Começa com um som e pode acabar com formigueiros no pescoço ou um "orgasmo cerebral". O estranho mundo de ASMR

CNN , Sandee LaMotte
10 fev 2022, 14:01
ASMR. É uma sensação real ou imaginária? Há muito poucos estudos sobre o fenómeno, portanto, ninguém o sabe. Foto: Matthias Balk/picture alliance via Getty Images

Ouvir um sussurro faz-lhe sentir um formigueiro no couro cabeludo? Diria que ver a tesoura a cortar o seu cabelo, no cabeleireiro, o relaxa? E o som de unhas a bater suavemente na mesa, o abanar ou o toque de um pincel contra a tela ou o enrugar do papel de alumínio de um doce?

Se estes sons e imagens fazem o seu cérebro despertar e lhe transmitem uma sensação de efervescência que o deixa relaxado, então, é um “tinglehead”, um dos estimados 20% de pessoas que alguns especialistas dizem ter uma resposta sensorial autónoma do meridiano ou ASMR.

É uma sensação real ou imaginária? Há muito poucos estudos sobre o fenómeno, portanto, ninguém o sabe. Mas muitos fãs juram que a ASMR é real, dizendo que as ações nos vídeos os deixam num estado meditativo e calmo, que reduz a ansiedade e os embala.

Alguns vão ainda mais longe, dizendo que o formigueiro da ASMR, que pode começar no pescoço e nos ombros e descer para o resto do corpo, é um “orgasmo cerebral”.

"A ASMR é muitas vezes descrita por aqueles que a sentem como sendo “efervescente” ou “estática”, mas o formigueiro pode variar”, diz Craig Richard, fundador da ASMR University, um site dedicado à compreensão e estudo da estranha sensação.

“No meu caso, parece que fico com uma sensação de bem-estar e sinto um ligeiro formigueiro”, disse Richard, um autoproclamado “tinglehead” e professor de Ciências Biofarmacêuticas, na Universidade de Shenandoah, na Virgínia.

Poderá ser parecido com arrepios?

“Não, não são arrepios. Nós conseguimos ver e sentir os arrepios na superfície da pele. Esta é uma sensação mais profunda”, explicou Richard.

Além das suas próprias perceções, o conhecimento de Richard em relação a este fenómeno invulgar vem de um inquérito sobre ASMR que ele realiza no seu site, onde “tingleheads” partilham o que despoleta estas sensações que os fazem estremecer. A maioria dos que afirmam sentir ASMR são mulheres, que se caracterizam como artísticas ou criativas, e vivem em todo o mundo, disse ele.

“A ASMR é uma experiência global”, afirma Richard. “Pelo que vejo no meu site, há testemunhos em mais de 100 países diferentes, o que apoia a teoria de que é algo biológico e não cultural”.

Milhentos “tingleheads”

Seja o que for, a ASMR apoderou-se do YouTube. Desde que o primeiro vídeo sobre formigueiros chegou à Internet, em 2013, o interesse dos fãs fez aumentar para milhões os vídeos de ASMR, que incluem suspiros suaves e relaxantes e movimentos repetitivos.

Um vídeo, que tem mais de 13 milhões de visualizações, mostra unhas perfeitamente tratadas a esfregar ou tocar em objetos, perto de um microfone. O que também pode despoletar esta sensação são os sons de pessoas a comer comidas crocantes, como picles, papel a rasgar, água a pingar, cabelo a ser penteado, murmúrios, mastigar, zumbidos e ronronar.

Um dos maiores criadores de ASMR no YouTube tem mais de 2,5 milhões de subscritores no seu canal de sussurros e mais de 28 milhões de visualizações do seu êxito de 2017, “20 Sons de ASMR que Ajudam a Dormir”.

Se for fã de barulhos mais altos, esta estrela do YouTube e os seus amigos têm todo o gosto em mastigar ruidosamente frango frito crocante e favos de mel doces e pegajosos para se deleitar a ouvir. Ou talvez prefira batatas fritas e hambúrgueres?

As agências publicitárias já estão a par. A atriz Zoë Kravitz entrou no primeiro anúncio de ASMR do Super Bowl, este ano. A Reese's fez um filme com mais de uma hora, com cinco pessoas a sussurrar enquanto abriam invólucros de doces.

O McDonald's tem um anúncio com uma rapariga a comer nuggets e um McFlurry. O canal inglês do KFC no YouTube também entrou na onda de ASMR, com uma voz britânica suave a comparar pingos de chuva a frango frito.

Além do formigueiro

Os estudos sobre ASMR ainda estão na fase inicial. Richard fez um dos poucos estudos científicos sobre o tópico, utilizando ressonâncias magnéticas para estudar as reações do cérebro das pessoas que se identificam como “tinglehead”.

Ele diz que a parte do cérebro que se ilumina durante um destes episódios é o chamado sistema de recompensa. É aí que a hormona que nos faz sentir bem, a oxitocina, também conhecida como “hormona do amor ou da confiança”, é produzida. É a mesma parte do cérebro que se torna viciada em drogas, como a cocaína e a heroína.

“O que poderia explicar o facto de as pessoas conseguirem ver estes vídeos de toques e pessoas a mastigar durante mais de uma hora”, disse Richard.

O professor de Psicologia da Universidade de Winnipeg, Stephen Smith, também estudou as personalidades de pessoas com ASMR, descobrindo que têm níveis mais elevados de curiosidade e neuroticismo e mais baixos de consciência, extroversão e amabilidade.

“Pessoas com ASMR têm níveis elevados de traços de personalidade de ‘uma mente aberta a experiências’. Creio que são mais recetivas do que nós a tipos específicos de experiências físicas, auditivas e visuais”, disse Smith.

A ASMR enquadra-se na mesma categoria sensorial que a sinestesia, disse Smith, onde os sentidos se misturam e as pessoas provam formas, veem sons na cor, sentem a música como um toque na nuca ou veem letras e números nas cores.

Apesar de os relatórios de sinestesia datarem de há séculos, a ciência só foi capaz de medir recentemente a atividade cerebral que prova a sua existência. Hoje em dia, os investigadores acreditam que alguns tipos de sinestesia possam ser genéticos. Esta condição costuma surgir na infância e muitas pessoas gostam das sensações extra que o corpo recebe.

Smith também faz ressonâncias magnéticas a pessoas que se autoproclamam “tinglehead”, para ver como os seus cérebros funcionam, num estado de repouso. Ele descobriu “padrões invulgares de ligações” em áreas do cérebro relacionadas com a atenção e sensibilidade. “E, em alguns casos, as zonas do cérebro que faziam parte de uma rede surgiam em redes diferentes, sugerindo que havia uma espécie de impulsos cruzados”.

Noutro estudo, Smith utilizou eletroencefalogramas ou EEG para medir a atividade de grupos de neurónios nos cérebros de pessoas que dizem sentir ASMR. Smith descobriu que quando as pessoas começam a sentir formigueiros, há um aumento súbito das ondas Alfa, o que indica um estado de descanso consciente.

“As ondas Alfa estão associadas a tipos de experiências meditativas”, disse Smith. “Isto sugere que o que as pessoas descrevem como ASMR é bastante semelhante a uma experiência meditativa relaxante.

Uma sensação de ligação

Richard acredita que é o efeito calmante de ASMR que continua a atrair “tingleheads”. As pessoas adoram a sensação profunda de relaxamento que sentem depois de um praticante de ASMR ter falado de forma suave e acolhedora, disse ele.

“É uma sensação muito parecida à de nos sentarmos num sofá com a pessoa de quem gostamos e que nos faz sentir seguros. Quando nos sentimos seguros com alguém, relaxamos”, disse Richard. “Também é muito parecido à forma como falamos com crianças para as acalmarmos: ‘Está tudo bem. Eu estou aqui. Estás seguro. Eu preocupo-me contigo’. Estes são comportamentos universais de como acalmar alguém”.

Em vez de estarmos sentados num sofá com alguém, a ASMR não tem de ser presencial. Muitos YouTubers de ASMR penteiam o cabelo diretamente para a câmara, dando a impressão de que é o espectador que está a ser penteado, lentamente e com cuidado. Um vídeo, com mais de nove milhões de visualizações, mostra uma mulher a pôr a “sua” maquilhagem.

“É demasiado desconcertante para mim”, disse Smith. “Não consigo ver os vídeos porque há um aspeto voyeurista que me deixa desconfortável, como se estivesse a ultrapassar algum limite”.

Os que reagem a estes vídeos são atraídos pela “atenção pessoal positiva”, explica Richard. “É a maneira como a pessoa na câmara olha para a lente e age de forma muito cuidadosa, como se os conhecesse desde sempre e se preocupasse com eles”.

Por muito terapêutico que a ASMR pareça ser, Smith apressa-se a referir que qualquer uso de ASMR não substitui o aconselhamento profissional para ansiedade ou stresse, tal como um passeio pela natureza não o faz.

“É bom para a pressão sanguínea darmos um passeio e relaxarmos. A ASMR é o mesmo”, diz ele. “Se alguém a quisesse utilizar de forma terapêutica, seria mais como um suplemento para os ajudar a relaxar e não como o tratamento principal.

Um início primitivo?

Porque é que este tipo de atenção é tão aliciante? Richard acredita numa explicação evolutiva. Ele diz que podemos seguir esta necessidade até à Idade da Pedra, onde o desenvolvimento da confiança parece ter tido origem no comportamento de primatas, “remover alguns parasitas, tirar ramos do cabelo do outro, o que for”, ações lentas e intencionais que nos beneficiariam, de alguma forma.

“Se alguém numa caverna estivesse encarregue de uma tarefa durante muito tempo, ele ou ela estariam, provavelmente, a preparar comida, a fazer roupa ou uma ferramenta útil”, disse Richard.

Claro, nem todos os homens e mulheres das cavernas reagiram de forma positiva. Algures pelo caminho, alguns devem ter reagido com irritação e até raiva ao mesmo estímulo. Atualmente, essa reação é chamada misofonia, algo que os especialistas acreditam que afete até 20% da população.

“É uma reação extremamente negativa, tal como irritação ou repugnância, maioritariamente a sons específicos, como mastigar, estalidos e sussurros”, disse Richard, acrescentando que estes também são alguns dos estímulos mais comuns dos aspetos prazerosos de ASMR.

“Há uma tendência para os que sofrem de sinestesia e misofonia também gostarem de ASMR, portanto, há uma sobreposição”, disse Smith. “Alguns acham-no prazeroso e outros acham-no extremamente repugnante e nojento”.

Apesar da falta de pesquisa aprofundada sobre ASMR, Richard acredita que as pessoas não deveriam descartar o fenómeno de ânimo leve ou os benefícios que este oferece às pessoas que dele desfrutam.

“É mais uma ferramenta, juntamente com ter uma mente aberta, a meditação, respirar fundo ou a terapia cognitivo-comportamental”, disse Richard. “É outro elemento de autocuidado que ajuda as pessoas a lidar com o stresse”.

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