Criança recupera de "doença que come a pele" com um tratamento surpreendente: pele de bacalhau

CNN , Jacqueline Howard
14 jun, 17:00
Eliana bebé Texas tratada com pele de peixe (CNN)

Quando Krystal DeVos olha para a sua filha pequena, Eliana, a brincar com uma boneca da Ariel, os seus olhos enchem-se de emoção.

“Chamo-lhe a minha pequena sereia”, diz DeVos sobre a filha.

Pouco depois de Eliana nascer, foi o poder curativo da pele de peixe que a ajudou a recuperar de uma ferida profunda no pescoço.

“Na verdade, a Eliana não faz ideia”, diz DeVos, que vive em Corpus Christi, no Texas. “Claro que, à medida que ela fica mais velha, vamos querer voltar atrás e mostrar-lhe as fotografias e explicar-lhe o que aconteceu, porque faz parte da história dela e é tão único.”

A história de Eliana começou há cerca de três anos, quando nasceu às 23 semanas de gestação, pesando apenas 450 gramas. Passou 131 dias na unidade de cuidados intensivos neonatais, período durante o qual desenvolveu uma infeção potencialmente fatal no pescoço que causou uma ferida muito grave.

“Era quase como uma doença que come a pele, em que o corpo dela estava a atacar algo que estava ali no pescoço dela”, conta DeVos.

À medida que a infeção aumentava, Eliana desenvolveu sépsis, a resposta extrema do corpo a uma infeção, provocando a paragem de alguns dos seus órgãos. Dia após dia, DeVos e a sua família rezaram constantemente para que Eliana recuperasse.

Foi então que a equipa médica lhe falou de uma opção de tratamento surpreendente.

Ao 86.º dia de internamento na unidade de cuidados intensivos, Eliana foi transferida do hospital geral local para o Hospital Pediátrico Driscoll, em Corpus Christi. Em ambos os hospitais, Eliana recebeu vários medicamentos para tratar a infeção, incluindo antibioticoterapia. Mas foi no Driscoll que a pele de peixe se tornou uma parte nova do tratamento de feridas.

“É microscopicamente tão próxima da pele humana que ajuda a ferida a começar a cicatrizar”, explica Vanessa Dimas, cirurgiã plástica pediátrica do Driscoll que tratou Eliana.

Roxana Reyna, à esquerda, e Vanessa Dimas tentaram um tratamento pouco usual para tratar a ferida de Eliana foto: Hospital Pediátrico Driscoll

Demasiado frágil para tratamentos convencionais

Quando Dimas conheceu Eliana, sabia que teria de fazer duas coisas: remover a acumulação de tecido cutâneo morto da ferida e cobri-la com algum tipo de tratamento para ajudar o tecido saudável a crescer de novo. Mas as abordagens mais tradicionais – como a cirurgia ou um enxerto de pele humana – eram demasiado arriscadas ou inviáveis para um bebé prematuro como Eliana. O seu estado era demasiado frágil.

“Ela era um bebé prematuro, a ferida era muito extensa e ela estava muito doente, por isso não achei que fosse seguro fazer-lhe uma intervenção cirúrgica”, diz Dimas.

Em vez disso, Dimas e a sua colega Roxana Reyna, enfermeira especialista em ostomia de feridas do Driscoll, utilizaram uma solução de mel de qualidade médica para limpar a ferida. Em seguida, aplicaram uma mistura desse mel com pele de peixe para cobrir a área.

A pele de peixe – um produto médico feito a partir de bacalhau selvagem do Atlântico Norte e fabricado pela empresa islandesa Kerecis – forneceu uma espécie de andaime, ou um tipo de plataforma, para o crescimento de novo tecido cutâneo. Alguns dos óleos ómega e outros elementos naturais da pele de peixe ajudaram a contribuir para o processo de cicatrização, explica Dimas, acrescentando que “uma vez que basicamente faz o seu trabalho, ajudando a ferida a cicatrizar, então meio que se derrete”.

Os riscos potenciais deste tratamento com pele de peixe incluem reações em crianças com alergias a peixe; no caso dos bebés, pode não se saber se têm alergia.

“Esse era o maior risco: uma alergia desconhecida que pudesse causar potenciais problemas”, diz Dimas. “Para além disso, mantinha-se a hipótese de a criança precisar de cirurgia, porque não sabíamos até que ponto é que isto ia ajudar a curá-la.”

Para Eliana, contudo, o tratamento com pele de peixe foi bem tolerado e pareceu promover a regeneração.

A ferida de Eliana sarou em 10 dias com cicatrizes mínimas, de acordo com a sua equipa de cuidados médicos foto: cortesia de Krystal DeVos

O potencial dos “xenoenxertos”

A pele de peixe tem sido usada no tratamento de feridas em pessoas por todo o mundo, mas o seu uso em crianças – quanto mais bebés – continua a ser raro.

Em março, Dimas e Reyna apresentaram dados sobre a sua abordagem aos bebés prematuros na Conferência da Associação Europeia de Gestão de Feridas, em Barcelona, Espanha. Falaram de dois casos de estudo: Eliana e um bebé pré-termo gravemente doente com uma ferida abdominal.

“Eliana pesava 1,5 kg no dia em que aplicámos o enxerto de pele de peixe”, diz Reyna. O outro paciente pesava 1 quilo durante o tratamento.

“Desde Eliana, agora podemos sentir-nos suficientemente confiantes para o utilizar em bebés ainda mais pequenos”, adianta Reyna.

O Hospital Pediátrico Driscoll diz que a equipa de cuidados de Eliana parece ter sido a primeira a implementar a pele de peixe Kerecis no tratamento de feridas de um bebé pré-termo de um quilo.

Reyna e Dimas foram reconhecidas pelo seu trabalho e, devido à sua utilização inovadora do produto, a Kerecis convidou-as a partilhar os seus conhecimentos clínicos em fóruns públicos.

O conceito de utilização de pele de peixe para ajudar a curar tecidos danificados em seres humanos existe há anos, mas ainda não é uma prática muito comum, refere Arun Gosain, presidente do Departamento de Cirurgia Plástica da Academia Americana de Pediatria e chefe da divisão de cirurgia plástica do Hospital Pediátrico Ann & Robert H. Lurie de Chicago.

“Existem muitas opções diferentes” para o tratamento de feridas, dependendo da profundidade e gravidade da ferida, diz ele. Algumas abordagens envolvem tecidos de outros tipos de animais.

“Existem outras formas daquilo a que chamamos xenoenxertos, ou seja, retirar tecido de outra espécie e utilizá-lo para a cicatrização de feridas”, explica Gosain, que não esteve envolvido no caso de Eliana. Por exemplo, a pele de suínos tem sido habitualmente utilizada no tratamento de feridas, bem como o colagénio de bovinos.

“Os xenoenxertos podem ter potencial no futuro, mas não são utilizados para substituir a pele – atualmente, só são utilizados para pensos biológicos”, afirma. Os pensos biológicos ajudam a cobrir temporariamente as feridas e apoiam o processo natural de cicatrização, ajudando essencialmente a cicatrizar a ferida por si só ou preparando-a para um tratamento cirúrgico para a fechar.

Por exemplo, alguém que tenha uma “ferida de espessura total” – o que significa que se estende através das três camadas da pele – que não esteja a cicatrizar por si só pode beneficiar de algum tipo de penso biológico temporário, diz Gosain.

Nesse caso, “eu poderia usar pele de porco”, aponta. “Colocá-la-íamos como penso biológico, sabendo que não vai regenerar a pele, mas que vai manter a ferida limpa até estarmos prontos para transferir a pele do próprio doente, de alguma forma, para fechar a ferida, quer seja um enxerto de pele ou outra coisa do género.”

Depois de 131 dias nos cuidados intensivos, Eliana voltou para casa, para junto do seu irmão mais velho, da sua mãe e do seu pai foto: cortesia de Krystal DeVos

‘Nunca tenham medo de experimentar algo novo’

No seu caso de estudo, Reyna e Dimas descreveram Eliana como tendo uma “ferida de espessura total”, mas após três dias de tratamento com pele de peixe, elas notaram “resultados dramáticos”. Continuaram a mudar-lhe o penso de três em três dias e, depois de a ferida ter sido limpa e o tecido cutâneo morto ter sido removido, cicatrizou 10 dias após a aplicação da primeira mistura de pele de peixe, com cicatrizes mínimas, de acordo com o estudo.

“Não houve reações adversas e não foram necessárias intervenções cirúrgicas adicionais”, escreveram. Três anos depois, a cicatriz de Eliana é tão ténue que quase não se nota.

DeVos diz que se inspirou ao ver a pele de peixe promover a cicatrização da ferida da sua filha e espera que a história de Eliana possa contribuir para que o mundo encare a pele de peixe como uma ferramenta médica.

“O que eu espero que as pessoas levem daqui é que podemos estar gratos pela medicina moderna e pelo poder da fé”, diz ela.

“Nunca tenham medo de experimentar algo novo. Tenha sempre a mente aberta e mantenha a fé. Se algo parecer diferente ou se nunca tiver sido exposto a isso antes, arrisque e tenha um pouco de fé. No nosso caso, resultou muito bem.”

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