opinião
Jornalista,editor de Sociedade

Facto: ou mente Medina, ou no PSD deliravam todos ao telefone  

29 mai 2023, 20:21

Exercício: vamos acreditar que Medina diz a verdade. Nunca fez um pacto secreto, e antidemocrático, para enganar os eleitores e mercadejar juntas de freguesia, nem prometeu “candidatos merdosos” num acordo manhoso com o PSD. Só resta então a hipótese de Sérgio Azevedo, então deputado do PSD, e Luís Newton, presidente da junta da Estrela, sabendo ambos que não têm qualquer acordo com Medina, optarem até por mentir um ao outro, ao telefone, sucessivamente e de forma delirante – uma coisa quase patológica. Como dois maluquinhos terminais.

Ou será isto, fazendo fé na versão de Medina, um desafio à lógica, ao senso comum e, como se diz em tribunal, à inteligência do cidadão médio? Digo isto porque, nos tribunais, as provas indiretas também contam, pelos critérios da razoabilidade. E se não forem os tribunais a apreciar, serão pelo menos os eleitores, o público em geral a quem nós, jornalistas, temos o dever de servir.

Factos: a 15 de Maio de 2017, diz Azevedo a Newton: “Está combinado com o Medina eles apresentarem uns gajos merdosos para garantirmos (PSD) as nossas juntas”. Trata-se de “um acordo de governação com tachos por fora”, reforça. Newton, por seu lado, diz a Azevedo: “O Medina disse que na minha Estrela iam (PS) candidatar uma gaja do grupo de cidadãos (o que se confirmou, cinco meses depois)”. E o deputado do PSD responde: “O Medina está a portar-se bem connosco”. Depois, diz Azevedo a um jornalista próximo: “O PS ficou de apresentar candidatos fracos nas juntas que o PSD precisa”. Assim, fizeram uma troca e, noutras juntas, o PSD também “apresenta candidatos fracos para o PS ganhar”. “A gente vai tomar conta do país”, remata.

Aqui chegados, seis anos depois, Medina diz que nunca fez qualquer acordo. Mas como é justo darmos também o benefício da dúvida a Azevedo e Newton, no sentido de que é possível que não sejam inimputáveis e não mintam, pelo menos, um ao outro ao telefone sobre as estratégias autárquicas do PSD, é possível que sejam eles a dizer a verdade. E aí será Medina a mentir. Certo é que, entre Azevedo, Newton e Medina, pelo menos um dos três mente. Com todos os dentes. E quem mente a este nível não é fiável para o exercício de funções públicas de relevo.

Na lógica de que mentem Azevedo e Newton, note-se, mentem também a terceiros: “Temos de ir com o Luís Newton falar com o Duarte Cordeiro e com o Medina”, diz Sérgio Azevedo ao atual deputado Carlos Eduardo Reis, em outubro de 2017. De resto vão mesmo, porque a PJ vigia o encontro. E há ainda terceiros que lhes mentem a eles: “Vê com o Duarte Cordeiro outro tipo de apoio que eles (PS) nos podem dar”, diz Pedro Pinto, deputado do PSD, a Newton, também em outubro.

Por esta lógica, naquele PSD não dizem uma verdade. Vivem todos numa realidade alternativa, a que Fernando Medina e Duarte Cordeiro são absolutamente alheios.    

Em qualquer das hipóteses, para lá da relevância criminal há a relevância política, pública, e, como tal, jornalística. É o que não percebem, ou fingem não perceber, alguns comentadores que andam pelas televisões a desvalorizar este trabalho de investigação. Ou porque não tem novidades (juro que disseram isto) ou porque não há ali crimes no alegado pacto (juro outra vez), que, segundo o Ministério Público, tem na sua génese a manutenção de um esquema de corrupção e de colocação de dezenas de boys em cargos fictícios nas juntas de freguesia para financiamento ilícito dos partidos.”

A relevância criminal deixo-a para a procuradora, e é um problema só dela concretizar as graves considerações que faz sobre todos os visados. Mas a relevância pública e jornalística, sobre a idoneidade de titulares de cargos políticos – e que as escutas telefónicas nunca até agora reveladas ajuda a esclarecer –, só não vêm cegos, fanáticos, ou, quem sabe, alguns publicitários ou outros com atividades onde, como a vida custa a todos, também lá vão estendendo a mão para um “contratozinho” público bem ajustado.

Foi essa evidente relevância pública, e política, que viu agora, por exemplo, Marques Mendes. O mesmo que, em 2018, vaticinou que os partidos políticos não iam “gostar de se ver ao espelho” neste processo. Acontece que o “espelho” chegou agora, sob a forma de dezenas de conversas telefónicas reproduzidas pela TVI e pela CNN – que assumiram fazê-lo em nome do interesse público.

Foram enquadradas no espaço e no tempo, todas contextualizadas. Tal como as considerações da procuradora e da Polícia Judiciária em relação a cada situação – sobre os protagonistas acima citados e muitos outros, entre políticos e empresários: tudo num trabalho que envolveu muitos jornalistas, em que se cruzaram os dados obtidos do processo Tutti Frutti com documentos de fonte aberta, como contratos públicos e outros. Ficou a nu o modus operandi dos aparelhos partidários. Fez-se jornalismo, por mais que lhes custe.

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