A julgar pela quantidade de notícias, artigos de opinião e publicações nas redes sociais que surgiram nos últimos 5 meses, poder-se-ia dizer que a inteligência artificial (IA) é uma inovação dos nossos dias. Contudo, o “hype” dos últimos meses criado em torno do lançamento do ChatGPT, o chatbot gratuito da empresa OpenAI, que interage de forma quase humana em resposta a uma solicitação (prompt), tendo por base um grande modelo de linguagem (Large Language Model). É apenas mais um passo num processo de aprimoramento das capacidades das máquinas que começou em 1956, quando se estabeleceu a IA como área de estudo, na conferência de Dartmouth College.
Desde então, e à medida que o poder de computação foi aumentando, investiu-se muito no propósito de colocar a tecnologia ao serviço do homem e de atribuir às máquinas aptidões tidas como humanas, seja no domínio da interação, na modelação de dados ou mesmo na aprendizagem. Ninguém estranha hoje a utilização do corretor automático nos processadores de texto ou o desbloqueio de sistemas com reconhecimento de impressões digitais ou faciais. Nem mesmo a interação com motores de busca, plataformas e-commerce e até assistentes virtuais que usam mecanismos de IA para dar resultados mais personalizados, recomendar produtos e executar tarefas.
A IA pode não ser uma novidade, mas é sem dúvida admirável e trará novas realidades ao nosso mundo, pois está já a revolucionar áreas que até hoje pareciam ser do domínio exclusivo do ser humano. Com a democratização do acesso a ferramentas de IA é cada vez mais rápida e eficiente a criação de conteúdos orientados para uma melhor performance e impacto. Já temos exemplos de campanhas publicitárias, programas de entretenimento, rádios e jornais produzidos só com recurso a IA e até uma fotografia gerada por IA ganhou um Sony World Photography Award sem que o júri tenha suspeitado do facto de não ter tido intervenção humana.
Outro exemplo é o facto de já ser possível reproduzir a voz, a imagem, as expressões e os factos sobre qualquer pessoa, o que torna mais exigente qualquer diligência de verificação de uma identidade ou da veracidade de uma informação. Precisamos de estar cada vez mais atentos para não sermos manipulados e vítimas de fraude, numa sociedade cada vez mais digital, com mais dados a serem partilhados e maior exposição.
Para que este avanço tecnológico - que já não pode ser travado (muito menos proibido!) - traga mais benefícios do que malefícios, é importante que o nosso sentido crítico esteja hoje mais presente no debate das regras e propósitos para a sua aplicação, pois regulamentação e supervisão são necessárias para uma maior transparência dos processos e, consequentemente, uma maior confiança nas ferramentas de IA.
Por outro lado, é fundamental apostar na literacia digital de todos, em todas as idades e em todos os sectores da sociedade e na requalificação dos trabalhadores que serão tendencialmente substituídos por processos automáticos. É preciso procurar garantir que os sistemas de IA são desenvolvidos com vista a aumentar a produtividade do ser humano, individual e coletivamente, bem como otimizar os sistemas de produção, evitando o erro e o desperdício de tempo e recursos.
Por fim, que se priorize o investimento em sectores que contribuam para aumentar o bem-estar e a qualidade de vida da população, bem como na promoção do envelhecimento ativo, como é o caso da utilização da IA na interpretação de exames médicos e dados clínicos para diagnósticos mais precoces e descobertas de novas curas e tratamentos.
É fácil estabelecer um paralelismo entre os riscos das transformações que vivemos e as grandes reflexões literárias distópicas de George Orwell ou Aldous Huxley. Podemos admirar e usar a AI para potenciar a nossa atuação enquanto seres humanos, mas temos de ser corajosos para assegurarmos que não somos reduzidos a algoritmos e linhas em bases de dados, nem manipulados, controlados ou formatados. Usemos, para isso, as capacidades que ainda são exclusivamente humanas: o bom senso, a consciência e a ética.