Em setembro e outubro do ano passado houve motivos de alegria com uma espécie de ‘bónus’ no ordenado. Agora, na hora de entregar a declaração de IRS referente aos rendimentos de 2024, é apenas o reverso da medalha. O que já recebeu não pode vir em forma de reembolso. E temos simulações para mostrar que, mesmo que ainda tenha de pagar alguma coisa referente ao ano passado, está a pagar menos do que pagou em 2023
Há três letrinhas que andam à volta na sua cabeça por estes dias, certo? Na hora de tratar do IRS há muitas dúvidas. Mas a declaração que está a ser entregue por estes dias, referente aos rendimentos de 2024, traz duas certezas.
Primeira: ganhe o que ganhar, no final das contas, o imposto que se aplica a si referente ao que recebeu no ano passado, é menor do que no ano anterior.
Segunda: ganhe o que ganhar, no final das contas, é certo que o reembolso será “sempre” mais pequeno - ou que acabará mesmo a pagar.
O cenário é confirmado à CNN Portugal por Luís Nascimento, fiscalista e sócio da ILYA.
Evite o pior, valide as faturas (há um caminho de recurso)
Antes de apanhar um susto com os valores que vai ver abaixo, é preciso explicar que as simulações da ILYA são feitas sem qualquer dedução. Ou seja, mostram o valor que retém na fonte mensalmente e o valor anual que teria de pagar em imposto sem ter em conta os efeitos das despesas de educação, de saúde ou com transportes públicos, que ajudam a “reduzir ou anular o IRS a pagar”.
“É improvável que uma família com filhos não consiga ter deduções suficientes para reduzir ou eliminar este imposto”, aponta Luís Nascimento.
E daí a importância de ir validando, ao longo do ano, as suas faturas no portal E-fatura. Se não o fez para a declaração que está a entregar, não ponha já as mãos à cabeça para lamentar a sua vida. Há um último recurso para evitar o pior: “existe a possibilidade de, no preenchimento da declaração, mencionar que não quer o valor do E-Fatura e que vai manuscrever esses valores”. É através do anexo H.
Outra dica deste especialista é para quem faz o IRS Jovem: é melhor “não entrar no automático”, fazê-lo manualmente, para evitar falhas do sistema.
Caso 1: solteiro sem filhos
Tomemos um solteiro, sem filhos, com um rendimento mensal de 1.000 euros, num total de 14 mil euros anuais.
Em 2023 fez retenções na fonte de 1.442 euros. Na entrega da declaração, já em 2024, teria de imposto a pagar 1.343 euros. Como reteve mais do que tinha de pagar, e sem ter em conta qualquer dedução, teria direito a um reembolso de 99 euros.
Em 2024, considerando o mesmo contribuinte e considerando que não teve um aumento salarial, a situação é diferente. Logo em janeiro houve uma descida do IRS, através da redução das taxas anuais, e na segunda metade do ano houve uma segunda descida de imposto. E para acomodar estas descidas, o Governo desceu muito as taxas de retenção mensal, especialmente em outubro e novembro. Resultado: o mesmo contribuinte apenas teve de retenções na fonte 966 euros. E na entrega da declaração, já este ano, aplicam-se-lhe 1.073 euros de IRS. Sem o efeito de qualquer dedução, faltaria pagar ao Estado 107 euros para equilibrar as contas.
Ou seja, pagou menos IRS do que em 2023 (1.073 euros face a 1.343 euros, uma poupança de 270 euros), mas como reteve muito menos ao longo do ano (996 euros em 2024 face a 1.442 euros de 2023) não só não tem direito a reembolso, como ainda terá de pagar.
Caso 2: casal, casado, com um filho
Seguindo a mesma lógica do exemplo anterior (sem aumento salarial e sem deduções), tomemos agora um casal, com um filho, com um rendimento mensal conjunto de 2.600 euros, num total de 36.400 euros anuais.
Em 2023, esse casal fez retenções na fonte de 4.788 euros. Na entrega da declaração, já em 2024, teria de pagar 4.157 euros de imposto. Como reteve mais do que tinha de pagar, e sem os efeitos de qualquer dedução, o reembolso mínimo seria de 631 euros.
Esse mesmo casal teve, no ano passado, uma retenção na fonte de 3.030 euros. Na entrega da declaração, já este ano, deve 3.176 de IRS. Ou seja, faltam ainda 146 euros, que têm agora de ser pagos ao Estado. Como vimos acima, é provável que esse efeito seja anulado com a integração das deduções.
Contas feitas: de um ano para o outro, este casal poupou 981 euros em IRS, mesmo com a sombra de um pagamento que não era habitual. Isto porquê? Porque, ao final do mês, há mais rendimento disponível.
Caso 3: casal, casado, com um filho
Tomemos um casal, com dois filhos, com um rendimento mensal conjunto de 3.600 euros, num total de 50.400 euros anuais.
Em 2023, esse casal fez uma retenção na fonte de 8.498 euros. Na entrega da declaração, já em 2024, teria de pagar 7.523 euros de imposto. Como adiantou mais do que tinha de pagar, e sem os efeitos de qualquer dedução, o reembolso mínimo seria de 975 euros.
Esse mesmo casal teve, no ano passado, uma retenção na fonte de 5.658 euros. Na entrega da declaração, já este ano, deve 5.919 de IRS. Ou seja, faltam ainda 261 euros para equilibrar as partes, que têm agora de ser pagos ao Estado.
Contas feitas: de um ano para o outro, este casal poupa 1.604 euros em IRS, mesmo com a sombra de um pagamento que não era habitual. Uma vez mais porque, ao final do mês, houve mais rendimento disponível.
Preferia o reembolso? É só voltar atrás no tempo
Lembra-se quando, em setembro e outubro, viu cair na conta um salário maior à custa do mecanismo de compensação que o Governo criou para refletir as mudanças no IRS? Sim, é aí que está parte do reembolso a que estava tão habituado - e que agora não deverá receber.
Em julho, depois de o diploma do IRS ter sido aprovado pela oposição, o ministro das Finanças argumentava que violava a norma travão. Na hora de promulgar, o Presidente da República vincava que, para evitar um rombo tão grande nas contas públicas, o “momento da repercussão nas receitas do Estado está dependente de regulamentação do Governo, através da fixação das retenções na fonte, pelo que podem também só ter impacto no próximo ano orçamental”.
Basicamente, era compensar logo em 2024 ou então ter reembolsos bem mais chorudos em 2025. O Governo seguiu num sentido oposto à sua posição inicial e aprovou, no final de agosto, as novas tabelas de retenção na fonte. De tal modo que os salários de setembro e outubro vieram bem maiores para os portugueses, enquanto se negociava o Orçamento do Estado para 2025. Agora é só o reverso da medalha.
Habitue-se: o reembolso é sempre a encolher
Provavelmente é daqueles que usavam o reembolso do IRS para pagar o IMI da casa, o seguro do carro ou até mesmo as férias do verão. Se sim, provavelmente estará também a queixar-se do facto de o reembolso deste ano vir mais pequeno, mesmo que agora receba mais ao final do mês.
Num país habituado ao reembolso do IRS, deveria ter o Governo encontrado uma solução mais equilibrada, que distribuísse mais o dinheiro entre 2024 e 2025? O fiscalista Luís Nascimento vinca que é um equilíbrio difícil e sempre sujeito a críticas.
“Todos os anos ouço pessoas a dizer que andamos a financiar o Estado com retenções na fonte a mais para recebermos reembolsos maiores. O Governo poderia ter balanceado e não ter reduzido tanto. Se o tivesse feito, certamente, seria criticado por continuar a não aproximar as retenções na fonte às taxas finais de IRS. Quando o faz, recebe a crítica contrária, por haver menos reembolso”, sintetiza à CNN Portugal.
Por isso, habitue-se a não contar tanto com o reembolso do IRS: a tendência é a de aproximar a retenção na fonte ao valor do imposto. Não há nada como começar a poupar aquilo que vem a mais no final do mês.