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Como a IA, Sputnik, Armas Nucleares ou a Hello Kitty se encontraram todos na mesma conferência

11 jun, 18:02

A conferência AIVOLUTION organizada pela Knower do grupo Wellow juntou em Lisboa centenas de profissionais ávidos de perceber como a IA se irá conjugar com os negócios mas também desenvolver a nossa humanidade e um futuro mais sustentável. Aquela que desafia afirmar-se como a maior conferência em Portugal sobre IA reuniu nomes da elite mundial do pensamento, como Gerd Leonhard ou o Professor António Damásio, conseguindo ainda juntar a este ‘mix’ uma abertura com ballet contemporâneo e fechar o dia com os BeatBombers. No mínimo, surpreendente. Ou como diria a célebre personagem John Hammond em “Jurassik Park”: "We spared no expense"

E foi verdadeiramente um dia recheado de reflexões a ter em conta. Tendo pessoalmente moderado o painel dedicado a estratégias de implementação da IA nas empresas, com Margarida Almeida da Altice Labs e João Camarate da Broadvoice, aqui abaixo partilho as principais notas que aproveitei dos keynote speakers, para os leitores da CNN:

GERD LEONHARD

A Humanidade na Inteligência Artificial

A corrida pela IA é hoje similar ao que vivemos no século passado, quando a Rússia colocou o Sputnik em órbitra e isso desencadeou a corrida pelo Espaço com os Estados Unidos da América a darem tudo por tudo pela liderança na chegada à Lua. Seguiu-se a Guerra Fria com o armamento nuclear, ameaça patente e no fio da navalha para equilíbrio das forças mudas geopolíticas. Hoje a IA está já presente em tudo, como “ferramenta” omnidirecional, do poderio militar ao marketing, na criação de conteúdo ou na espionagem e reconhecimento facial, pelo que a nova corrida está em curso e apenas a Europa está a colocar medidas de controlo, enquanto EUA e CHINA correm desenfreadamente.

Leonhard defende, no entanto, que o futuro será apenas risonho para os negócios sustentáveis. Os consumidores simplesmente não irão comprar a empresas que não o sejam. Haverá oferta suficiente para permitir isto. Depois da Revolução Digital, estando agora na Revolução Sustentável, aquela que se seguirá é a Revolução do Propósito: viver mais e melhor sem precisar de mais

posses, mas ambicionando prosperidade. O novo capitalismo migrará da rentabilidade para a sustentabilidade.

E a IA?

O que puder ser automatizado, será automatizado. Portanto se a migração não for gerida, criar-se-ão assimetrias, sim. Empregos irão perder-se, sim. Pelo que cabe já hoje gerir a transformação, e não daqui a 20 anos os Estados e o dinheiro dos contribuintes vir a ser exigido para resolver os problemas que entretanto se criaram, tal como hoje estamos a tentar resolver os danos do boom económico às custas do clima.

Em síntese. As máquinas devem estar ao serviço da humanidade. O futuro é uma coisa boa. O passado foi sempre pior. Focar no desenvolvimento da sabedoria no ser humano e não em tarefas repetitivas que podem ser automatizadas. E manter a tecnologia sob total controlo.

ANTÓNIO DAMÁSIO

A ciência da consciência no cenário da inteligência artificial:

Damásio explicou de forma clara e detalhada como vê a consciência, aquela do sentido de sentir-se, não da consciência moral, mas da consciência do eu. Trata-se de um processo biológico, partilhado com outras espécies vivas desde que possuam um sistema nervoso central (excluem-se por isso as plantas, por ex.º).

Graças aos sistemas corporais primários, como a fome, a sede, a temperatura corporal, a respiração, a náusea, ... esta nossa capacidade de sentir, esta fisiologia, permite-nos ter a consciência de nós mesmos. E há experiências observadas que Damásio partilhou onde, ao inibir estes sensores, a capacidade de consciência quase desapareceu.

Mas a explicação é ainda complementada ao nível neuronal. Os processos de comunicação nos nossos neurónios não são todos iguais, e nalguns casos as extremidades da célula nervosa não estão protegidas e podem assim ser ligadas a outras, sendo mais “primitivas”, promovendo os sentimentos homeostáticos, os tais que permitem a consciência de si mesmo: o processamento desta informação termina no tronco cerebral e não é distribuído pelo neocórtex (ao contrário dos outros sentidos). A consciência é um processo interior. Não depende do que vemos pelos nossos olhos, do que ouvimos pelos nossos ouvidos, do que cheiramos pelo olfato e sentimos pelo tato, etc. Depende sim dos sistemas internos. E daí que o sentimento de consciência de nós mesmos se dá mais plenamente quando vivemos em bem-estar interior. Essa tranquilidade, essa quase plenitude, esse equilíbrio quando se verifica é

que permite que nos possamos debruçar sobre a curiosidade, o pensamento, a vida.

E como se liga tudo isto à IA?

Segundo o Professor António Damásio, sendo a consciência este processo primitivo só possível pela sua ligação às nossas “vísceras”, ele é impossível de se digitalizar e replicar em máquinas, até porque nestas a inteligência é assistida, mecanizada, matematizada. Será possível no raciocínio lógico e capacidade de processamento a IA ultrapassar a inteligência natural, mas na capacidade de consciência, por ora e por muito tempo não se apregoa sequer possível.

Sputnik, IA, Armas Nucleares...

...então e a Hello Kitty do título?

Pois bem. Foi tema de conversa à volta da mesa, simplesmente porque tanta coisa muda e tão depressa, mas para os nossos filhos a Patrulha Pata ou a Hello Kitty continuam a ter a mesma graça hoje como há 10 anos. Veremos como também aí um dia destes a IA lá chegará com que novidade.

Nota: Ricardo Tomé, é Diretor Geral da Media Capital Digital e Docente na formação de Executivos na Católica Lisbon School of Business and Economics

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