A decisão do Presidente dos EUA, Donald Trump, de atacar as instalações nucleares iranianas coloca o Médio Oriente numa posição volátil, com todos os olhos postos na próxima ação de Teerão.
Em declarações a partir de Istambul, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Abbas Araqhchi, disse no domingo que o seu país tem “uma variedade de opções” para decidir como responder aos ataques dos EUA.
Desde atacar as bases americanas na região até ao possível encerramento de uma via fluvial fundamental para a navegação mundial, o Irão está provavelmente a ponderar as suas próximas ações. Todas comportam riscos inerentes para a República Islâmica, para Israel e para os Estados Unidos.
Eis o que deve saber:
O Irão pode afetar os interesses militares dos EUA na região
O envolvimento direto dos EUA no conflito poderia levar o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC) do Irão a ativar o que resta dos seus representantes no Iraque, no Iémen e na Síria, grupos que já lançaram ataques contra ativos americanos na região.
Embora o mais forte aliado do Irão na região tenha sido, em tempos, o Hezbollah libanês, esse grupo foi significativamente enfraquecido pelos ataques israelitas.
O Council on Foreign Relations (CFR) afirma que os EUA mantêm presença em 19 locais na região, oito dos quais são considerados pelos analistas como tendo uma presença permanente dos EUA. A 13 de junho, o CFR estimava em cerca de 40 mil o número de militares norte-americanos no Médio Oriente.
No Iraque, por exemplo, havia 2.500 soldados americanos no final do ano passado. Um ataque iraniano a estas forças não é inconcebível. Em 2020, um ataque de mísseis iranianos a uma guarnição americana deixou mais de 100 soldados com lesões cerebrais traumáticas.
Os iranianos disseram “várias vezes” que se os EUA “se juntarem a esta guerra e atacarem as suas instalações nucleares irão retaliar contra as forças dos EUA na região, contra os interesses dos EUA, e há muitos deles”, refere o analista político e de assuntos globais da CNN, Barak Ravid.
Um recrudescimento dos ataques do Iémen contra os ativos dos EUA já está em cima da mesa. Os rebeldes Houthis do Iémen, apoiados pelo Irão, prometeram anteriormente atacar navios americanos no Mar Vermelho se os EUA se juntassem ao conflito entre Israel e o Irão. Um destacado oficial houthi afirmou numa publicação nas redes sociais, no início de domingo, que “Trump deve suportar as consequências” dos ataques aéreos dos EUA.
Não é claro se isto marca o fim de um cessar-fogo entre os EUA e os Houthis, alcançado em maio, quando Washington afirmou que iria parar a sua campanha militar contra os Houthis em troca de o grupo parar os seus ataques aos interesses dos EUA na região.
Sabendo que não pode vencer um conflito contra Israel e os EUA, Teerão pode tentar entrar numa guerra de desgaste, segundo indicam os especialistas, uma em que tenta esgotar a vontade ou a capacidade de luta do seu adversário num conflito prolongado e prejudicial que Trump, no início da sua presidência, afirmou querer evitar.
O Irão pode perturbar o comércio mundial de petróleo
O Irão também tem o poder de influenciar “toda a navegação comercial no Golfo”, ressalta Ravid, caso decida fechar o Estreito de Ormuz, uma rota fundamental para o transporte de petróleo.
Até à data, não se registaram perturbações significativas no fluxo global de petróleo. Mas se as exportações de petróleo forem interrompidas, ou se o Irão tentar bloquear o Estreito de Ormuz, o mercado petrolífero mundial poderá enfrentar uma crise existencial.
O estreito liga o Golfo Pérsico ao oceano aberto e é um canal fundamental para as exportações de petróleo e gás natural liquefeito do Médio Oriente para o mercado mundial. Cerca de 20 milhões de barris de petróleo passam diariamente pelo estreito, de acordo com a Administração de Informação sobre Energia dos EUA.
Um importante conselheiro do líder supremo do Irão já apelou a ataques com mísseis e ao encerramento do Estreito de Ormuz.
“Depois do ataque americano à instalação nuclear de Fordow, é agora a nossa vez”, avisou Hossein Shariatmadari, chefe de redação do jornal de linha dura Kayhan, uma conhecida voz conservadora que já se identificou como “representante” do aiatola Khamenei.
A influência geográfica sobre o transporte marítimo global dá ao Irão a “capacidade de causar um choque nos mercados petrolíferos, fazer subir os preços do petróleo, fazer subir a inflação, fazer colapsar a agenda económica de Trump”, diz à CNN Mohammad Ali Shabani, especialista em assuntos do Irão e editor do canal de notícias Amwaj.
O Irão poderá acelerar a construção de uma bomba nuclear
Alguns especialistas afirmam que é muito provável que o Irão corra agora para uma bomba nuclear, mesmo que o atual regime entre em colapso e que surjam novos líderes.
“Trump acabou de garantir que o Irão será um Estado com armas nucleares nos próximos cinco a dez anos”, disse Trita Parsi, vice-presidente executiva do Quincy Institute em Washington, DC, na rede social X. “Especialmente se o regime mudar.”
Parsi refere que, mesmo que o regime entre em colapso e novos elementos militares assumam o poder, é provável que sejam muito mais agressivos do que o atual regime e que corram para uma arma nuclear como única forma de dissuasão.
Anteriormente, os peritos afirmaram que o Irão terá provavelmente transferido as suas reservas de urânio enriquecido das suas principais instalações nucleares no contexto dos ataques israelitas.
As centrais nucleares que produzem eletricidade para fins civis utilizam urânio enriquecido entre 3,5% e 5%. Quando enriquecido a níveis mais elevados, o urânio pode ser utilizado para fabricar uma bomba. Israel e os EUA acusam o Irão de procurar obter armas nucleares; Teerão insiste que o seu programa é pacífico.
É também provável que o Irão se retire do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), ao abrigo do qual se comprometeu a não desenvolver uma bomba.
"A resposta do Irão não se limitará provavelmente a uma retaliação militar”, diz Ali Vaez, diretor do Projeto Irão do International Crisis Group, na rede social X. “A retirada do TNP é bastante provável."
O Irão pode continuar a atacar Israel por ora
A primeira resposta do Irão ao ataque dos EUA às suas instalações nucleares foi atacar Israel e não as bases americanas.
Os mísseis iranianos atingiram um conjunto de edifícios em Telavive, onde 86 pessoas deram entrada no hospital com ferimentos durante a noite de sábado e na manhã de domingo, de acordo com o Ministério da Saúde de Israel.
Sabendo que pode não ser capaz de sustentar um confronto total com os EUA e esperando que Trump reduza o seu envolvimento após o ataque de domingo, o Irão pode simplesmente procurar perpetuar o status quo, lutando apenas contra Israel.
Trump pode seguir o mesmo manual do ataque de 2020 que matou o comandante iraniano Qasem Soleimani, indica Shabani a Becky Anderson da CNN.
À data, Trump queria “enviar uma grande mensagem, obter as manchetes, mostrar a determinação dos EUA, mas depois evitar uma guerra mais ampla”, diz Shabani.
Embora o Irão possa sentir que tem de retaliar para salvar a face, pode ser uma resposta sem sangue, semelhante ao que aconteceu em 2020, quando lançou uma barragem de mísseis contra bases americanas no Iraque, que resultou em lesões cerebrais traumáticas no pessoal, mas sem mortes.
O Irão poderá recorrer a ciberataques ou ao terrorismo
Dois analistas militares afirmam que o Irão poderá recorrer a medidas “assimétricas” – como o terrorismo ou os ciberataques – para retaliar contra os EUA, uma vez que os ataques israelitas reduziram as capacidades militares do Irão.
“Penso que o IRGC [Corpo de Guardas da Revolução Islâmica] está provavelmente a tentar perceber que capacidades lhe restam”, uma vez que o seu arsenal de mísseis está a diminuir, afirma David Sanger, analista de segurança nacional da CNN.
"Penso que [o IRGC] vai ser um pouco cuidadoso, e suspeito que isso nos vai levar a todas as coisas assimétricas que podem fazer: cibernética, terrorismo. Penso que, provavelmente, vão estar à procura de coisas em que os EUA não possam simplesmente colocar as defesas tradicionais."
Da mesma forma, o major-general reformado James “Spider” Marks, responsável pela estratégia geopolítica da Academy Securities, um banco de investimento, diz à CNN que Israel “fez um bom trabalho ao prejudicar a capacidade do Irão de lançar o seu inventário de mísseis bastante robusto”.
Contudo, e “apesar de ferida”, a IRGC ainda tem “uma capacidade tremenda”, adianta. "Tem capacidades que já se encontram na região e fora dela. Somos vulneráveis [...] em todo o mundo onde o IRGC tem influência ou pode fazer com que as coisas aconteçam de forma assimétrica."
O Irão poderá retomar as negociações nucleares
O Irão recusou-se a regressar à mesa das negociações durante os ataques israelitas.
No domingo, Araqhchi disse que não sabe “quanto espaço resta para a diplomacia” depois dos ataques militares dos EUA às instalações nucleares iranianas.
"[Os EUA e Israel] ultrapassaram uma linha vermelha muito grande ao atacar as instalações nucleares”, afirmou Araqhchi. “Temos de responder com base no nosso direito legítimo de autodefesa."
Parsi diz que, ao fazê-lo, “os iranianos encurralaram-se a si próprios”.
“O seu objetivo é forçar Trump a parar a guerra de Netanyahu e, com isso, mostrar a sua capacidade e vontade de usar a influência americana contra Netanyahu”, escreve Parsi. “Mas o outro lado é que Teerão deu a Israel um veto sobre a diplomacia EUA-Irão – simplesmente continuando a guerra, Israel está habilitado a bloquear as conversações entre os EUA e o Irão.”
As autoridades iranianas e europeias reuniram-se na sexta-feira em Genebra para conversações, que, segundo uma fonte iraniana, começaram tensas mas tornaram-se “muito mais positivas”.
No domingo, Araqhchi disse que os Estados Unidos decidiram “destruir” a diplomacia.
"Na semana passada, estávamos em negociações com os EUA quando Israel decidiu acabar com a diplomacia”, disse o MNE iraniano na X. “Esta semana, mantivemos conversações com o E3 (grupo de ministros europeus)/UE, quando os EUA decidiram destruir essa diplomacia."
Numa entrevista com Christiane Amanpour, da CNN, Vaez, do International Crisis Group, diz que “os iranianos estavam relutantes em negociar com uma arma apontada à cabeça” mas que “essa arma já foi acionada".
“A situação mais provável é que as conversações tenham terminado por agora”, adianta Vaez.
Eve Brennan, Brad Lendon e Mostafa Salem, da CNN, contribuíram para esta reportagem.