ANÁLISE. São essencialmente as grandes empresas que pagam imposto em Portugal. Só uma alteração deste panorama permitiria que uma descida do IRC viesse a beneficiar a generalidade das restantes empresas. Este é um retrato do IRC em Portugal para ajudar a perceber os efeitos de uma descida do imposto
A discussão em Portugal sobre a descida do imposto que recai sobre o lucro das empresas é cíclica e estourou novamente no passado fim-de-semana quando o ministro da Economia, António Costa Silva, defendeu uma descida transversal do IRC.
“Era um sinal muito grande que se poderia dar a todo o nosso tecido produtivo”, disse o ministro, numa entrevista à TSF/Jornal de Notícias.
Mas Costa Silva ficou a falar sozinho dentro do Governo.
Primeiro, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, disse que a política fiscal “não é a solução mágica para todos os problemas de política económica”, depois, o ministro das Finanças, Fernando Medina, lembrou que o assunto tinha e devia ser discutido previamente com os parceiros sociais.
Quem apanhou a boleia do ministro da Economia foi um dos parceiros sociais, o presidente da CIP, António Saraiva, que disse estar convicto de que iria ser surpreendido com uma proposta de Orçamento para 2023 onde estaria uma redução da taxa de IRC de 21% para 19%.
O que é um facto é que o Programa do Governo não é omisso em relação à necessidade de promover a competitividade das empresas por via fiscal. Mas em relação a uma redução transversal de IRC não estabelece rigorosamente nada. Zero.
Mas seria uma descida de IRC promotora da competitividade da generalidade das empresas? E quais seriam as empresas que mais beneficiariam dessa descida?
As estatísticas de IRC relativas ao ano 2020 divulgadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ajudam a dar algumas respostas (mas prepare-se, são muitos números).
Quem pagou IRC em 2020?
Em Portugal, apenas pouco mais de metade das empresas (56,9%) pagaram IRC em 2020. E, se olharmos apenas para aquelas que pagaram IRC relativo ao respetivo exercício, então, o valor desce para 39,6%. As restantes só pagaram imposto através do Pagamento Especial por Conta ou porque pagaram IRC relativo a outros anos. Mas no final, das quase 522 mil empresas que entregaram declaração de IRC, mais de 224 mil (43,1%) não pagaram nada. Zero.
E se olharmos em termos evolutivos, seguindo as mesmas estatísticas, vemos que 2020 não foi caso único, só foi o pior dos últimos três. Aumentou o número de empresas a entregar declaração de imposto. Mas também aumentou o número de empresas que não pagam qualquer imposto.
Falemos de lucros
O que as estatísticas nos mostram é que o tecido empresarial português é constituído por empresas pequenas. Das quase 522 mil empresas que entregaram declaração, 88% (quase 460 mil) apresentaram um volume de negócios inferior a 500 mil euros por ano. Com um volume de negócios superior a 25 milhões de euros por ano, havia 0,3% de empresas, não chegavam a 1.600.
Os lucros declarados pelas empresas portuguesas que são sujeitos a impostos também dão algumas pistas. Em 2020, do total das empresas, só 44,3% (pouco mais de 231 mil) apresentaram lucros tributáveis. As restantes 55,7% (mais de 290 mil) apresentaram prejuízos fiscais ou um resultado fiscal igual a zero.
E, quando se olha mais em pormenor para as empresas que pagaram algum IRC em 2020, então percebemos que são as de maior dimensão as que mais pagaram. Aliás, pagam quase tudo.
As empresas com volume de negócios superiores a 25 milhões de euros (as tais que não chegam a 1.600 e representam 0,3% do total das declarações entregues), pagaram quase metade do total do IRC (48,4%).
Já as empresas mais representativas em termos de declarações (88%), as que têm um volume de negócios inferior a 500 mil euros por ano, foram responsáveis por menos de 15% do IRC liquidado.
Mas é ainda possível detalhar mais. Em 2020, havia em Portugal 125 empresas com um volume de negócios superior a 250 milhões de euros de euros: representaram 22% do total do imposto liquidado.
E analisando a distribuição do IRC pago por atividade económica verifica-se que a atividade financeira e seguros representa 20,9% do total, o comércio por grosso e a retalho 19%, e a indústria transformadora 14,3%. Estes três setores, no total, representam mais de metade do IRC pago em 2020.
Falemos de taxas
A taxa de IRC em Portugal pode chegar aos 31%. Mas entre as empresas que pagam IRC nem todas pagam 31%.
Mas vamos por partes. O Código do IRC prevê uma taxa de 21%, mas para as empresas de menor dimensão a taxa é de 17% para os primeiros 25 mil euros de matéria tributável. Assim, em 2020, a taxa média efetiva foi de 18,4% e não os 21%.
Depois ainda há a derrama estadual que pode fazer acrescer aos 21% uma taxa que varia entre 3%, 5% e 9%, consoante o rendimento sujeito a imposto da empresa variar entre 1.500.000 euros ou seja superior a 35 milhões de euros. E por fim ainda há a derrama autárquica que é definida pelas autarquias e pode atingir 1,5%.
Faz sentido uma descida de IRC?
Uma descida transversal da taxa do IRC poderia fazer mais empresas pagar imposto? Essa descida faria as empresas aumentar os seus lucros sujeitos a tributação? São perguntas sem uma resposta segura. Mas com o panorama atual, a descida do IRC só beneficiaria quem já paga imposto. E entre estes estão, essencialmente, as grandes empresas.