.

+1: a ascensão de Carlos

No dia seguinte à morte da rainha, as bandeiras voltam a subir. Westminster Hall vai ter o chão limpo e coberto de carpetes. O príncipe Carlos é proclamado rei pelo Conselho de Acessão. Carlos III, de seu nome. A coroação, essa, pode levar meses.

Ao final da manhã, Carlos III fala ao país. O hino nacional vai ser tocado em tambores cobertos de tecido preto. Os arautos, à maneira antiga, espalham a notícia por Londres, entre disparos de artilharia. Na velha fronteira da City londrina instala-se um cordão vermelho como barreira. 

Na agenda do rei está um encontro com a primeira-ministra britânica. Carlos vai depois preparar-se para um pequeno périplo pelo Reino Unido, visitando Edimburgo, Belfast e Cardiff, onde recebe  cumprimentos dos líderes dos governos descentralizados e assiste a cerimónias de homenagem à falecida rainha.

+2: a transferência para Buckingham

Enquanto isso, o corpo de Isabel II regressa à sala do trono no Palácio de Buckingham, virado para o pátio interior. A rodeá-la, os símbolos reais. Honras de guarda, com as espingardas a apontar para o chão.

+3: a partida de Carlos

Depois de receber a moção de condolências em Westminster Hall, o novo rei inicia a viagem pelo Reino Unido, começando pela Escócia.  

+4: O ensaio

Enquanto Carlos visita a Irlanda do Norte há um ensaio para o transporte do caixão entre o Palácio de Buckingham e Westminster Hall. Já longe dos olhares do público, dez pessoas escolhidas para transportar o caixão continuam os treinos. Isto porque os membros da família real são sepultados em caixões com revestimento de chumbo. O da princesa Diana, por exemplo, pesava 250 quilos.

+5: a mudança para Westminster

O Big Ben toca quando o caixão chegar a Westminster Hall. Vão ser ouvidos salmos, segue-se uma celebração religiosa. O novo rei está de volta a Londres para liderar as homenagens. A esfera, o cetro e a coroa imperial são fixados nos respetivos lugares. Só depois é que as portas se abrem às multidões de britânicos (e não só) que querem prestar a última homenagem. O corpo fica em câmara ardente três dias. A visita pode ser feita 23 horas por dia. Os convidados VIP têm direito a bilhetes com acesso rápido. Esperam-se meio milhão de pessoas.

+6: as homenagens

Os ensaios vão continuar, inclusive para o cortejo do funeral de Estado. Ninguém vai querer falhar na tarefa de que foi incumbido. O novo rei vai dirigir-se ao País de Gales para terminar o périplo. As famílias convidadas começam a chegar, alojando-se no Palácio de Buckingham. As homenagens nas ruas sucedem-se, transformadas em lugares de culto. Nos meios de comunicação social, a cobertura planeada durante anos continuará a sair.

+10: o funeral

É a última etapa deste processo. Na véspera, as joias reais devem ser retiradas do caixão e limpas. Dia de luto nacional. As lojas devem fechar, as montras encher-se de imagens da rainha. Nas ruas, apesar de não haver dispensa do trabalho, multidões na despedida. O Big Ben toca às nove da manhã.

Duas horas depois, o caixão chega à Abadia de Westminster, após percorrer poucos metros. No interior, dois mil convidados. Câmaras de televisão escondidas a mostrar a cerimónia ao mundo. Ao meio dia, o silêncio em todo o país.

A urna será levada num percurso por Londres, de vários quilómetros, numa carruagem militar verde levada pela Marinha Real até ao Castelo de Windsor, onde repousam os restos mortais dos soberanos britânicos. Os portões irão fechar-se para o mundo. O que se segue é reservado para a família. Depois do serviço religioso na Capela de São Jorge, o corpo desce à cripta. Isabel II ficará ao lado do marido, Filipe. O novo rei, Carlos, vai soltar sobre a sepultura da mãe terra tirada de uma taça dourada.

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