Os sistemas de rotulagem nutricional simplificada na frente da embalagem (como o Nutri-Score) prometem facilitar os consumidores a fazer escolhas saudáveis, mas, diz um recente estudo do INSA, podem, na verdade, ser enganadores
Vistos como importantes ferramentas de saúde pública e combate de doenças relacionadas com a má alimentação - como diabetes, obesidade ou hipertensão -, os sistemas de rotulagem nutricional simplificada na frente da embalagem (como o Nutri-Score) têm estado em discussão um pouco por todo o mundo.
Um recente estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), publicado em dezembro deste ano, vem revelar que, afinal, o Nutri-Score “pode ser considerado pouco eficiente e potencialmente enganador em algumas categorias de alimentos”, uma situação que, ao contrário do esperado, que é facilitar a leitura do que é ou não saudável, pode ter “um impacto significativo na perceção da composição e qualidade nutricional dos alimentos e na decisão de compra dos consumidores”.
O Nutri-Score baseia-se num esquema de cores e letras que rotula os alimentos de nutricionalmente bons a maus, sendo a cor verde e as letras A e B as mais positivas e a cor vermelha e a letra E as que dizem respeito a alimentos a evitar. De salientar que os sistemas de rotulagem estão apenas presentes em alimentos processados e embalados e o algoritmo em causa exclui aditivos, grau de processamento, pesticidas, antibióticos, alergénios, aromas, tamanho da porção e o método de preparação/confeção.
A discussão sobre o tema deve-se sobretudo ao algoritmo usado para determinar a cor e/ou letra atribuída ao alimento processado e, segundo o estudo levado a cabo pelo INSA, há alimentos classificados como verde (A e B) que não são assim tão bons nutricionalmente e saudáveis como o esperado.
Segundo os dados da análise feita, dos 60,1% dos alimentos que tinham classificação Nutri-Score A ou B (verde), “a grande maioria (87%) (...) não cumpria os valores de referência da EIPAS [Estratégia Integrada para Promoção da Alimentação Saudável], quando avaliados conjuntamente os açúcares e o sal”.
Em Portugal, a DECO tem atualmente em vigor uma campanha de apelo à adoção do Nutri-Score de forma generalizada, estando este sistema de rotulagem já presente, por exemplo, nos produtos alimentares de marca própria da Auchan e Pingo Doce, mas também em alimentos de multinacionais como a Danone. O Continente, por seu turno, tem um sistema de rotulagem nutricional próprio, ao estilo semáforo e inspirado no que é usado no Reino Unido.
O que diz o estudo do INSA
Para a análise da Unidade de Observação e Vigilância do Departamento de Alimentação e Nutrição do INSA foram monitorizados, entre maio e novembro deste ano, 268 produtos, de dez categorias alimentares diferentes, com rotulagem simplificada Nutri-Score.
“Foi feita, posteriormente, a comparação conjunta dos teores de açúcares e de sal recolhidos com os correspondentes valores de referência da EIPAS, tendo em consideração a classificação Nutri-Score dos produtos avaliados”, lê-se no estudo Alimentos classificados com Nutri-Score no mercado português: monitorização de características nutricionais em 2021.
No leque de categorias avaliadas estão alimentos consumidos diariamente por muitas famílias portuguesas, como bolachas e biscoitos, cereais de pequeno-almoço, iogurtes sólidos e líquidos, bebidas lácteas aromatizadas; snacks e batatas fritas, sumos e refrigerantes, alternativas vegetais aos iogurtes, bebidas vegetais, leguminosas prontas a consumir e preparados de base vegetal para refeição.
Dos alimentos alvo de escrutínio, 60,1% tinham um rótulo verde (e letras A e B), o que indica uma melhor classificação nutricional. Do total de alimentos em análise, 17,2% tinham a letra C (cor amarela), 9,3% a letra D (cor-de-laranja) e 13,4% a letra D (cor vermelha e indicador de pior qualidade nutricional).D
No entanto, diz o estudo, “considerando a totalidade dos produtos, das dez categorias avaliadas, verificou-se que somente 9% cumpriam os valores de referência da EIPAS”, o que quer dizer que 91% “apresentava teores conjuntos de açúcares e de sal que excedem os valores definidos”.
Depois de reduzirem os alimentos analisados apenas aos que são classificados como nutricionalmente bons (A e B com cor verde), os investigadores do INSA concluíram ainda que “apenas 13% se encontravam em linha com os valores de referência da EIPAS”.
Alimentos do dia-a-dia podem ser enganadores
Olhando de forma individual para as diferentes categorias de alimentos que estiveram em análise, as percentagens de produtos com Nutri-Score A ou B “sobem de forma significativa”, dizem os autores, apresentando dados: 93,7% dos iogurtes sólidos e líquidos, 85,7% das bebidas lácteas aromatizadas, 100% dos iogurtes de origem vegetal, 100% das bebidas de origem vegetal, 94,1% das leguminosas prontas a consumir e 100% dos preparados de base vegetal para refeição estão rotulados como nutricionalmente bons (A ou B).
Porém, adverte o estudo, apesar de estas percentagens “serem muito mais elevadas e de se tratarem de produtos que são normalmente percecionados como mais saudáveis, somente 6,3% iogurtes sólidos e líquidos, 0% das bebidas lácteas aromatizadas; 7,1% iogurtes de origem vegetal, 39,1% bebidas de origem vegetal, 29,4% leguminosas prontas a consumir e 0% preparados de base vegetal para refeição estão de acordo com os valores de referência da EIPAS”.
Quanto aos cereais de pequeno-almoço, que os próprios autores reconhecem que são de consumo regular por parte de crianças e jovens, 56,3% tinham rótulo verde e letras A ou B, mas, mais uma vez, isso não quer dizer que se trate de uma escolha tão saudável como parece. “À semelhança de certas categorias indicadas anteriormente, 0% cumprem os referidos valores de referência”.
No que diz respeito à bolachas e biscoitos, aos snacks e batatas fritas e aos sumos e refrigerantes - alimentos comummente desaconselhados para consumo diário - quase nenhum estavam em conformidade com os valores de referência.