Estão quase a trazer a família da Isabel: "É vergonhoso que seja preciso mediatismo para isto acontecer"

7 fev 2022, 22:00
Raio-x a um pulmão com tuberculose. Isabel Bapalpeme tinha 15 anos quando apanhou a doença na Guiné-Bissau. Foto: Lefteris Pitarakis/AP

A guineense Isabel Bapalpeme está há quatro anos em Portugal à espera de um transplante de pulmão e da mãe. O Governo garante agora que o visto está a ser tratado

Isabel Bapalpeme, guineense de 29 anos, está há oito anos sozinha em Portugal à espera de um transplante de pulmão. A pneumologista Ana Cysneiros conheceu-a em 2014. "Fui eu que a recebi no Hospital Pulido Valente", recorda à CNN Portugal. Isabel tinha na altura 27 quilos num corpo de 1,73 metros e estava bastante debilitada. Tinha tido uma tuberculose aos 15 anos, que poderia ter sido tratada com um antibiótico. Mas não havia antibióticos na aldeia onde morava, no meio do mato, na Guiné-Bissau. A doença arrastou-se e Isabel acabou por vir para Portugal com 21 anos, de urgência, ao abrigo do programa de cooperação internacional para a saúde. Esteve internada e acabou por curar a doença, mas as lesões nos pulmões são irreversíveis. O transplante é a sua única esperança.

“A Isabel tem o pulmão direito completamente destruído e tem o esquerdo com muitas sequelas. Tem uma função pulmonar muito comprometida", explica a médica. À medida que perde capacidade respiratória, a qualidade de vida de Isabel Bapalpeme tem se vindo a deteriorar. Neste momento, precisa de receber oxigénio permanentemente, 24 horas por dia. E passa cada vez mais tempo em casa, pois tem cada vez mais dificuldade em deslocar-se, seja para ir às aulas ou à biblioteca, as poucas saídas que antes fazia. Mora no Barreiro, num apartamento sem confortos e praticamente sem mobília, e vive do Rendimento Social de Inserção e da ajuda de um primo. Mas o que Isabel queria mesmo era ter a mãe ao seu lado. 

O suporte familiar é um dos fatores fundamentais para um doente poder ser transplantado, uma vez que, para a recuperação após a cirurgia, será necessária bastante ajuda. Isabel está em lista de espera, mas o facto de viver sozinha é um obstáculo ao sucesso da intervenção. Por isso, os médicos que a acompanhavam no Centro Hospitalar Lisboa Norte enviaram, em 2018, duas cartas à Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau apelando à emissão de um visto para a vinda da mãe. No entanto, até sexta-feira, não tinha havido qualquer resposta.

MNE garante que mãe de Isabel vai ter visto

Foi preciso que a história fosse noticiada no Expresso e partilhada nas redes sociais para que as autoridades se interessassem pelo assunto e entrassem em contacto com a mãe de Isabel.

À CNN Portugal, o Ministério dos Negócios Estrangeiros garantiu esta segunda-feira que a mãe de Isabel "é recebida hoje na Secção Consular da Embaixada em Bissau para ser processado o visto nacional para acompanhamento de familiar, o que será concluído logo que sejam apresentados os documentos exigidos por lei".

"A referida cidadã apresentou, há cerca de três anos, um pedido de visto Schengen sem, contudo, preencher os respetivos requisitos. Entre o indeferimento do referido pedido e o momento presente não foram apresentados outros pedidos de emissão de visto por esta cidadã, não tendo, assim, existido desenvolvimentos subsequentes deste caso", justifica o MNE.

Na verdade, a mãe deveria ter requerido um visto nacional de estada temporária para acompanhamento de familiar sujeito a tratamento médico. O pedido de visto feito em 2018 foi recusado, por “não ser possível comprovar a intenção da requerente [a mãe, Sábado Bapalpeme] de abandonar o território antes do visto caducar”. Ou seja, por não existir uma data de regresso da mãe, temendo-se a permanência irregular em Portugal.

Mas Ana Cysneiros recorda que o pedido de visto foi acompanhado por dois relatórios médicos "que detalham toda a situação clínica da Isabel e referem a importância de ela estar acompanhada neste processo". "Esses documentos existem mas ninguém lhes prestou atenção", afirma a médica, lamentando ainda que se exija a uma pessoa não alfabetizada que saiba qual o tipo de visto que deva pedir e que se oriente nos meandros burocráticos sem que ninguém na embaixada preste qualquer orientação. 

"Estamos à espera do visto, vamos ver o que vai acontecer", diz Ana Cysneiros, que não se quer alegrar enquanto não tiver a certeza que a situação está desbloqueada.

Campanha já reuniu dinheiro para os bilhetes de avião

Carmen Garcia leu a história de Isabel Bapalpeme no Expresso no sábado de manhã. "Senti-me logo mal disposta e achei que tinha de fazer alguma coisa", conta à CNN Portugal. A enfermeira, conhecida pelas páginas que mantém nas redes sociais (A Mãe Imperfeita e A Enfermeira Imperfeita), foi a impulsionadora, em novembro passado, da campanha de ajuda a Tatiana, uma jovem de 22 anos que perdeu os pais e ficou responsável pelos três irmãos menores. "O que faz falta é alguém que dê o primeiro passo e faça alguma coisa, e isso eu faço, depois acredito que a ajuda aparece sempre", diz.

Carmen entrou em contacto com Ana Cysneiros para perceber do que é que Isabel precisava e decidiu avançar em duas frentes: "Por um lado, era preciso dinheiro para os bilhetes de avião da mãe da Isabel e dos irmãos, que são ainda menores e não podem ficar sozinhos na Guiné. Por outro lado, a Isabel precisava de coisas muito básicas em casa pois nem um sofá tinha."

Assim, nesse mesmo dia, abriu uma conta no GoFundMe, para recolher três mil euros para as passagens de avião, e também colocou nas suas redes sociais uma "lista de compras", perguntando aos seus seguidores quem é que poderia oferecer um edredão, lençóis, mesas, cadeiras, um sofá-cama, uma varinha mágica, chinelos de quartos e outros objetos.

"Em três horas atingimos o objetivo da recolha de fundos", conta Carmen Garcia, visivelmente feliz. E até ao final do sábado várias pessoas se associaram à campanha e asseguraram a compra dos vários objetos, outras pessoas ofereceram livros e até houve uma marca que ofereceu um aspirador-robot. 

"Todos juntos conseguimos tornar-lhe a vida um bocadinho melhor. Mas o mais importante é conseguirmos que a mãe da Isabel venha para junto dela. É vergonhoso que seja preciso algum mediatismo para que as autoridades façam alguma coisa", conclui.

Segundo a média Ana Cysneiros, Isabel é uma pessoa "muito tímida e muito reservada". "Foi preciso chegar ao limite das suas forças para pedir ajuda. E neste momento está bastante ansiosa com toda esta exposição, já recusou vários pedidos de entrevistas. Ela só quer ter a sua família por perto e tentar ficar boa." 

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