Pandora Papers: o escritório de advogados “dono disto tudo”

11 out 2021, 22:15
Dinheiro

Chamam-se Baker McKenzie e é, provavelmente, o maior escritório de advogados dos Estados Unidos. E a sua especialidade? Levar riqueza para paraísos fiscais

A firma Baker McKenzie é o maior escritório de advogados dos Estados Unidos. E tornou-se ainda mais conhecido após a divulgação dos Pandora Papers, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). É uma sociedade de advogados especializada em levar riqueza para paraísos fiscais e entre os seus clientes encontramos magnatas, foragidos à justiça, fabricantes de armas e, até, regimes autoritários.

Segundo escreve o El País, um assessor de um antigo primeiro-ministro da Malásia recorreu a esta firma e, através de empresas dirigidas por interpostas pessoas, desviou centenas de milhões de dólares de um fundo de desenvolvimento económico do Governo. É procurado pela justiça de três países.

Entre os clientes está também, um fabricante de armas russo alvo de sanções internacionais por conduta indevida. Mas, até a gigante tecnológica Apple, procurou um abrigo fiscal para o colocar o seu dinheiro no estrangeiro, junto desta firma.

E o que têm em comum estas pessoas e esta empresa? Uma ligação ao maior escritório de advogados dos Estados Unidos, com sede em Chicago.

Esta sociedade conta com 4.700 advogados espalhados por 46 países e tem receitas de cerca de 2,5 milhões de euros. A Baker McKenzie garante estar comprometida com o Estado de Direito e os mais altos padrões internacionais de ética, direitos humanos e políticas anticorrupção.

“Somos verdadeiros e transparentes”, afirma a empresa no seu código de conduta empresarial. "Não fazemos negócios com personagens de má reputação". Mas os nomes ligados à firma parecem indicar o contrário.

A investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, através dos milhares de documentos dos Pandora Papers, mostra agora como este escritório de advogados ajudou multinacionais e multimilionários a evitar o pagamento de impostos usando empresas fachada, fundos fiduciários e estruturas offshore complexas. Esses instrumentos, envoltos em sigilo, abrigam uma riqueza enorme: casas, iates, ações e dinheiro que, às vezes, têm uma origem obscura, escreve o El País.

Entre os clientes encontramos indivíduos e empresas suspeitos de corrupção, práticas empresariais fraudulentas e regimes autoritários. Vejamos dois exemplos.

Jho Low

Jho Low foi assessor de Najib Razak, antigo primeiro-ministro da Malásia, e um dos clientes das filiais da Baker McKenzie e é, agora, um fugitivo à justiça. Desviou 4,5 milhões de um fundo de desenvolvimento económico do Governo e é procurado há cinco anos pela Malásia, pelos Estados Unidos e por Singapura. Todas as tentativas para encontrar Jho Low, de 39 anos, não tiveram qualquer sucesso. O seu paradeiro continua desconhecido.

A Rostec, a empresa russa fabricante de armas - como, por exemplo, as Kalashnikov - e que está ligada ao executivo do país, queria vender a sua participação numa mina de cobre na Mongólia a uma empresa também mongol e adjudicou vários contratos com a Baker McKenzie, quando já era alvo de sanções internacionais. Sanções aplicadas devido a conduta indevida, tanto por parte dos Estados Unidos, como da União Europeia. Esse negócio acabou por dar início a uma investigação de corrupção contra o primeiro-ministro do país (Mongólia).

Yury Slyusar (à esquerda) Sergei Chemezov, diretor da "RosTec" (ao centro) e Denis Manturov (à direita) ministro russo da Indústria e do Comércio

De todos as instituições identificadas nos Pandora Papers, sobressai o escritório de advogados Baker McKenzie, que terá participado nos negócios de mais de 440 empresas registradas em paraísos fiscais.

Os documentos revelam, por exemplo, que este escritório ajudou a criar sociedades no Chipre para a gigante de alimentos e tabaco RJR Nabisco. Já para a Nike, a firma de advogados ajudou a criar um abrigo fiscal na Holanda. E segundo documentos judiciais nos Estados Unidos, a Baker McKenzie também ajudou o Facebook a redirecionar milhões de dólares em lucros para a Irlanda, um país com impostos mais baixos.

Perante a informação agora divulgada, John McGuinness, porta voz da Baker McKenzie, explicou ao ICIJ, através de declarações escritas que a "transparência e responsabilidade são elementos integrantes do tipo de conselhos" dados aos clientes. Depois acrescentou que o escritório tem “muito cuidado para garantir que os clientes cumprem a lei e as melhores práticas".

Mas os documentos analisados pelo ICIJ revelam o papel do escritório de advogados em ações de lóbi e tentativas de interferências em decisões políticas de diversos países, atuando em nome de grandes instituições bancárias e empresas tecnológicas. A firma chegou mesmo a opor-se a propostas de leis que pretendiam uma supervisão mais rígida dos mercados financeiros.

E o ICIJ dá alguns exemplos. Nos Emirados Árabes Unidos, a Baker McKenzie ajudou a criar "zonas francas" que muitos críticos dizem ter fomentado atividades ilícitas. Na Austrália, opôs-se a uma medida que pretendia conter a evasão fiscal, em paraísos fiscais, por parte de grandes empresas. E nos Estados Unidos tentou que mais clientes estrangeiros ficassem isentos de investigações, que pretendiam evitar o branqueamento de capitais.

Na verdade, a investigação descobriu que cerca de 300 advogados da Baker McKenzie assessoraram representantes de órgãos estatais em questões de legislação tributária internacional e reformas anticorrupção. E mais de 220 funcionários do escritório, em 35 países, ocuparam cargos em órgãos governamentais, como ministérios da justiça, repartições fiscais, Comissão Europeia ou gabinetes de chefes de estado.

O nome da Baker McKenzie aparece em mais de 7500 documentos, muito mais que qualquer outro escritório de advogados norte-americano. Grande parte desses documentos são originários de três especialistas em paraísos fiscais: a Trident Trust, com escritórios nas Ilhas Virgens Britânicas; o Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), um escritório de advogados com sede no Panamá; e o Asiaciti Trust, com sede em Singapura.

A Baker McKenzie não é só o maior escritório de advogados dos Estados Unidos, como também é dos mais conhecidos do mundo na área empresarial. Esta sociedade de advogados é considerada pioneira e adotou um modelo que permite empresas estrangeiras serem suas associadas sem partilharem benefícios ou responsabilidades. Foram ainda dos primeiros defensores de estratégias de planificação fiscal que permitem às grandes empresas e milionários usufruir dos benefícios dos paraísos fiscais, sem terem de transferir as empresas ou bens para esses locais.

Quem é Russel Baker

Russell Baker, um dos fundadores da firma, nasceu em 1901. A sua paixão por diversas culturas, acabou por inspirá-lo, segundo uma breve história divulgada pela empresa, em criar o primeiro escritório de advogados que trabalhasse a nível mundial.

Estudou direito na Universidade de Chigaco e criou a primeira firma com um colega, especializada em ajudar cidadãos mexicanos. Quando, em 1942, os Estados Unidos aprovaram a Lei das Corporações Comerciais do Hemisfério Ocidental, que oferecia incentivos fiscais para empresas que tinham atividade na América latina, Baker pensou logo numa forma das próprias empresas norte-americanas se poderem qualificar a este incentivo, transferindo os lucros para jurisdições com baixa tributação.

Era o início do que o Russell Baker denominava de planeamento fiscal, destinado a ajudar as empresas a aproveitarem ao máximo as complexidades do sistema tributário dos Estados Unidos. Num artigo publicado em 1957, juntamente com um colega, escreveu que “o contribuinte tinha o direito de organizar seus negócios da forma que queria”.

Em 1948, Russell Baker partilhou um táxi com John McKenzie, um litigante de Chicago, e das ideias partilhadas à abertura da firma, um ano depois nasceu a Baker & McKenzie.

Os advogados que parecem desempenhar um papel essencial nestes esquemas, acabam quase sempre por escapar a qualquer escrutínio, devido ao sigilo profissional ao qual são obrigados para com os seus clientes.

O presidente a nível mundial da Baker McKenzie, Milton Cheng, recusou conceder uma entrevista Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.

Christine Lagarde

Um dos nomes mais sonantes ligados à Baker McKenzie é o de Christine Lagarde, que presidiu a esta firma internacional, entre 1999 e 2004. Recorde-se que anos mais tarde, Christine Lagarde, foi presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e desde 2019 é presidente do Banco Central Europeu.

É preciso ressalvar que ser proprietário de uma offshore não é crime. É a forma como se utiliza essa offshore e se esta é, ou não, declarada às autoridades, que faz a diferença.

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