“O Ferrari nem era meu. Tive de alugar”. Se os “influencers” lhe prometem dinheiro fácil, desconfie de tudo

1 nov 2022, 08:00
Dinheiro digital. Fonte: Adobe Stock

Nas redes sociais multiplicam-se as páginas que dão conselhos de poupança. Mas também de investimento, com “influencers” a acenar-lhe com um estilo de vida capaz de fazer cair o queixo até ao chão. Todo o cuidado é pouco, sobretudo em época de crise. “Se garantem algo é porque estão a enganar”. Fraudes e burlas há muitas. Mas há como se proteger. E também como denunciar

Bogdan Bob, 24 anos, apresenta-se como “analista técnico” e “trader” perante os mais de 28 mil seguidores do Instagram. É responsável pela página Forex Portugal. Há quatro anos, através da Internet, interessou-se por este mercado cambial. Durante dois anos, diz, ficou “fechado em casa” e estudou-o ao pormenor. E hoje tem uma dica-chave para todos os que querem investir através das redes sociais.

“Os pseudo-traders metem-te carrões e notas à frente. É tudo mentira. Nunca ninguém pode garantir nada. Nem 10 euros. Se garantem é porque estão a enganar. Neste mercado, 95% são fraudes, burlas. Nunca se pode confiar o dinheiro a outras pessoas. Porque esses burlões não colocam o dinheiro no mercado, mas no próprio bolso”.

Bob, como é conhecido, garante que investe apenas o seu próprio dinheiro e que não gere contas de terceiros. “Não tenho regulamento de CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o regulador dos mercados] e não posso fazer estas coisas”, justifica. Os dias são passados a analisar os mercados, os melhores padrões, o histórico de preços. E é essa experiência que procura transmitir aos seguidores. “Eu nunca dou conselhos, não digo para investir aqui ou ali, simplesmente partilho o que faço no meu dia a dia, as minhas análises”.

Sem ter formação certificada na área financeira, este influenciador digital insiste na importância de perder tempo a aprender como funciona o mundo dos investimentos. “Há muita gente à procura. Ouvem que se pode ganhar dinheiro, entram sem preparação, sem gestão do risco. Compram a ideia de que é fácil. Mas não. É preciso um plano. Se só querem fazer dinheiro, é para esquecer logo”. Bob confessa que se cansou de denunciar casos de fraude que usam o Forex como fachada.

"Vendem emoções. Fazem lavagens cerebrais. Muitas vezes são pessoas que nem têm dinheiro para investir, que recorrem a empréstimos. Se enganasse as pessoas, também podia ter um Ferrari ou Lamborghini”.

Na sua página, este “trader” tem disponível uma formação para descobrir as “oportunidades reais do mercado financeiro”. “Sem esquemas”, “sem promessas falsas”, assegura. E com um “método comprovado”. E que método é este? “Transmito as minhas habilidades, a minha experiência. Mas, como é óbvio, os alunos que fazem a formação não vão ganhar logo dinheiro”. 

Cláudio André e o comunicado da CMVM que pôs tudo “por água abaixo”

Em abril de 2021, a CMVM alertou que o “influencer” Cláudio André não estava autorizado nem habilitado e exercer intermediação financeira em Portugal, disponibilizando-se a receber o contacto de todos os que com ele tinham “estabelecido qualquer relação comercial”. Apresentando-se como “empreendedor”, o influenciador digital, com mais de 31 mil seguidores, destacou-se por prometer ajudar outros jovens a investir no mercado cambial.

“Até a CMVM lançar o comunicado, muito bem. A partir do momento em que lança o comunicado, muito mau: houve uma quebra de inscrições. Os seguidores deixaram de se associar a mim. Foi por água abaixo”, confessa.

Mais de um ano depois, Cláudio André diz que foi mal-entendido por parte do regulador dos mercados, após ter tentado explicar a sua situação várias vezes. “Não cometi nenhum crime. A CMVM pensava que eu estava a dar aconselhamento. Mas não, estava a fazer publicidade a uma plataforma [de ensino sobre o mercado cambial]. Eu só fazia publicidade. Não lhes dizia para comprar ou para fazer investimento”.

Apesar dos pedidos de ajuda que ainda recebe de seguidores que querem começar a investir, Cláudio André diz que não o faz. “Cortei com tudo”, resume - até com o plano para abrir uma empresa devidamente registada junto da CMVM.

Nas redes, apresentou-se com tendo uma vida luxuosa, com direito a carros de luxo - um argumento para que outros pudessem segui-lo nos investimentos. Mas, segundo o próprio, era tudo uma "estratégia de marketing".

 

"O Ferrari nem era meu. Tive de alugar o Ferrari. Tudo no meu Instagram é uma estratégia de marketing. Quando como notas, não é porque elas sabem bem”.

E, contestando a tolerância face ao marketing das grandes empresas, acrescenta: “Não deveria fazer um marketing agressivo? Não deveria mostrar o meu estilo de vida?”.

“Sou autodidata e os meus resultados falam por mim. Não tenho nenhum diploma porque não fui para a faculdade. Não creio que precise de um diploma para transmitir o meu conhecimento”. Cláudio André reconhece que existem burlas e fraudes nas redes sociais, inclusive da parte de influenciadores digitais. Mas ele, insiste, não é o caso. “O que me difere dessas pessoas é a minha personalidade. Nunca investi o dinheiro de ninguém”.

Cláudio André não foi o único “influencer” a ver-se envolvido em polémica à custa dos investimentos digitais. David Soares, mais conhecido como DavidGYT, ou Windoh, o nome digital de Diogo Figueiras, foram dois deles. Antes de fazer o “mea culpa” e alertar para os riscos deste tipo de investimento, Windoh chegou a prometer ganhos de 500% ao ano aos seguidores através de “stories” do Instagram. No ano passado, o Ministério Público abriu mesmo um inquérito sobre os cursos promovidos por influenciadores digitais.

Hugo Medeiros, “youtuber”, é um dos que tem denunciado os alegados esquemas de fraude e burla que vão correndo nas redes sociais e nas aplicações. Amigos e conhecidos vão-no informando de novos casos. Mas ele tem experiências na primeira pessoa para contar: “Sim, fui burlado, na JuicyFields, onde se faziam investimentos para o cultivo de canábis medicinal”.

“Sempre que existem lucros altos e, ainda por cima, garantidos, é burla. Não há outra forma. Ou então é esquema em pirâmide”, conta à CNN Portugal, lamentando a baixa literacia financeira em Portugal.

Dica nº1: Desconfie sempre!

Carros topo de gama, mansões de luxo, férias de cinco estrelas, promessas de resultados e ganhos rápidos, apelos à confiança na própria pessoa e na proximidade, marketing agressivo. Estes traços são recorrentemente apontados pelos especialistas como sinais de alerta. Se quer investir e se cruzar com algum destes elementos, convém pensar duas vezes.  

“Uma das técnicas que se tem verificado muito com as redes sociais é uma ostentação de uma vida que é falsa, na tentativa de ludibriar as pessoas, para as levar a investir num esquemas de pirâmide ou burla. São utilizados nomes e expressões de mercados financeiros que existem, como o Forex. Mas, na realidade, usam essa fachada para esquemas de pirâmide e burlas”, aponta Bárbara Barroso, especialista em finanças pessoais

À CNN Portugal, a criadora da plataforma MoneyLab, que conta com quase 30 mil seguidores no Instagram, alerta que “é nos períodos de maior crise que aumentam as burlas e fraudes, porque as pessoas estão mais permeáveis”.

Bárbara Barroso deixa então dicas para que não caia no chamado conto do vigário. Primeiro, não ceda a pressões de que é última oportunidade para investir e não acredite em retornos altos e garantidos. Depois, desconfie se lhe disserem que o ganho é maior se trouxer um amigo. Se o português não for o mais correto ou faltarem dados, desconfie. E confirme sempre, se forem entidades, se estas estão devidamente autorizadas pela CMVM ou pelo Banco de Portugal.

"Na dúvida, desconfiem por defeito. E confiram as provas dadas destes especialistas. Um sinal de alerta é quando dizem que o vão adicionar a um grupo de Whatsapp ou Telegram, como se fosse algo muito secreto ou exclusivo”.

Questionada sobre as estratégias de marketing usadas por estes influenciadores, Bárbara Barroso é categórica: “Até pode ser marketing. Mas é marketing a uma burla”.

Denunciar é fundamental (para evitar que outros caiam)

Um passo determinante, para quem tenha dúvidas ou se envolve nestes esquemas, é denunciar junto das autoridades componentes, como a CMVM, o Banco de Portugal ou mesmo a Polícia Judiciária. Sem a denúncia, pode ser difícil atuar.

"Dada a natureza global e digital do fenómeno dos ‘influencers’, é particularmente difícil para as autoridades de supervisão garantir uma monitorização e atuação completa sobre estes comportamentos. No entanto, A CMVM analisa todas as denúncias e pedidos de informação dos investidores que podem culminar em sanções para casos de intermediação financeira não autorizada, de recomendações de investimento ilícitas ou na emissão de alertas aos investidores relativos a risco de entidades que operam sem autorização para tal”.

O regulador dos mercados assegura ainda que quando “existem indícios de fraude”, fora do seu perímetro de atuação, estes são remetidos para o Ministério Público.

A entidade revela ainda que “tem recebido informação de investidores que têm sofrido prejuízos com entregas de dinheiro a entidades que não estão autorizadas nem têm quaisquer ligações aos mercados de capitais”.

A recomendação é de que as cautelas estejam redobradas neste contexto digital. Em caso de dúvida, o melhor será sempre contactar com a CMVM para garantir que os potenciais investidores “o fazem com entidades idóneas” e devidamente autorizadas.

Bons exemplos nas redes? Também existem

No mundo das redes sociais, há também um outro fenómeno importante a ter em conta: existem cada vez mais páginas a dar dicas sobre finanças pessoais. Truques para poupar, as explicações sobre como determinada mudança afeta o orçamento familiar, os melhores preços. Não há apelos ao investimento direto.

É o caso da página “Que Rico Casal”, com 11 mil seguidores. Raffik Baldé e Catarina Inácio são os nomes por trás dela. Os dois são formados em gestão, mas acreditam “que as finanças pessoais vão muito além da formação universitária”.

“Qualquer pessoa que tenha uma informação, que acredite que é possível acrescentar valor, sem comprometer ou dar aconselhamento financeiro, tem legitimidade para partilhar a sua experiência”, reforça Raffik Baldé. Uma das áreas que mais abordam é a do imobiliário.

"A coisa boa das redes sociais é a democratização, de podermos com o nosso conhecimento ajudar pessoas. Mas depois há também o lado mau: quem tenha más pretensões em relação à área financeira pode fazê-lo com alguma facilidade”.

 

O projeto utiliza a expressão “Liberdade Financeira”, que se repete em muitas páginas dedicadas às finanças pessoais e ao investimento. Mas, para o casal, “liberdade financeira é ter conhecimento suficiente para que possamos tomar decisões sobre o nosso dinheiro”.

O dinheiro até pode facilitar muita coisa, mas nunca é fácil. “Não acreditamos nisso, no enriquecimento fácil. Senão as pessoas mais ricas do mundo estariam a fazer isso”. E não estão.

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