«As pessoas estavam a fazer sexo enquanto eu olhava para o estádio do Inter»

31 mai 2022, 17:30
Alexandre Pato (Orlando City)

Alexandre Pato recordou as várias etapas da carreira: a mudança para o AC Milan, o helicóptero de Ancelotti e a vida louca em Los Angeles

Alexandre Pato foi uma das maiores promessas do futebol mundial, mas acabou por não conseguir atingir o potencial que lhe atribuíram. Numa entrevista sincera, o internacional brasileiro assumiu as responsabilidades por ter feito uma carreira aquém do esperado.

«Havia tantos rumores, especialmente no Milan. Fui a demasiadas festas, não tinha vontade. Vivia num mundo de fantasia. Quando quis falar, disseram-me para estar concentrado no meu futebol. Era demasiado jovem para discordar», começou por dizer ao «The Players Tribune». 

O avançado chegou a Itália com apenas 18 anos, uma mudança que chegou demasiado cedo. «Quando tens 11 anos, não estás preparado para o mundo. Persegues o teu sonho, mas estás sozinho e é fácil perderes o rumo. Deus deu-me uma prenda, isso é óbvio. Nunca joguei num campo de futebol normal até aos 10 anos porque o futsal era mais divertido. Um dia joguei um torneio de futebol da escola e uns olheiros do Internacional perguntaram-me ao meu pai se poderia experimentar o futebol de 11», contou.

A caminho das captações do Internacional, Pato e a sua família tiveram de ficar alojados num motel. «'Filho, este é o único lugar que podemos pagar', disse-me o meu pai. O hotel ficava em frente ao estádio Beira-Rio. As pessoas estavam a fazer sexo enquanto eu olhava para o estádio do Inter. Ainda hoje brinco com o meu pai sobre o assunto. Estávamos a andar à volta do estádio quando de repente, aparece um diretor do clube e pergunta-me se eu não deveria estar a treinar. Confundimos os horários. Pior ainda, tinha deixado as chuteiras no motel. O meu pai teve de ir a correr buscá-las. Acabou por ser um miúdo chamado Coção, que tinha um contrato de patrocínio de chuteiras que me ajudou», referiu.

O atacante, atualmente no Orlando City na MLS, relatou que esteve perto de perder um braço e explicou por que razão aceitou ir para o AC Milan quando poderia ter assinado por outro gigante europeu.

«Poderia ter ido para Barcelona, Ajax ou Real Madrid. Porquê o AC Milan? Deixa-me responder com uma pergunta.. Kaká, Seedorf, Pirlo, Maldini, Nesta, Gattuso, Shevchenko, o Fenónome, o Real Ronaldo. Tinha de jogar com esse gajo! Que equipa. Tinham acabado de ganhar a Liga dos Campeões e o AC Milan era a melhor equipa naquele momento», justificou. 

«Aterrei em Milão e tive de realizar um exame aos olhos que fazia parte dos testes médicos. Pressionei a palma da mão com demasiada força contra o meu olho esquerdo. O médico teve de me colocar umas gotas, mas deixei a sala quase às cegas. E quem apareceu? O grande Ancelotti», acrescentou. 

Ancelotti acabou por tornar-se numa figura paternal para Alexandre Pato. «Tornou-se num pai. Chamou Pato ao seu cão. Viram aquela foto dele a celebrar com um charuto e de óculos de sol no autocarro do Real Madrid? Em Milão aparecia no treino de helicóptero. Vivia em Parma e a sua mulher sabia pilotar. Aparcia como o James Bond. Se havia alguém que vivia com estilo, esse alguém era Carlo», relembrou.

 O canarinho confessou algum deslumbramento pela forma como tudo aconteceu rapidamente na sua carreira.

«Comecei a sonhar demasiado. Ainda que estivesse a trabalhar duro, a minha imaginação levava-me a todo o tipo de lugares. Na minha cabeça já tinha a Bola de Ouro na mão. Não consegues evitar. Além disso, tinha sofrido muito para chegar ali. Por que razão não podia desfrutar? Fui o Golden Boy em 2009 e não pensava na Bola de Ouro. Só me estava a divertir! Era imparável quando vivia o presente, mas a minha mente desviou para o futuro. Depois, em 2010, comecei a lesionar-me a toda a hora e perdei confiança no meu próprio corpo. Estava a recuperar de uma lesão muscular e depois torcia o tornozelo, mas queria continuar a jogar. Não queria desiludir a equipa. Esse foi um dos meus defeitos. As pessoas esperavam que marcasse 30 golos por época, mas nem sequer conseguia entrar em campo. Podia lidar com as dúvidas dos outros, mas quando as dúvidas surgem dentro de ti, é diferente», explicou.  

Após sair do AC Milan, Pato voltou ao Brasil, jogou uma época no Chelsea e outra no Villarreal até se aventurar na China. Regressou novamente ao Brasileirão para jogar dois anos no São Paulo antes de se mudar para a MLS.

«Fui por caminhos errados. Depois da passagem pela China continuei solteiro e decidi aproveitar a minha liberdade. Fui para Los Angeles. Queria o melhor hotel, o melhor carro e as melhores festas. De repente, estava uma rapariga a cheirar cocaína ao meu lado. Comecei a pensar: 'O que estou aqui a fazer?'. Não era o que queria. Era um mundo vazio. Perguntei a um amigo: 'Vou passar o resto da minha vida sozinho?'. Assim que voltei ao Brasil, enviei uma mensagem a uma velha amiga, a Rebeca. Fomos tomar café uma e outra vez até que ele me levou à Igreja. A Bíblia tinha todas as respostas que procurava há anos. Naquele dia tudo mudou para sempre», concluiu.  

Apesar de tudo o que aconteceu, o futebolista não tem qualquer tipo de arrependimento. «A minha carreira poderia ter sido diferente? Claro. Agora é fácil olhar para trás e dizer o que eu deveria ter feito. Não tenho arrependimentos. Olhemos para o lado bom. Estou em forma, sou saudável e ainda amo o futebol. Só vivemos uam vez. Ainda acredita que posso jogar um Mundial como o Thiago Silva e o Dani Alves.»

 

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