Localizada praticamente no centro do país que agora se vê em conflito com Israel, a central de Fordow é um alvo aliciante aos olhos dos EUA. É ali que está grande parte do programa nuclear que o Irão desenvolveu para conseguir ter uma arma. Para o destruir é preciso um envolvimento direto norte-americano
Os olhos do mundo estão em Fordow, a infraestrutura nuclear do Irão que parece apetecível a Israel e aos Estados Unidos (EUA). A crescente tensão na região, aliada às revelações sobre o funcionamento e blindagem desta instalação subterrânea, colocam Fordow no centro de uma possível operação militar com consequências imprevisíveis.
Cinco túneis escavados num conjunto de montanhas, uma grande estrutura de apoio e um amplo perímetro de segurança é tudo o que se pode ver àà porta de uma das principais infraestruturas nucleares do Irão, a partir das mais recentes imagens de satélite. Desde que foi tornada pública em 2009, esta instalação permanece envolta em secretismo.
“Fordow é uma central de enriquecimento que funciona como bunker a grandes metros de profundidade. Estamos a falar de algo altamente especializado que contém centrifugadoras, segundo a Agência Internacional de Energia Atómica”, afirma Luís Guimarãis, especialista em Física Nuclear.
O coração da instalação está localizado a uma profundidade estimada entre os 80 e os 100 metros, o que representa grandes dificuldades para qualquer bomba convencional. Ainda assim, há uma forma de destruir o bunker iraniano. Mas essa possibilidade só pode vir dos EUA.
Como atacar o que parece inatacável?
Desenvolvida pelos EUA para enfrentar alvos subterrâneos como Fordow, a bomba GBU-57 A/B MOP pesa cerca de 14 toneladas e foi concebida para penetrar estruturas fortificadas antes de detonar no seu interior. Parece, neste momento, a única forma de chegar até à profundidade da central nuclear.
“É uma bomba que os EUA desenvolveram no sentido de poderem atacar infraestruturas subterrâneas sem ser necessário o uso de armas nucleares. Ou seja, tem uma destruição que pode ser semelhante, mas sem as radiações”, explica o major-general Agostinho Costa, referindo-se à GBU-57 A/B MOP.
Mas até esta arma encontra limites no desafio que representa Fordow. “Há um outro lado da mão. Esta bomba é de alta precisão, mas não pode ser lançada a 90 quilómetros, como por exemplo as bombas russas. Tem de ser lançada sob o objetivo, o que implicaria que chegasse à zona do alvo, ou seja, teria de ir em profundidade dentro do Irão”, refere Agostinho Costa.
“Normalmente esta bomba tem o mesmo princípio dos mísseis Taurus, que têm uma capacidade menor. Em boa verdade pesa 14 toneladas, mas o explosivo são 2,7 toneladas", sublinha o major-general, acrescentando que "tem dois tipos de explosivo: o primeiro permite perfurar as estruturas para, posteriormente, quando chega a um espaço aberto, o bunker propriamente dito, produzir um rebentamento”.
Os problemas, no entanto, não se ficam por aí. A operação para atingir Fordow exigiria um esforço logístico e militar de proporções invulgares. Para chegar à central nuclear, as bombas norte-americanas precisam de um transporte próprio capaz de movimentar o seu bruto peso: o B-2 dos EUA.
“O único bombardeiro com capacidade para lançar estas bombas é o B-2 norte-americano, que está em fim de ciclo de vida. Há até algumas dúvidas se de facto é eficaz, o que está a obrigar os EUA a desenvolver um sucessor, o B-21”, aponta, acrescentando que, “segundo algumas fontes, para destruir Fordow seriam necessários seis bombardeiros deste tipo, ou seja, 12 bombas, o que seria bastante”, alerta o major-general, explicando que o B-2 consegue transportar apenas duas bombas de cada vez.
A profundidade e blindagem do complexo faz com que, mesmo com bombas perfurantes como a GBU-57, não haja garantias absolutas de destruição total. “Há muito secretismo em volta disto. Algumas fontes dizem que estes centros têm dispositivos com betão armado. Nunca foi testado, certamente ficarão bastante afetados com um ataque”, afirma.
E se Fordow for atacada?
Um possível ataque a Fordow levanta sérias questões quanto às consequências que poderia trazer à saúde da população envolvente.
“Fordow contém hexafluoreto de urânio, conhecido como UF6, que, em caso de contaminação de um lençol aquífero, não vai muito longe”, explica Luís Guimarãis. “O próprio UF6 é muito tóxico, mas há muita experiência em lidar com ele por ser uma peça fundamental do enriquecimento, tanto para energia nuclear civil como militar. É como lidar com lixívia. Se soubermos o que estamos a fazer, não há perigo.”
Contudo, se libertado acidentalmente, o contacto do UF6 com a água pode originar ácido fluorídrico, um composto altamente corrosivo para os pulmões humanos, como alerta o especialista em Física Nuclear. “O grande perigo é se entra na central alguém sem uma proteção adequada. A inalação do UF6 poderia criar a um individuo queimaduras ou aumentar a possibilidade de vir a ter cancro nos pulmões”, reitera.
Apesar do receio de um possível ataque, Luís Guimarãis acredita que os riscos poderiam ser piores caso Israel atacasse uma outra central iraniana. “O perigo de contaminação poderá ser maior em Natanz do que em Fordow, já que se localiza mais à superfície”, defende, acrescentando que “se Fordow for atacado é virtualmente impossível haver explosão nuclear".
Fordow, o alvo que falta a Israel
Localizada praticamente no centro do país que agora se vê em conflito com Israel, a infraestrutura de Fordow é um alvo aliciante aos olhos dos EUA. A explicação? É a única central em funcionamento por esta altura.
“Natanz está inoperacional, pelo que os EUA ou Israel não têm qualquer interesse em atacar. O foco, muito provavelmente, será mais Fordow, pois está operacional. Israel destruiu tudo aquilo que estava ligado ao ciclo de enriquecimento. Resta esta central, a única neste momento em funcionamento”, sublinha Luís Guimarãis, afirmando ainda que “se vê que Israel sabia o que estava a fazer [quando atacou outras centrais], pois atingiu os edifícios nevrálgicos para o ciclo de enriquecimento". "Foram cirúrgicos, especialmente em Natanz e Khondab".
"O processo de enriquecimento é explicado em quatro passos: a mineração (que não faz sentido atacar logisticamente); a conversão (onde foi atacado um edifício em Isfahan), o enriquecimento (onde se inserem as centrais de Fordow e Natanz); e o fabrico de combustível (localizado num edifício destruído também em Isfahan)", explica o especialista em física nuclear.
Ainda que o foco de Washington e Jerusalem seja por esta altura Fordow, os riscos elevados e os custos astronómicos (estima-se que cada GBU-57 custe 20 milhões de dólares), poderiam não compensar um ataque à central já que não resolveria, necessariamente, a ameaça nuclear iraniana, como acredita Agostinho Costa.
“O Irão tem cinco centros, portanto já vimos que os norte-americanos não os conseguem destruir a todos. Este ataque pode ser um ato simbólico para limpar a face e para consumo interno. Isto não resolve a questão do conflito”, defende o major-general.
Ataque à central de Bushehr "seria um desastre"
Nas últimas horas, o diretor da Agência Internacional de Energia Atómica advertiu que um ataque direto à central nuclear iraniana de Bushehr resultaria numa “libertação muito elevada de radioatividade” que afetaria as pessoas num raio de centenas de quilómetros da central.
Perante o Conselho de Segurança da ONU, Rafael Grossi, afirmou que Bushehr é “a instalação nuclear no Irão onde as consequências de um ataque podem ser mais graves”. Ele disse que, como uma usina nuclear em operação, Bushehr detém “milhares de quilos de material nuclear”.
A localização de Bushehr, no sul do Irão, significa que está mais perto das capitais de vários aliados dos EUA na região do que de Teerão e, por isso, Grossi manifesta preocupação.
"Quero deixar isto absoluta e completamente claro. No caso de um ataque à central nuclear de Bushehr, um ataque direto resultaria numa libertação muito elevada de radioatividade para o ambiente", afirmou.