Tal como hoje já não brilha o termo “software”, a IA chegará à “marca branca”. Nos produtos, aí sim, haverá exceções.
O termo "software" foi cunhado por John Tukey em 1958, começando a ganhar popularidade na década de 1960. Mas foi com a Microsoft, fundada em 1975, e com Bill Gates, que começámos a popularizar os termos e expressões populares que nos anos 80 viriam a dar nota de uma revolução. Tudo vai ser dos computadores ou feito por computadores. Tudo é software. Até à velha máxima de Marc Andreessen em 2011 “software is eating the world”.
Em 2024 podemos dizer que estamos em nova repetição do estado de espírito, com meio mundo a apregoar que tudo vai ter IA e até mesmo que a “IA is eating the world”. Mas há duas vertentes. Tal como na computadorização.
De um lado temos o software
Do lado do software, também a IA será na esmagadora maioria dos casos “invisível”. Ela irá ficar gradualmente embebida dentro dos programas que já hoje usamos (Word, Photoshop, Canva, etc.) até um dia já nem dizermos que isto-ou-aquilo é “powered by AI” ou qualquer outra expressão. A indústria passará simplesmente a dar nota dos avanços da tecnologia, focando-se nos benefícios para o consumidor e para as empresas. A IA como etiqueta promocional irá ficar banalizada ou, melhor dizendo, naturalizada. Tal como hoje já não brilha o termo “software”, a IA chegará à “marca branca”.
Não quer isto dizer que ela perderá relevância. Antes que estará tão transversal e necessária que será uma nova norma. Não será a exceção. Pelo que nos habituaremos a que algo de IA exista sempre.
Um pouco como olharmos hoje para o cinema e para o hábito de sabermos que a geração de imagens por CGI (computer generated imagery) está lá, simplesmente nem sempre conseguimos detetá-la. Já nem questionamos. Faz tudo parte da nova para-realidade imagética e do storytelling cinematográfico.
Do outro lado temos os produtos
Aqui sim. E tal como os “computadores” se tornaram tão comuns ao ponto de serem indiferenciados enquanto produtos e dispositivos temos, no entanto, as exceções de “computação” que criaram categorias em si mesmas, produtos diremos até autónomos que a sua designação determina um uso e um propósito.
São exemplos o iPhone, ou as colunas Alexa, ou a Playstation, ou o Kindle, ou a GoPro, os aspiradores Roomba, ou mesmo a Tesla para designar o conceito de um carro elétrico e (semi) autónomo. Cada um à sua maneira construiu uma categoria que quase se designa e se explica pela marca do produto.
Será neste âmbito que a IA enquanto produto poderá vir a encontrar um espaço na vida das empresas e dos cidadãos que a fará ficar mais evidente. O caso mais provável e onde mais apostas estão a ser feitas é nos Assistentes Pessoais, integrados multi-device mas com uma marca própria que cada utilizador terá a acompanhá-lo para vários contextos: sugestões no Gmail, marcações de tarefas na Agenda, recomendações de música para tocar no Spotify, anotações de lembretes no telemóvel, abrir e fechar o portão da garagem lá de casa, pedir para postar uma foto acabada de tirar no Instagram com a legenda tal-e-tal, ou até mesmo contar um acontecimento do dia e pedir dicas sobre como melhorar a nossa abordagem, desabafar sobre um mau momento e pedir conselhos, ou simplesmente deitar na cama e pedir que nos conte uma história relaxante, etc.
O outro campo será o da robótica, onde a aplicação da IA sobre dispositivos mecânicos e comportamentais lhe atribuirá um significado quase-humano, fazendo subir o nível de reflexão em torno do facto das máquinas com ilusório comportamento humano nos parecerem... mais humanas e menos máquinas, numa reflexão sociológica e filosófica que se antevê fascinante ou fantasmagórica (cada um dirá de si).
Especula-se, aliás, que neste campo da robótica surjam muitos subníveis (aliás uma das apostas e ideias promovidas por Elon Musk), de onde se elencam os cuidadores pessoais para pessoas mais velhas ou solitárias, animais de estimação, ajudantes e acompanhantes em várias profissões quase ao nível de verdadeiros colegas (como por exemplo na área de logística, para o trabalho mais pesado e rotineiro), agentes de monitorização, vigilância e segurança, etc.
Igualmente fascinante e já hoje existente, mas cada vez mais potenciado, será o campo da virtualização, com a geração ainda mais potente e realista de “personalidades” virtuais, influenciadores, artistas, gamers, fashionistas, ...o que seja, e que trarão conteúdos regulares e nos farão segui-los como hoje já fazemos com uma qualquer personalidade real. Seja na rede social a comentar os seus posts, a ver os seus vídeos, na compra de livros que eles “escreveram”, ou pagando para os ver em eventos ao vivo.
2030
Estaremos numa nova década não tarda, ainda a lutar contra as alterações climáticas que nos afligem, mas já habituados a um novo paradigma. Seja ele invisível e útil, mas sem já darmos conta, ou noutro evidente e que terá nomenclaturas e marcas que entretanto se terão imposto pela relevância, por saberem identificar do que necessitamos completar nas nossas vidas.
Mas de uma forma ou de outra, é um facto: a IA veio para ficar.
Nota: Ricardo Tomé, é Diretor Geral da Media Capital Digital e Docente na formação de Executivos na Católica Lisbon School of Business and Economics
A imagem no topo deste artigo foi gerada por Inteligência Artificial