Chamam-lhe o pior dono de sempre e já contam os dias para o ver pelas costas

3 mai 2023, 09:06
Washington Commanders (Foto John McDonnell/Getty Images)

Dan Snyder é o homem à frente dos Washington Commanders há 24 anos marcados por polémicas sem fim, acusado de promover uma «cultura tóxica», que vai da intimidação sistemática a acusações de assédio sexual e passa ainda por suspeitas de irregularidades financeiras. Agora, ele prepara-se para vender a equipa, por um valor que pode ser o maior de sempre de um clube nos Estados Unidos

Em outubro, seguranças dos Washington Commanders procuraram impedir adeptos de mostrar nas bancadas cartazes a dizer «Vende a equipa», no jogo com os Green Bay Packers da época regular da NFL. Mas eles gritaram essas palavras alto e bom som, numa mensagem para Dan Snyder. Ele é o dono da equipa há 24 anos marcados por polémicas sem fim, acusado de promover uma «cultura tóxica», que vai da intimidação sistemática a acusações de assédio sexual e passa ainda por suspeitas de irregularidades financeiras. Agora, ele prepara-se para vender mesmo a equipa, por um valor que pode ser o maior de sempre de um clube nos Estados Unidos. Vai sair a ganhar, mas os adeptos respiram de alívio por se verem livres daquele que muitos não hesitam em chamar o pior dono do desporto norte-americano.

Snyder comprou a equipa em maio de 1999, por 800 mil dólares. Eram então os Washington Redskins, vencedores por três vezes da Super Bowl entre 1982 e 1991. O nome da equipa foi aliás um dos motivos de polémica ao longo dos anos, com Snyder a recusar deixar cair uma denominação por muitos considerada racista. Acabou por aceder em 2020, quando já era alvo de muitas acusações quanto ao que se passava nos bastidores da equipa. Passou a chamar-se Washington Football Team e um ano mais tarde voltou a mudar, para a designação atual.

Desportivamente, a equipa foi perdendo relevância, no meio de uma gestão autoritária e errática de Snyder: nestes quase 25 anos teve dez treinadores e nada menos que 27 quarter-backs diferentes, nas contas do site The Athletic, uma percentagem de 0.42 por cento de vitórias, apenas seis presenças nos play-off e só duas vitórias em jogos a eliminar. Em 2022 os Commanders voltaram a ficar-se pela época regular, com um saldo de oito vitórias, oito derrotas e um empate.

Os adeptos foram-se afastando. Os Commanders têm as piores assistências da NFL, uma média de 58.100 espectadores em 2022, num estádio que pertence a Snyder e também ele tem vários problemas. O FedEx Field, alugado até 2027 à equipa, apresenta óbvios sinais de degradação. Em janeiro de 2022, a queda de um gradeamento deixou quatro adeptos feridos e a equipa a braços com pedidos de indemnização. Um problema para os futuros donos resolverem.

Processos a adeptos em plena crise, amendoins estragados ou lucros com o 11 de setembro

Snyder, empresário que fez fortuna no ramo da comunicação e marketing, começou logo por despedir duas dezenas de funcionários quando chegou. Também passou a cobrar aos adeptos por estacionamento, ou até para assistir aos treinos da equipa. A relação com os fãs degradou-se rapidamente, pontuada por decisões como a de processar dezenas de pessoas que não conseguiram pagar os lugares de época durante a crise financeira que começou em 2008. E por pormenores bizarros como o de ter posto à venda no estádio amendoins de uma companhia de aviação falida, que estavam fora de prazo. Ou de fazer lucro com a venda de bonés «comemorativos» dos atentados de 11 de setembro.

Também tentou impedir manifestações críticas, proibindo a certa altura quaisquer faixas no estádio. O que se estendeu à imprensa, através de vários processos a jornalistas ou meios de comunicação social.

Abusos sexuais e uma «cultura tóxica»

Mas foi nos últimos anos que vieram a público acusações graves que levaram a várias investigações, algumas delas ainda em curso. Em 2020, dezenas de mulheres denunciaram responsáveis da equipa por abusos sexuais, alegando que era uma prática sistemática e que incluía por exemplo vídeos de nudez das cheerleaders gravados às escondidas. A NFL abriu uma investigação, conduzida pela advogada Beth Wilkinson, e um ano mais tarde condenou a equipa a pagar uma multa de 10 milhões de dólares. «A cultura do clube era muito tóxica e fica muito aquém dos valores da NFL», disse na altura uma responsável da Liga de futebol americano, Lisa Friel.

Snyder não foi suspenso, mas afastou-se da gestão corrente da equipa, cedendo o lugar à sua mulher, Tanya. A equipa comprometeu-se a implementar medidas para assegurar melhor ambiente de trabalho.

Críticas à NFL e mais investigações

A NFL não divulgou pormenores sobre essa investigação. Mas o caso não ficou por aí, porque levou a uma investigação do Congresso norte-americano, através do Comité de Supervisão e Reforma. Concluída em dezembro de 2022, considerou que ao longo de duas décadas Snyder promoveu uma «cultura de medo» na equipa. E acusou o dono de tentar obstruir a investigação, procurando intimidar antigos empregados para evitar que testemunhassem. «Assédio sexual, bullying e outras condutas tóxicas contaminaram o local de trabalho dos Commanders, perpetuadas por uma cultura de medo instilada pelo dono da equipa», diz o relatório, muito crítico também da NFL: «A NFL alinhou os seus interesses legais com os Commanders, falhou em impedir essas táticas abusivas e enterrou as descobertas da investigação.»

Pelo meio, novas acusações de assédio sexual ao próprio Snyder levaram a NFL a abrir outra investigação, que decorre desde fevereiro de 2022 e foi entretanto alargada, procurando também averiguar suspeitas de irregularidades financeiras levantadas igualmente na investigação do Congresso. Em causa estão acusações de que Snyder terá retido depósitos pagos por detentores de bilhetes de época, além de ocultar da NFL lucros das vendas de bilhetes. Desta vez a NFL garantiu que divulgará as conclusões, mas não é claro o que acontecerá se Snyder vender entretanto a equipa.

As suspeitas de irregularidades financeiras levaram também a processos na justiça federal, um dos quais já obrigou os Commanders a pagar 625 mil dólares, a distribuir pelos adeptos lesados e pela cidade de Washington. 

Um consórcio com Magic Johnson na corrida

Snyder foi negando as várias acusações, incluindo uma outra divulgada pela ESPN no ano passado, de que teria contratado detetives privados para reunir informações que pudesse usar contra os outros donos de equipas da NFL, bem como o comissário Roger Goodell.

Ao longo dos anos, Snyder sempre recusou a ideia de vender a equipa. Mas em novembro de 2022, um mês antes de divulgadas as conclusões da investigação do Congresso, abriu essa porta, quando anunciou que estava a considerar «potenciais transações».

Nos meses que se seguiram foram noticiados vários nomes de potenciais interessados e no início de abril a generalidade da imprensa norte-americana noticiou que tinha sido apresentada formalmente uma proposta no valor de 6 mil milhões de dólares liderada por Josh Harris, que é coproprietário da equipa de basquetebol Philadelphia 76ers, dos New Jersey Devils, da NHL, e também com ligações ao Crystal Palace. Desse consórcio faz parte igualmente Magic Johnson, a antiga estrela do basquetebol norte-americano.

A notícia levou a múltiplas celebrações de alívio entre adeptos, das redes sociais às páginas dos jornais. «The witch is dead», «A bruxa morreu», escreveu Mike Freeman, colunista do USA Today e assumido fã dos Commanders: «Snyder não é apenas o pior dono na história moderna do desporto americano. Nem perto. Para muitos dos adeptos mais ferrenhos, ele não é apenas um embaraço. Representou tudo o que há de errado com alguns donos da NFL e, talvez numa escala maior, os muito ricos.»

O magnata canadiano Steve Apostolopoulos também alega estar na corrida, mas os Commanders terão aceitado a proposta de Josh Harris. Roger Goodell, o comissário da Liga, disse no final da semana passada, à margem do draft da próxima época, que «estão a ser feitos progressos», estimando que «possa ser possível anunciar uma transação a meio ou no final de maio».

Para a venda ser aprovada, ela terá de ter voto favorável de 75 por cento dos donos de clubes. A acontecer pelos valores divulgados, será a maior venda de sempre de uma equipa norte-americana, superando os 4.65 milhões de dólares que valeram os Denver Broncos, no ano passado.

Patrocinados